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Liberdade de ensinar no Direito Educacional Brasileiro PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Horácio Wanderlei Rodrigues   
Qua, 16 de Fevereiro de 2005 21:00
Considerações iniciais
Este artigo possui por finalidade realizar uma análise jurídica, centrada em especial na Constituição Federal, de uma dicotomia (ou falsa dicotomia) presente no Direito Educacional brasileiro, qual seja, a presença, de um lado, da liberdade de ensinar, garantida à iniciativa privada, e de outro, a existência de controle público.

Para atingir o objetivo buscado, o artigo foi dividido em cinco partes, procurando, em cada uma delas, analisar um aspecto do objeto estudado. Na primeira realiza-se uma análise global da legislação vigente, à luz da Constituição Federal. Na segunda, aprecia-se, a luz das normas gerais da educação nacional, a competência do Poder Executivo para baixar normas em matéria educacional. Em um terceiro momento busca-se examinar quais os limites que podem ser impostos às IES em geral e às Universidades em especial, relativamente aos Cursos oferecidos ou a serem oferecidos em sua sede, tendo em vista os princípios constitucionais aplicáveis, e que asseguram a liberdade de ensinar e a autonomia universitária. A quarta parte está dirigida especificamente ao estudo da liberdade de ensinar nas IES privadas. Finalmente examina-se a legalidade das determinações que exigem a manifestação do Conselho Nacional de Saúde, para a criação, respectivamente, dos Cursos de Medicina, Odontologia e Psicologia, e, especial, da OAB, para a criação dos Cursos de Direito.


1. A liberdade de ensinar como princípio constitucional
Para que se possa efetivar uma adequada leitura da legislação educacional brasileira, no que se refere à autonomia das Instituições de Ensino Superior , necessário se faz ressaltar três dentre os princípios gerais do sistema educacional brasileiro, assim estabelecidos pela Constituição Federal de 1998:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
.................................................................................................
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
.................................................................................................
VII - garantia de padrão de qualidade.


Esses três princípios, normas orientadoras fundamentais do Direito Educacional brasileiro, estabelecem, no que interessa ao tema em estudo: (a) nos incisos II e III, de forma geral, as idéias de liberdade e pluralismo, como inerentes ao processo de ensino-aprendizagem e, portanto, à sua organização por parte das IES - ou seja, o respeito à ordem constitucional implica em um processo de ensino-aprendizagem baseado na flexibilidade; e (b) a necessidade de que as IES, no exercício de sua autonomia e tendo por base a flexibilidade para a organização de seus cursos e respectivos projetos pedagógicos, mantenham um determinado padrão de qualidade.

Cabe ressaltar, ainda em nível constitucional, no que se refere especificamente às IES privadas, o texto do artigo 209 da Constituição Federal, que estabelece:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

A ordem constitucional brasileira garante a liberdade e o pluralismo, mas exige a preservação da qualidade. Para garantir que essa qualidade seja mantida, estabelece a necessidade da avaliação, por parte do Poder Público. Isso significa que o Poder Público tem de garantir, de um lado, flexibilidade suficiente para que as IES possam, nas suas propostas pedagógicas, realizar os mandamentos constitucionais e, de outro, que o exercício da liberdade de ensinar possui como limites, também fixados pelo Poder Público, os padrões de qualidade a serem exigidos mediante processos avaliativos oficiais. Ou seja, a Constituição Federal coloca como princípio a liberdade de ensino pelas IES (a ser garantida, em nível pedagógico, pela definição de diretrizes curriculares que assegurem, pela sua flexibilidade, o exercício dessa autonomia, e, nível administrativo, pela possibilidade de criação e manutenção de cursos, nas mais diversas áreas), condicionada ao controle da qualidade (a ser exercido pelo poder público através dos mecanismos de autorização e de avaliação periódica ).

A essa condição - controle de qualidade pelo Poder Público - adiciona a condição de que haja o cumprimento das normas gerais da educação nacional. Deve-se entender, relativamente a esse dispositivo, a necessidade de cumprimento das Leis que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Nacional . Isso não significa que não seja necessário cumprir as demais normas de Direito Educacional, mas sim que a leitura constitucional impõe um critério hierárquico: primeiramente os princípios contidos no próprio texto da Lei Maior; posteriormente as normas gerais da educação nacional; na seqüência se colocam os demais textos normativos - leis especiais, leis gerais, decretos, resoluções, portarias. E, nesse sentido, a Leis que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação não podem se sobrepor à Constituição; e nem as demais normas de Direito Educacional podem se sobrepor a elas.

