Login

Sugestões

Faça o login e visualize as sugestões

Usuários on line

Nós temos 6314 webespectadores online

Revista

Gestão Universitária

Edições Anteriores 30 Saudade do tempo de nossos pais
Saudade do tempo de nossos pais PDF Imprimir E-mail
Avaliação do Usuário: / 0
PiorMelhor 
Escrito por Eduardo Silva   
Qua, 15 de Setembro de 2004 21:00
Introdução
Muitos termos se agregaram ao vocabulário português nos últimos anos. A maioria deles "importados". Talvez em função da internacionalização das culturas mundiais ou da globalização econômica, passou-se a utilizar naturalmente termos como "delivery", "self service", cliente virtual, "just in time", "internet", "e-mail", entre outras. Com a rapidez do avanço tecnológico e com a mesma velocidade a necessidade de se adaptar a esses novos tempos, o ser humano foi absorvendo a essência da máquina e expurgando os fatores sociais. A proximidade entre as pessoas foi encurtada drasticamente. Em regra geral, não mais se usa a caneta para, de próprio punho, escrever uma carta a alguém. Às vezes até sem se conhecer; escreve-se a um amigo, "virtual". Mas o que se usa é a internet, o correio eletrônico: mais rápido, mais fácil, mais eficiente.

Não se precisa ir mais ao banco para pagar uma conta, faz-se pelo "internet banking". O cliente é muito bem vindo, mas se ficar em casa, melhor. Assim, menos funcionários para atender menos clientes. O computador faz isto. Até quando o avanço tecnológico foi benéfico ao homem? Praticamente impossível responder. Por outro lado, o quanto este afastou as pessoas?

Considerações Gerais
Janeiro de 2003. Num bairro pacato da Zona Oeste da Capital Mineira, bem cedo pela manhã, um som, como uma buzina, do tipo daquela que o Velho Guerreiro, o Chacrinha, tocava em seu programa para chamar atenção de seus telespectadores ou para entregar o famoso Troféu Abacaxi aos "melhores" calouros de seu programa, acorda a vizinhança.

Fazendo uma volta ao passado, não muito distante, no fim da década de setenta, em Divinópolis, no Centro Oeste mineiro, ouvia-se o mesmo som.

Sempre, pela manhã, um octogenário, o senhor Geraldo , utilizando o mesmo tipo de buzina citada anteriormente, chamava a atenção dos moradores de um bairro distante do centro, composto por uma população pobre. Trazia diversos tipos de pães em uma charrete puxada por um burro, especialmente preparada para transportar estes produtos alimentícios.

Com o passar do tempo, com o avanço da tecnologia e com as comodidades da diversificação de produtos e de serviços, foi-se ficando de lado tal tipo de atendimento.

O senhor Geraldo era um padeiro profissional, ganhava a vida atendendo em domicílio seus clientes e amigos. Era mais do que simplesmente um ato de compra e venda, era um "reforçador" de laços de amizade. O atendimento personalizado era o diferencial. Conhecia todo mundo, pelo nome. Anotava em uma cadernetinha as compras e no final do mês vinha receber. Não precisava colher assinaturas dos clientes após a anotação do valor a dever e o cliente não questionava no final do mês se estava muito o consumo de pão naquele período ou não. Em alguns casos, quando ia entregar o pão e não encontrava o cliente, deixava sobre a caixa de correspondência ou assemelhados. Ninguém pegava, nem os garotos mais malinos.

Com a inovação e o passar do tempo, a base de confiança do "fio de bigode" ficou deixada de lado. "Seu" Geraldo1 não existe mais, mas com certeza teria um susto muito grande se voltasse agora e presenciasse o que acontece no seu comércio de pães domiciliares.

Mas não existem ainda aqueles que tocam as buzinas para chamar os clientes?

