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Edições Anteriores 21 O ensino jurídico no Brasil
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Escrito por Vilmar Araujo de Souza   
Qua, 14 de Julho de 2004 21:00

Embora o curso de direito tenha sido projetado no limiar do século XIX (1826), advindo da constituição outorgada de 1824, considera-se a problemática do ensino jurídico uma questão contemporânea, pois as novas concepções didáticas que se contrapõe a perspectiva da escola tradicional adentram o sistema educacional brasileiro a partir da década de vinte.

Reportando-se as políticas educacionais brasileiras, percebe-se que sempre houve um caráter de reprodução e ajustamento às políticas sociais e econômicas de cada época, basta olharmos para as mudanças econômicas projetadas na década de noventa e as mudanças educacionais desencadeadas a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O currículo do curso de direito teve sua base conceitual nas doutrinas dogmáticas que viam no curso de direito a legitimação das diferenças sociais, onde as elites dominantes fazendo uso, do ordenamento jurídico garantiam a propriedade como critério de valoração do status social.

O eixo temático de discussão neste primeiro período histórico centrava-se em discutir o que formar e não o como e nem porque formar bacharéis. Prevalece o pressuposto de que a função social do curso de direito era formar os bacharéis para responder aos desafios da elite administrativa.

Com o advento da Republica, quando os membros do liberalismo adentram à sociedade brasileira, surge o ideário de discutir de certa forma o perfil do profissional formado nos cursos jurídicos, que esteve pautado na formação de advogados, magistrados e promotores.

Na verdade isto nada mais é do que um reflexo da nova organização do estado, que a partir da tripartição de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), determina a ação destes profissionais. Ainda assim, o curso continuou com seu propósito maior de formar a elite institucional brasileira, de cunho humanístico católico.

Historicamente a concepção teórica que marcará o currículo dos cursos de direito senta-se no ideário romântico ou jusnaturalista, no entanto a influência do cotidiano da profissão do advogado também destacou-se no processo formativo.

O currículo do curso de direito na verdade esteve associado ao estudo da natureza do estado, sua linguagem e seus propósitos oficiais, ou seja, como se desenvolveram as instituições brasileiras. Isto fez-se pela transmissão e reprodução do conhecimento oficial, logo pelo estudo dos códigos (a fala oficial do estado).

O estudo do direito romano como base de articulação do dogmatismo jurídico esteve presente em contextos históricos conservadores.

Contrapondo-se a esta tendência, em períodos inovadores prevaleceu o estudo do direito público.

A identidade do curso de direito oscilou entre formar bacharéis para o exercício da advocacia e juizes, ou em formar elites administrativas para servir ao estado. Na prática veio ocorrer a junção de ambos os propósitos.

A inclusão de disciplinas ligadas às ciências sociais, como a sociologia, embora tenha sido proposta já no início do século XX, não teve êxito e acabou por dar lugar ao estudo do direito romano.

Apenas em 1972, ainda com muita resistência, é que a sociologia constitui-se como ciência acessória dentre os componentes curriculares dos cursos de direito. É bem verdade que mesmo estando como disciplina obrigatória, em função da relevância dada à dogmática jurídica, acaba por assumir um caráter secundário no curso. (RES. 03/72- CFE).

Muito embora a primeira república tenha sido denominada "república dos bacharéis", constata-se um esvaziamento curricular na perspectiva da formação humanística, sem grandes contribuições ao processo formativo dos advogados.

Ainda que tenha havido uma revolução na organização do estado, o estudo jurídico continua a representar os anseios do regime imperial.

Somente através da reforma educacional de 1931, (Reforma Francisco Campos), é que o ensino jurídico sofre uma adequação às necessidades da sociedade urbano-industrial, que passa a ser implementado a partir de 1932. Na verdade, a Reforma Educacional Francisco Campos faz uma adequação dos princípios e diretrizes educacionais aos ditames da reforma econômica e política da época.

Segundo Bastos (1997), o ensino jurídico não é exclusivamente verborrágico, bacharelesco, de natureza retrógrada e verbal, mas sim um conhecimento de natureza científica.

A positivação da ciência (o método de Kelsen) deu as condições de cientificidade, contribuindo para que o direito fosse entendido como objeto do conhecimento e não como ciência, porque não é passível de experimento, mensuração, o critério primeiro para definir ciência. A supressão do ensino de direito romano e do direito natural e a inclusão do estudo da ciência do direito concretiza este ideário.

O objeto de estudo do direito passa a ser o direito enquanto ciência, um conhecimento neutro sobreposto às contradições e as divisões de natureza ideológica, política e subjetiva.