Essa observação guarda grande importância, tendo em vista que o emaranhado de Portarias, Resoluções e Decretos existentes nessa área nem sempre respeita o conteúdo material do texto constitucional e das Leis que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - nessa situação a condição para o exercício da liberdade de ensino se encontra no cumprimento das normas hierarquicamente superiores, e não no cumprimento das disposições definidas pelo CNE ou pelo Ministério da Educação, através de seus diversos órgãos, quando contrariarem os princípios constitucionais e as normas gerais da educação brasileira. As demais normas, em especial Decretos, Resoluções e Portarias, apenas podem regulamentar essas normas gerais, jamais lhes negar aplicação, não possuindo, quando o fizerem, validade material, devendo ser questionadas administrativa e judicialmente.

De forma resumida pode-se afirmar que o princípio fundamental, inserido no texto constitucional, é o da liberdade de ensinar, o que implica no reconhecimento da autonomia das IES e, conseqüentemente: (a) na necessidade de que as diretrizes curriculares sejam suficientemente flexíveis para permitirem o seu exercício em nível pedagógico; e (b) que as exigências para a criação de novos cursos e aumento de vagas dos já existentes se coloquem exclusivamente no plano qualitativo .

Para o exercício dessa liberdade duas condições são colocadas: (a) manutenção de padrão de qualidade, ficando a cargo do Poder Público, através do Ministério da Educação, o papel de exercer o acompanhamento e a verificação através de mecanismos de avaliação; e (b) cumprimento das normas gerais da educação brasileira estabelecidas expressamente na própria Constituição Federal e nas Leis que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.

2. A competência do Ministério da Educação para editar normas em matéria educacional
No que se refere às Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a competência legislativa é privativa da União, tendo em vista o que determina o artigo 22, inciso XXIV da Constituição Federal. Já no que se refere a legislar com a finalidade de proporcionar os meios de acesso à educação e sobre a educação e o ensino em geral (ou seja, com exceção daqueles casos em que a competência é privativa) essa competência é concorrente com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, segundo o que dispõe o artigo 23, incisos V e IX, respectivamente, também da Carta Maior. Quando se tratar de competência concorrente, visando assegurar o princípio federativo, a União deve definir as normas gerais, cabendo aos demais entes federados, a elaboração das normas específicas. Nesse sentido, o artigo 211 do texto constitucional estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão seus sistemas de ensino em regime de colaboração. Já, segundo o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei n.º 9.394/96 (LDB), é da União a função normativa, quando se tratar da organização da educação nacional (entenda-se aqui a competência para a elaboração das normas gerais da educação nacional). E o poder de legislar em matérias de competência da União, segundo o artigo 44 da Constituição Federal, é exercido pelo Congresso Nacional.

As normas gerais da educação nacional estão, portanto, inseridas naqueles conjuntos normativos oriundos do parlamento - ou seja, elas devem ser buscadas na Constituição Federal e nas leis - estão inseridas fundamentalmente na Lei n.º 9.394/96 (LDB), Lei n.º 10.861/2004 (SINAES) e na Lei n.º 4.024/61 (CNE), a última com a redação que lhe foi dada pelas Leis n.º 9.131/95 e n.º 10.861/2004 - e não em decretos, resoluções e portarias; esses são apenas instrumentos da administração pública para regulamentar as normas gerais, mas não podem modificá-las ou lhes negar aplicação e efetividade, tendo em vista o princípio constitucional da separação dos poderes (artigo 2º da Constituição Federal ) e a competência legislativa dele decorrente, bem como o respeito à hierarquia das normas (princípio maior para resolução de antinomias jurídicas).

No que diz respeito ao princípio da separação de poderes, significa ele que não havendo autorização constitucional expressa, a competência legislativa - criação e extinção de direitos - pertence ao Congresso Nacional, cabendo ao Poder Executivo, em nível normativo, apenas a criação dos mecanismos necessários à sua efetivação e ao Poder Judiciário a sua interpretação e aplicação, quando ocorrerem conflitos.