Sim. Porém, o motivo é outro. O motivo se chama crise. É o fantasma do desemprego, acompanhado das constantes crises que batem à porta dos cidadãos, principalmente nos chamados países em desenvolvimento, onde a elevada concentração da riqueza cria descomunais proporções entre a população. E crise gera oportunidades, já diziam os chineses. Aliás, para eles, a crise é a soma de dois ideogramas: perigo e oportunidade, formando a palavra weiji = crise.

É o chamado "jogo de cintura". Cada um tem que rebolar conforme a música e, parafraseando o Velho Guerreiro "quem não se comunica, se trumbica"; "quem não corre atrás, fica para trás." É a verdadeira constatação da máxima "fazer do limão uma limonada".

Anteriormente era emprego mesmo, propriedade absoluta do vendedor. Hoje, uma forma de driblar a crise. Uma forma de antecipar a compra das famílias nas padarias, uma forma de diferenciar o atendimento, "re-inventar". Uma forma de realização de um sonho: o emprego (ou serviço) pela ação individual. Hoje, um desempregado, vai até à padaria, compra os pães e oferece à comunidade, evitando às famílias deslocamento até às padarias, pois, pedalando uma bicicleta com um grande balaio de bambu, oferece os pães nas casas para o café da manhã. E com um detalhe importante: o cliente não é mais um a entrar e sair da padaria, é um amigo do dia-a-dia. De quebra, com este caminho alternativo, ironicamente, garante seu pão de cada dia.

Mas isto não é apenas no caso do pão.

Afirmam os entendidos, que a propaganda brasileira é a mais criativa do mundo (Arruda; Whitaker; Ramos, 2001, p. 87). Realmente, são interessantes. Em uma propaganda sobre um determinado banco, a empresa criadora do filme, chamou a atenção para o atendimento personalizado, onde o valor humano é valorizado em detrimento ao atendimento das máquinas. Um homem liga para a casa de um amigo e, assim que ouve o sinal de que o telefone foi atendido, começa a dizer que o espera para uma partida de futebol. Porém, percebe que fala inutilmente. Há uma gravação eletrônica do outro lado dizendo que se fosse para marcar um jogo, clicasse número tal, se fosse para marcar uma outra atividade, clicasse outro número e assim por diante. Logo após, a propaganda direciona para um ambiente bancário, onde as pessoas são atendidas pelo nome, ao contrário de outros bancos que o atendimento é eletrônico, podando o inter-relacionamento pessoal.

Da mesma forma, percebe-se hoje, que na correria do cotidiano, o contato humano ficou relegado a segundo plano. Tem mais valor a rapidez do atendimento e a agilidade da prestação do serviço. Mas será que o consumidor quer isto realmente?

Voltando a Divinópolis, no Armazém do Toninho1, as compras daqueles alimentos que ficavam expostos em divisões de madeira eram em sacos de papel, pesados em balanças com pesos de metal equilibrando-se em pratos foscos. E Toninho conhecia todos seus clientes. Até seus gostos principais, que tipo de produtos geralmente consumiam, a melhor data para se pagar, etc. E a velha caderneta funcionava também ali.

Hoje, o comprador (por muitos chamados de cliente) é simplesmente mais um. Entra e sai e não é conhecido. Faz parte de um número estatístico de atendimento diário. Não há contato. Uma mercadoria levando outra. Mero consumidor, gerador de lucros. Pior em supermercados onde o próprio cliente tem que colocar em sacolas plásticas suas compras. Ainda bem que ainda existem aqueles onde adolescentes arrumam as sacolas nos carrinhos e alguns ainda levam até o carro. Com sorriso ouvem um muito obrigado e que tenham um bom dia/tarde/fim de semana/etc.

