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Edições Anteriores 34 Brasil alfabetizado: ainda há tempo de salvar
Brasil alfabetizado: ainda há tempo de salvar PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Magno de Aguiar Maranhao   
Qua, 13 de Outubro de 2004 21:00

Difícil de disfarçar, esconder, mascarar, o analfabetismo é uma das marcas mais visíveis do apartheid social em um país. Ele denuncia, sempre, uma longa história de exclusão; a forma como é combatido traduz, por sua vez, a disposição do Estado em mudar o rumo desta história; e a maneira como são conduzidos os programas para erradicá-lo indicam a conscientização acerca dos prejuízos que a falta de acesso de imensa parcela da população à educação formal causa a toda a sociedade. Por isso, não pudemos deixar de apoiar o Brasil Alfabetizado, lançado em setembro de 2003 em clima festivo, embora educadores que lidam com Educação de Jovens e Adultos tenham desconfiado de uma certa dose de improvisação no programa que ambicionava ensinar as primeiras letras a 20 milhões de brasileiros e conduzi-los ao ensino fundamental. Apoiamos, pois chamou a atenção para o problema e provocou intensa mobilização e entusiasmo, como há muito não testemunhávamos com relação à alfabetização e à EJA. Mas os ânimos foram arrefecidos diante dos primeiros sinais de que um dos projetos mais ambiciosos do governo atual em educação corre o risco de ser reduzido a uma tentativa a mais de erradicar o analfabetismo, como tantas de governos anteriores; um programa sem diferencial e sem grandes chances de marcar época, no qual o país investe porque o mundo, que hoje vive a "Década (2003 a 2012) da Alfabetização", instituída pela ONU, está de olho no que o Brasil está fazendo. No entanto, há tempo de salvar o barco.

O alerta de que algo não vai bem foi dado pela ONG Alfabetização Solidária que, desde sua criação, em 1997, atendeu 4,9 milhões de indivíduos com mais de 15 anos e recentemente ganhou prêmio da Unesco por seus esforços. Maior parceira do Brasil Alfabetizado, que neste segundo semestre formará mais 365 mil alunos, ela foi a única a avaliar o aproveitamento da clientela: 15% terminaram o curso sem conseguir ler; 30,8%, entendendo não mais que palavras isoladas; 26,6%, somente fragmentos de textos. Ainda assim, o MEC computou todos como alfabetizados. Não espanta. É prática corrente em outros níveis de ensino: no fundamental, e até no ensino médio, crianças e jovens podem perfeitamente concluir o curso sem dominar competências básicas de leitura ou cálculo, mas estão oficialmente escolarizadas. Com adultos não seria diferente; ou pior. Eles são considerados como um grupo que, na verdade, ficou para trás, perdeu o bonde, é considerada vítima da História.

Apesar da Constituição de 1988 considerar a EJA relevante ao estabelecer que todos, independente da idade, têm direito ao ensino básico, e que o governo deve provê-lo sempre que solicitado, esta modalidade não recebeu investimentos expressivos e sequer houve a preocupação de checar o aproveitamento dos estudantes. Ou, para sermos justos, houve: o governo passado havia instituído o Enceja (Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adultos), cortado pelo governo atual. Quanto à checagem de a quantas anda o Brasil Alfabetizado, o MEC alegou ser difícil avaliar cursos com calendários que não coincidem e utilizam diferentes métodos pedagógicos. A explicação é pouco convincente. Se me lembro bem, ficara combinado que cada formando comprovaria o aprendizado escrevendo uma carta que seria enviada ao Ministério. Não é muito, mas, ao menos, seria possível saber quantos terminaram o curso sabendo segurar um lápis.

Outros grandes parceiros do Brasil Alfabetizado, como o SESI e a Alfalit, apenas divulgaram índices de evasão (que variam acima dos sete por cento) e o MEC tem se limitado a examinar relatórios enviados pelas entidades. No entanto, justamente por estar a cargo de um sem número de entidades que, sozinhas, devem conseguir espaço adequados para as aulas, produzir material didático e capacitar alfabetizadores, não se justifica deixar em segundo plano a avaliação do ensino que elas ofertam. Acreditamos que, nos três mil municípios onde o programa foi implantado, haja histórias de sucesso, que poderiam servir como exemplo. Não sabemos, porém, aonde. A troca de experiências entre os parceiros, que seria salutar ao Brasil Alfabetizado, não é incentivada. A previsão é de que R$ 1,65 milhão seja repassado para o programa até o fim do ano, mas se desconhece a maneira como os recursos são utilizados, ou com que proveito. Mais: apesar do governo ter decidido elevar de 42% para 68% a parcela destinada a estados e municípios (deixando 32% para outras instituições), imaginando que, dentro das redes estaduais e municipais de ensino os alfabetizados terão mais estímulos para prosseguirem os estudos na EJA, desconhecemos quantos dos 3,2 milhões de formados no último ano seguiram para o ensino fundamental.

O que sabemos, com relação à EJA, está no último censo do Inep e aponta um grande déficit de atendimento: 4.403.436 matrículas, sendo que 1.551.018 da primeira à quarta série, 1.764.869 até a oitava, mais 106.806 em classes de alfabetização e 980.743 no ensino médio. Entretanto, o Brasil abriga de 17 milhões a 20 milhões de analfabetos. Dos chefes de família, 34,7% não completaram quatro anos na escola e pouco mais de 20% os oito anos de ensino obrigatório; oito milhões são analfabetos absolutos. Entre adultos em geral, 70 milhões não completaram o ensino obrigatório e 30 milhões, nem a quarta série. Dos trabalhadores ocupados, 23,5% têm menos de quatro anos de escolaridade e 75,1% deles ganhavam até um salário mínimo quando coletados os dados do Censo 2000 do IBGE (só 21,5% da população ocupada completaram 11 a 14 anos de estudos). O pior da história: segundo o Ministério do Trabalho, os postos que exigiam unicamente o ensino fundamental diminuíram 22% e os que exigem ensino médio aumentaram 28%.

Mas, o Brasil Alfabetizado não visa apenas erradicar o analfabetismo? Não. Sua proposta era promover a continuidade dos estudos dos atendidos, pois sabemos que seis a oito meses de alfabetização são insuficientes para incluir o cidadão em uma sociedade que só entreabre suas portas para quem domina noções básicas de leitura e escrita. Para que abra totalmente as portas e dê ao indivíduo o direito de desfrutar plenamente os bens culturais e chances de progredir, é preciso que ele seja capaz de mais: conectar informações em textos complexos e expressar-se coerentemente por meio da escrita. Assim, aqueles a quem o Brasil Alfabetizado ensinou as primeiras letras, apenas foram iniciados em um processo de inclusão que exigirá do país mais empenho do que o demonstrado até agora. Mas, quantos atendidos pelo programa, de fato, aprenderam? Se não aprenderam, quem será responsabilizado?

 
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