Já no que se refere à solução das antinomias jurídicas - conflitos entre normas - o princípio fundamental aplicável, no âmbito do direito brasileiro, é o da hierarquia, tendo em vista que a Constituição Federal estabelece quóruns diferenciados para as aprovações de normas constitucionais, leis complementares e leis ordinárias, enquanto decretos, resoluções e portarias sequer passam pelo parlamento. Por esse critério, sempre que existirem duas normas em conflito, sendo elas hierarquicamente diferenciadas, a de hierarquia superior deve prevalecer sobre a de hierarquia inferior.

Por que essa digressão sobre a competência legislativa? O artigo 6º da Lei n.º 4.024/61, com a redação que lhe deu a Lei n.º 9.131/95, estabelece ser o Ministério da Educação quem exerce, em matéria de educação, as atribuições do poder público federal:

"O Ministério da Educação e do Desporto exerce as atribuições do poder público federal, em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o regem".
Se quer, com as referências, em especial aos textos da Constituição Federal, demonstrar que o Poder Executivo, através do Ministério da Educação, exerce sim as atribuições do poder público federal, mas em nível executivo, cabendo-lhe zelar pelo cumprimento das normas gerais da educação nacional, na forma definida pelo parlamento. Suas atribuições, em nível normativo, se restringem à atividade necessária para a realização dos direitos e deveres definidos pela Assembléia Nacional Constituinte e pelo Congresso Nacional, o que deve ser efetivado através de Decretos (do Presidente da República), de Portarias (do Ministro) e de Resoluções (do Conselho Nacional de Educação). Tudo que exceder essas competências fere o sistema democrático presente no texto constitucional.

A Constituição Federal e as normas gerais da educação brasileira não autorizam o Poder Público a negar direitos garantidos pela Assembléia Nacional Constituinte ou pelo Congresso Nacional. Isso significa que quando o Poder Público, através de Decretos, de Portarias, ou de Resoluções cria mecanismos que na prática impedem o exercício de qualquer direito, age inconstitucionalmente. O parlamento, quando edita normas que ferem o texto constitucional, age da mesma forma, não sendo as mesmas recepcionadas pelo sistema jurídico e cabendo ao Poder Judiciário, quando acionado, declarar a sua inconstitucionalidade.

Essa análise do conjunto normativo vigente coloca em xeque algumas decisões e promessas presentes em Decretos e Portarias editados pelo Poder Executivo nos últimos anos, tais como: (a) a criação e concessão de autonomia para os Centros Universitários, realizada por Decreto; (b) a restrição da autonomia das Universidades para criarem cursos e aumentarem suas vagas, em determinadas áreas, também realizada por Decreto; e (c) o fechamento do protocolo do MEC para o recebimento de pedidos de criação de novos cursos e a suspensão da concessão de autorizações e reconhecimento de cursos, realizados por Portaria.

Também coloca em xeque a pretensão da OAB, de tornar seu parecer para criação de novos cursos, vinculante . Fazer isso seria transferir a competência constitucional do poder público para uma corporação profissional, o que, com absoluta certeza, não é possível - em realidade, é inconstitucional.


3. Liberdade de ensinar e controle público: limites para a criação de novos cursos
A Constituição Federal contém em seu texto, relativamente ao sistema educacional, três momentos diversos que tratam do princípio da autonomia: (a) como princípio pedagógico - flexibilidade -, constante do artigo 206, incisos II e III; (b) como princípio organizativo - liberdade de oferecimento pela iniciativa privada -, presente no artigo 209; e (c) como princípio administrativo - autonomia universitária -, na forma do artigo 207.

Aqui interessam tanto o aspecto organizativo - segundo o artigo 209 da Constituição Federal "o ensino é livre à iniciativa privada", mediante o "cumprimento das normas gerais da educação nacional" e a "autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público" -, como o aspecto administrativo - segundo o artigo 207 da Constituição Federal, "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".