As reformas acadêmicas de Gustavo Capanema demonstraram uma reação institucional às reformas de Francisco Campos e reintroduziram o ensino do direito romano no bacharelado.

Só recentemente o mundo contemporâneo mostrou a necessidade do aprendizado jurídico vincular-se ao ensino da aplicação e da interpretação da lei.

Tem-se que buscar a interpretação das leis não apenas em função de sua origem, de sua formação ou dos institutos originais da formação jurídica, mas, também, em função do mundo e do conhecimento exterior. Eis um princípio do ensino jurídico na atualidade.

Para Bastos (1997), o raciocínio jurídico deve ser a base do ensino jurídico, o que demonstra que a modernização metodológica não necessariamente reflete a modernização substantiva. Mudar a forma de pensar não necessariamente muda o objeto que se pensa.

Talvez um revolucionário do ensino jurídico tenha sido San Tiago Dantas, quando defendeu a introdução da pesquisa jurídica e estabeleceu a necessidade de discutir o problema do método da reflexão jurídica, seu aprendizado e desenvolvimento.
Como se deve ensinar direito? Talvez o que ensinar esteja de certa forma bem delineado, porém o como ensinar ou as diferentes formas de ensinar direito ainda são indagações que problematizam ou deveriam problematizar os cursos de direito.

Dentro do princípio do raciocínio jurídico então o importante para o estudante do direito não é aprender a pensar com o Código, mas é aprender a pensar o Código.
A reflexão jurídica contemporânea não pode restringir-se ao Código, à correlação de normas entre si, é preciso também pensá-las em função da lógica jurídica, da hermenêutica, dos recursos sociológicos e da dinâmica da própria sociedade.

É preciso destacar que a compreensão dogmática da norma oferece um resultado e a sua compreensão sociológica, histórica ou mesmo psicológica outro significado à nível de conhecimento do fato juridicamente relevante.

A reforma educacional de 1972, movida pelos ventos da política do estado de exceção, mesmo introduzindo as disciplinas de sociologia e economia firma-se em uma concepção didática de base empirista, de cunho tecnicista que privilegia os recursos educacionais (métodos e técnicas), em detrimento do caráter político do ato de educar.

A Reforma Universitária desencadeada a partir de 1968, ao suprimir o sistema seriado e as faculdades isoladas nos cursos de ensino superior, provocou de certa forma uma perda na identidade do curso de direito, que mesmo pretendendo uma proposta interdisciplinar, acaba por ter no perfil profissional do advogado a neutralidade científica, a ausência da reflexão filosófica que se materializa pelo estudo da norma como verdade incontestável e absoluta.

O questionamento que se faz, é se em um momento onde a ditadura militar, os crimes políticos encontraram um terreno fértil, o que estariam fazendo as disciplinas de sociologia e economia no curso de direito? Quanto a economia é de fácil compreensão, basta fazer uma contextualização do modelo econômico da época e se terá como resposta de que a economia certamente teria o desafio de propagar as políticas econômicas do estado, embaladas pelo mito do milagre econômico brasileiro. No entanto, a sociologia teria sido uma conquista dos progressistas em incluí-la no currículo? Ou também numa visão do positivismo funcionalista garantir uma discussão sociológica no curso, onde justificaria as ações arbitrárias do estado, em nome da soberania, da segurança nacional e do desenvolvimento tecnológico.
O crescimento vertiginoso ocorrido com o curso de direito nas décadas de setenta e oitenta, e em especial na década de noventa e sobremaneira no início deste século, opõe-se as políticas de formação de professores para o curso de direito. Destaca-se a experiência da PUC/RJ, que numa atitude inovadora, cria o primeiro mestrado em direito no Brasil em 1972/73, com ênfase na formação docente.

O curso de direito se justifica em qualquer sociedade democrática, porém o ponto de estrangulamento está no corpo docente, que não acompanhou o movimento expansionista e acabou por contribuir decisivamente na má qualificação dos cursos de direito.

Para fazer frente a má qualidade dos cursos jurídicos, a Ordem dos Advogados do Brasil, através do exame de ordem vem fazendo um processo seletivo dos bacharéis para o exercício da advocacia, assim como, os concursos públicos o fazem para o exercício da magistratura e do Ministério Público. Ainda que estes exames tenham um caráter essencialmente cognitivista, desconsiderando em especial os valores sociais, enquanto instrumentos de avaliação da qualidade dos bacharéis em direito.

É temeroso que um curso superior tenha como parâmetro de avaliação provas e concursos, no entanto, quando o ensino assume a condição de mercadoria, os padrões de avaliação se resumem aos critérios do mercado.

 

Autor deste artigo: Vilmar Araujo de Souza - participante desde Qua, 16 de Fevereiro de 2005.

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