Há uma preocupação até em economizar as palavras. Os americanos fazem isto muito bem. E exportam. Matemática é uma palavra muito grande; falam: "mat", assim como biologia, por exemplo. Para queijo, não escrevem "cheese". Apenas "x". E o Brasil copia. Aliás, que seja aberto aqui um parênteses: praticamente tudo o que se importa, principalmente vindo do Mr. Sam é valorizado e respeitado por aqui. Fecha parênteses. Na fila para o almoço de todo dia, na boca da atendente da Rede Sbarro, na 7th Avenue, próximo ao Madison Square Garden, em Nova Iorque, só se ouvia: "next". Por outro lado, da boca dos clientes, apenas o básico também: "chesse", se referindo a um pedaço de pizza de queijo e "Pepsi". Nada mais. Apenas o som que agora ficava no pretérito: "next".

Diante do exposto, como pesar na balança? Aquela necessidade premente de estar sempre correndo e, portanto, exigentes de um rápido atendimento, sem delongas ou aquela personalização mais demorada, porém mais humana?

Considerações Finais
Como diria Carlos Drumond de Andrade: "E agora, José"?

Na visão de Warren G. Bennis, em 1925, "a fábrica do futuro terá apenas dois empregados, um homem e um cachorro. O homem estará lá para alimentar o cachorro. O cachorro estará lá para impedir que o homem toque no equipamento." Esta afirmação, demonstrava a preocupação com a substituição do homem pela máquina.

Crescimento é fundamental para qualquer empresa, em qualquer ramo de atividade. Portanto, não se concebe crescimento atualmente sem se estar imbricado com o desenvolvimento tecnológico e as diversas inovações disponíveis para as organizações.

Porém, o grande diferencial está em se mesclar os fatores tecnológicos com o desenvolvimento do relacionamento humano e social. É de fundamental importância a agilidade no atendimento, porém, não se pode esquecer de demonstrar também diferencial em valorizar o ser humano como tal. Torna-se imprescindível o bom-senso a equilibrar as ações empresariais hodiernas.

O desenvolvimento tecnológico não pode ser visto como inimigo número um do homem. Deve ser encarado como um complemento de suas atividades e um enriquecimento de suas condições de trabalho. Não pode conceber a máquina como a causa de todos os males de relacionamento humano ou agir como os luditas (1) na época da Revolução Industrial: a destruição das máquinas que substituíam o homem. (HUBERMAN, 1986:185).

Enfim, vence quem inova. Não necessariamente tecnologicamente, mas também tecnicamente. Quem oferecer um verdadeiro, real e palpável diferencial aos clientes, fará a "diferença".

Bibliografia
ARRUDA, Maria Cecília Coutinho; WHITAKER, Maria do Carmo; RAMOS, José Maria Rodriguez. Fundamentos de ética empresarial e econômica. São Paulo : Atlas, 2001.
CARAVANTES, Geraldo R. Brasil: Ordem & caos: reflexões em época de crise sobre um futuro grande país. Porto Alegre : AGE/FACTEC, 1993.
DOBB, Maurice Herbert. A Evolução do capitalismo. 9. ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1983.
GEHRINGER, Max. Comédia corporativa: uma visão crítica e divertida do mundo empresarial. 5. ed. Rio de Janeiro : 2000.
HASHIMOTO, Marcos. Quem falou em crise? Disponível em http://vocesa.abril.uol.com.br/aberto/online/022002/1136_1.shl. Acesso em 12 maio 04.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21. ed. Rio de Janeiro : Guanabara, 1986.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 45. ed. São Paulo : Brasiliense, 1998.
VILS, Leonardo. A Organização dos bichos: um paralelo com o nosso dia-a-dia nas empresas. São Paulo : Negócio, 2001.


* Todos os nomes são fictícios, com exceção da Rede Sbarro.
(1) Movimento liderado por Ned Ludd, onde se pregava a destruição das máquinas, por serem estas maléficas ao homem. (HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 21. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, p. 185.)

 

Autor deste artigo: Eduardo Silva - participante desde Qui, 26 de Agosto de 2004.

Please register or login to add your comments to this article.

Copyright © 2013 REDEMEBOX - Todos os direitos reservados

eXTReMe Tracker