3.1. Condições para o exercício da liberdade de ensinar

Primeiramente veja-se a condição presente no inciso I do artigo 209, de cumprimento das normas gerais da educação nacional. Aqui é necessário lembrar novamente: (a) que o princípio fundamental, inserido no texto constitucional, é o da liberdade de ensinar - ou seja, é a luz dele que devem ser lidas as condições, que existem para garantir a sua efetividade qualitativa e não para negá-lo; e (b) que o cumprimento das normas gerais da educação nacional pressupõe o cumprimento daqueles conjuntos normativos oriundos do parlamento - ou seja, são na Constituição Federal e nas leis (em sentido estrito) que elas devem ser buscadas e não em decretos, portarias, resoluções e pareceres.
Relativamente à condição insculpida no inciso II do artigo 209, de autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, cabem as seguintes observações: (a) que a autorização e a avaliação aparecem ligadas, no texto, de forma absoluta, à expressão "de qualidade". Isso significa que não é qualquer autorização e nem qualquer avaliação, mas sim aquelas destinadas a analisar a qualidade do ensino proposto ou já ministrado; (b) que sendo o princípio geral o da liberdade de ensinar, e as condições de autorização e avaliação relativas à qualidade, não pode o Poder Público ou qualquer outro órgão criar exigências que não digam respeito a esse elemento; e (c) que a presença dessa condição não pode ser vista como um deferimento ao Poder Público para agir de forma discricionária, simplesmente autorizando ou não o exercício daquilo que é um direito, mas sim como a necessidade de que, em nome da qualidade, sejam definidos parâmetros que, quando preenchidos, autorizem o seu exercício - qualquer decisão do poder público nessa matéria tem de ser motivada, com base no quesito qualidade.

Em outras palavras, ao estabelecer essa condição o que a Constituição faz é dizer que a liberdade de ensinar pressupõe parâmetros qualitativos; definidos esses parâmetros, cabe ao Poder Público analisar cada pedido - preenchidos os parâmetros, deve ser concedida a autorização, não preenchidos, não pode ser concedida. De outro lado, através de mecanismos de avaliação periódica deve o Poder Público acompanhar a implementação das propostas aprovadas, podendo cancelar a autorização se a exigência de qualidade, de acordo com os parâmetros fixados, não estiver sendo cumprida. Ou seja, a Constituição Federal e as normas gerais da educação brasileira - na forma definida pelo Congresso Nacional - não autorizam o Poder Público a negar o direito de ensinar, mas apenas o condicionam. Isso significa que quando o Poder Público, através de Decretos ou de Portarias, cria mecanismos que na prática impedem (e não condicionam) o exercício desse direito, essas normas são inconstitucionais.

3.2. Autonomia universitária
A autorização do Poder Público, condição prevista na Constituição Federal para o exercício da liberdade de ensinar, na situação específica das Universidades se dá quando da autorização para que a Instituição de Ensino Superior (IES) passe para essa categoria. Uma vez autorizada a funcionar como Universidade, ela adquire autonomia para criar qualquer curso, em qualquer área do saber. O que cabe ao Poder Público, a partir de então, é a avaliação periódica da qualidade de ensino, sendo, portanto, inexigível, relativamente às Universidades, autorização prévia para a implementação de qualquer Curso ou para o aumento das vagas daqueles já existentes, quer pelo Poder Público quer por órgãos profissionais ou de área.

A autonomia universitária está expressamente garantida no artigo 207 da Constituição Federal e no artigo 53 da LDB, sendo que este: (a) em seu inciso I lhes assegura a atribuição de, em sua sede, criar, organizar e extinguir cursos e programas de educação superior, desde que cumpridas as normas gerais da educação; (b) em seu inciso II, lhes assegura autonomia para fixar os currículos de seus cursos e programas, desde que obedecidas as diretrizes gerais pertinentes; e (c) em seu inciso IV, lhes assegura liberdade para fixar o número de vagas de seus cursos e programas, de acordo com a sua capacidade institucional e as exigências do seu meio.

Ou seja, para o exercício dos aspectos da autonomia universitária, relativos à criação de novos cursos e aumento de vagas dos existentes, devem ser cumpridas algumas condições, que podem ser aglutinadas em dois grupos. No primeiro, de ordem mais geral, tem-se: (a) ter obtido, em cumprimentos às normas gerais da educação, a autorização para funcionar como universidade; (b) manter a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; e (c) submeter-se periodicamente à avaliação de qualidade pelo poder público. No segundo, mais específico, encontram-se: (a) exercer a autonomia nos limites de sua sede, estabelecida em obediência à legislação federal aplicável; (b) respeitar as diretrizes gerais para a criação e organização de novos cursos e alteração dos existentes; e (c) para o aumento de vagas, fazê-lo considerando sua capacidade institucional e as exigências do meio em que está inserida.

Quando se diz que para o exercício da autonomia universitária deve haver o cumprimento das normas gerais da educação nacional, lembre-se novamente que não se pode confundi-las com o emaranhado de Decretos, Portarias e Resoluções que mudam a cada novo Ministro da Educação, mas deve-se identificá-las com aquelas contidas na Constituição Federal e nas normas gerais definidas pelo Congresso Nacional e que tem por objetivo expresso a questão educacional.

Relativamente ao cumprimento das diretrizes curriculares, é essa uma condição decorrente de uma norma geral da educação nacional, presente no artigo 9°, parágrafo 2° alínea "c", da Lei n.º 4.024/61, com a redação que lhe deu a Lei n.º 9.131/95, que determina ser competência da Câmara de Ensino Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) a sua fixação e impõe às universidades o dever de cumpri-las, segundo o artigo 53, inciso II, da LDB.

No que diz respeito à fixação do número de vagas, as duas exigências legais - capacidade institucional (infra-estrutura e corpo docente) e exigências do seu meio (relação entre projeto pedagógico e necessidades da comunidade em que está inserida a Universidade), conforme o inciso IV do artigo 53 da LDB - devem ser consideradas pela Universidade quando da definição das vagas dos novos cursos e também quando do aumento das vagas dos cursos já existentes; entretanto, esses aspectos, que relativamente às demais IES deverão ser analisados previamente, no processo de criação ou de aumento de vagas, no caso das Universidades apenas serão analisados a posteriori, quando da avaliação de qualidade por parte do poder público.

3.3. Direito de petição e fechamento de protocolo
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a", garante o direito de petição aos órgãos públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. É direito subjetivo público oponível ao Poder Público independentemente de qualquer regulamentação.

Também a mesma Constituição, em seu artigo 209 garante, igualmente como direito subjetivo público, agora condicionado, a liberdade de ensinar. Havendo o direito das Instituições de Ensino Superior de ensinar e também o seu direito de pedir o exercício desse direito ao Poder Público - necessita de sua autorização -, coloca-se como obrigação do
Poder Público receber todos os pedidos e analisá-los com base em parâmetros de qualidade previamente estabelecidos.

Tudo que for além disso não tem base constitucional - não pode o Poder Público se negar a receber pedidos para o exercício de direitos; nem analisá-los de forma discricionária ou meramente quantitativa, quando o critério constitucional é qualitativo.


3.4. O dever de decidir e o seu prazo
A omissão pelo Poder Público, do seu dever de decidir, constitui ato ilegal incompatível com as Leis de Processo Administrativo (Lei Federal n.° 9.784/1999) e de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n.° 9.394/1996), configurando abuso de poder. A ausência de resposta viola a obrigação de proferir a decisão, imposta às autoridades administrativas pelos artigos 48 e 49 da primeira das leis referidas, e cujo prazo é de trinta (30) dias, uma vez instruído o processo.

Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

Ou seja, a ordem jurídica vigente não tolera a omissão administrativa; o silêncio do poder público caracteriza hipótese de abuso de poder. Uma vez protocolizado o pedido e realizada, de forma plena, sua instrução, com base na legislação vigente, o Ministério da Educação é obrigado a emitir manifestação - cumprida as exigências constitucionais, essa manifestação é a emissão do ato de credenciamento, autorização ou reconhecimento, conforme a natureza do processo.

4. A liberdade de ensinar e as IES privadas
A leitura da Constituição Federal torna evidente que o ensino não se encontra entre as atividades privativas do Estado, que o ministraria de forma direta ou mediante concessão. É o que fica claro da leitura da parte final do inciso III do artigo 206 do texto constitucional, ao estabelecer entre os princípios com base nos quais será ministrado o ensino, a "coexistência de instituições públicas e privadas".
Victor Nunes Leal destaca que o que ressalta da Constituição , mesmo em um exame inicial e superficial, é que "o ensino é livre à iniciativa privada" (art. 209). E "sendo o ensino uma atividade livre, fica de todo afastada a idéia de que possa conceituar-se como permitida ou concedida pelo poder público". Ou seja, no que se refere à atividade educacional, as instituições de ensino a exercem por direito próprio (embora condicionado ao preenchimento de determinadas exigências) - a legitimidade para esse exercício é inerente à sua própria personalidade jurídica.

Dessa forma, segundo Victor Leal Nunes, "torna-se evidente que o direito a ministrar o ensino não se origina de ato do poder público, mas emana, diretamente, da Constituição. O seu exercício é que pode ser fiscalizado e condicionado pelas autoridades. Mas é evidente que, não derivando esse direito do Estado (...), não pode a disciplina por lei impedir-lhe o exercício, nem cerceá-lo ao ponto de conduzir a análogas conseqüências. Aqui, o essencial e substantivo é o direito; as restrições ou condições são o adjetivo ou circunstancial."

Nesse sentido, embora o exercício do direito dependa de autorização administrativa (CF, art. 209, inc. II primeira parte), essa autorização não encerra uma deliberação discricionária, mas exprime apenas o juízo declaratório de estarem reunidos os pressupostos estabelecidos - no caso da atividade educacional, segundo os incisos I e II da Constituição Federal, o "cumprimento das normas gerais da educação nacional" e a "avaliação de qualidade pelo Poder Público".

Ainda segundo Victor Leal Nunes, "outro corolário de haver a Constituição liberado o ensino à iniciativa particular [art. 206, inciso III in fine; art. 209 caput] é que a disciplina legal do seu exercício não pode ser tão apertada ou meticulosa que exclua as opções dos particulares, porque este é um traço inerente à liberdade de iniciativa. Um ensino maciçamente homogêneo, quer se trate de restrições diretas ou indiretas, ou tão circunscrito nas opções que os resultados sejam comparáveis, não pode ser tido como compatível com a Constituição."

Segundo Carlos André Birnfeld , referindo-se especificamente à Portaria n.º 1.264/2004, não deixa de ser indicativo da sua inconstitucionalidade o próprio texto da portaria, que busca seus fundamentos na Constituição Federal, artigo 3°, inciso III (objetivo da República de: "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"), artigo 43 ("desenvolvimento de um mesmo complexo geoeconômico e social e redução das desigualdades regionais") e artigo 170, inciso VII (princípio da ordem econômica: "redução das desigualdades sociais e regionais").

Ou seja, o fundamento utilizado para restringir a liberdade de ensinar são os deveres constitucionais do Estado e os princípios da ordem econômica. Mas, como lembra Carlos André Birnfeld, há na mesma Constituição o artigo 174, que estabelece:

"Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado." (grifos nossos)

Diz ainda Carlos André Birnfeld: "é absolutamente louvável reduzir as desigualdades sociais... Mais que tudo é dever do Estado... Mas as ações do Estado no campo da Economia têm limites... São indicativas para a iniciativa privada... Cumpra o Estado ele mesmo suas obrigações... Não presuma que todos os agentes privados devam assumir, ainda que a contragosto, missões que são do Estado... Cobre padrões de qualidade uniformes (...) das instituições privadas de ensino... Mas não diga que uma atividade educacional privada dentro dos padrões de qualidade possa ser proibida em função da opção do governo de 'reduzir desigualdades sociais e regionais'. (...) É inconstitucional."

5. A liberdade de ensinar e a exigência de manifestação da OAB para a criação de Cursos e aumento de vagas
Tendo em vista a análise até aqui realizada, fica claro que normas corporativas, como o Estatuto da OAB, mesmo que oriundas do parlamento, não são normas gerais da educação, devendo ter seu sentido necessariamente interpretado à luz dessas e, em especial, da Constituição Federal.

O fato de o artigo 54 da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB) estabelecer que compete ao Conselho Federal da OAB "colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos", não dá à OAB nenhum dos direitos que ela se auto atribui, quais sejam: (a) estabelecer condições a serem cumpridas pelas IES para que possam criar novos Cursos de Direito; (b) ser ouvida sempre que uma Universidade aumentar suas vagas (com base no princípio da autonomia universitária) ou uma IES que não seja universidade solicitar o aumento de vagas em seu Curso de Direito; e (c) atribuir ao seu parecer caráter vinculante, ficando o Poder Público adstrito à posição da OAB (favorável ou não favorável) para autorizar a criação de novos Cursos de Direito.

5.1. A liberdade de ensinar e as condições para o seu exercício
É dentro do contexto principiológico estudado neste artigo que é necessário analisar o estabelecimento de condições específicas por corporações profissionais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao incluir como requisito para a criação de novos cursos de Direito a necessidade social .
Relativamente à essa exigência pode ser dito: (a) que a OAB não possui competência legal para definir qualquer condição para o exercício do direito de ensinar e qualquer restrição à liberdade de ensinar das Instituições de Ensino Superior; (b) que a própria exigência de que a OAB seja ouvida, presente no artigo 54 da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB), é de constitucionalidade e legalidade discutível, tendo em vista que nem a Constituição Federal e nem as normas gerais da educação nacional se referem à essa espécie de manifestação como condição para o exercício da liberdade de ensinar. Ao lado disso, essa exigência fere o princípio da isonomia, tendo em vista que os Cursos de Direito formam bacharéis e não advogados; a exigência, para ser isonômica, teria de incluir os órgãos representativos das demais profissões e carreiras jurídicas, em especial a magistratura e o ministério público; e (c) que a exigência de necessidade social, entendida a partir da relação entre população e número de vagas, não preenche critérios qualitativos - os únicos constitucionalmente previstos -, bem como não está inserida nas normas gerais da educação brasileira, constituindo-se em condição inexigível.

Tudo o que foi dito no parágrafo anterior aplica-se igualmente aos pedidos de aumento de vagas, com uma agravante: não há nenhuma norma no ordenamento jurídico brasileiro - nem mesmo no Estatuto da OAB - que exija a manifestação da OAB para o aumento de vagas dos Cursos de Direito. Entretanto continua ela exigindo a sua manifestação, tendo inclusive obtido decisão judicial favorável nesse sentido, decisão essa sem nenhuma motivação sólida no campo do Direito Educacional, a demonstrar o total desconhecimento dessa área do Direito, no âmbito do Poder Judiciário.
Agregue-se às observações já expostas, a inconstitucionalidade da inclusão na Portaria n.º 1.264/2004, em seu artigo 2º, do critério de necessidade social ("análise especial da demanda de serviços profissionais na região"), bem como a questionável utilização para o exercício de atividade que é privativa sua - a avaliação - da "colaboração de ... instituições profissionais de natureza pública", conforme autoriza o artigo 1º desse mesmo texto legal .

5.2. A situação específica das Universidades
Essa situação se torna mais absurda quando atinge as universidades, em sua autonomia, expressamente garantida no artigo 207 da Constituição Federal e no artigo 53 da LDB, que em seu inciso I lhes assegura, dentre outras, a atribuição de, em sua sede, criar, organizar e extinguir cursos e programas de educação superior, desde que cumpridas as normas gerais da educação. Isso ocorre quando se lhes exige, para a criação de cursos de determinadas áreas, a manifestação de órgãos estranhos ao sistema, tal como presente no artigo 54 da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB) e no artigo 28 do Decreto n.º 3.860/01, que exigem a manifestação prévia da OAB para a criação de Cursos de Direito, sem excepcionarem os pedidos apresentados por universidades, ferindo frontalmente o princípio constitucional da autonomia universitária.

O mesmo ocorre relativamente aos Cursos de Medicina, Odontologia e Psicologia, para os quais o artigo 27 desse mesmo Decreto exige a manifestação do Conselho Nacional de Saúde.
Não bastasse isso, há ainda, em ambas as situações (Cursos de Direito e Cursos de Medicina, Odontologia e Psicologia) a exigência inconstitucional de deliberação pela Câmara de Ensino Superior do CNE, homologada pelo Ministro da Educação, mesmo quando a IES for universidade, conforme artigo 27, parágrafo 2º e artigo 28, parágrafo 2º, ambos do Decreto n.º 3.860/01.

Esquece-se quando da criação dessa exigência que a autorização do Poder Público, condição prevista na Constituição Federal para o exercício da liberdade de ensinar, na situação específica das Universidades se dá quando da autorização para que a Instituição de Ensino Superior (IES) passe para essa categoria específica. Uma vez autorizada a funcionar como Universidade, ela possui, com base na LDB, autonomia para criar qualquer curso, em qualquer área. O que cabe ao Poder Público a partir de então é a avaliação periódica da qualidade de ensino, sendo, portanto, inexigível, relativamente às Universidades, qualquer autorização prévia para a implementação de qualquer curso novo ou aumento de vagas nos já existentes, quer pelo Poder Público quer por órgãos ou conselhos profissionais ou de área.

Considerações finais
Tendo em vista o exposto neste artigo, pode-se afirmar:

1. A Constituição Federal contém em seu texto, relativamente ao sistema educacional, três momentos distintos que tratam do princípio da autonomia: (a) como princípio pedagógico - flexibilidade -, constante do artigo 206, incisos II e III; (b) como princípio organizativo - liberdade de oferecimento pela iniciativa privada -, presente no artigo 209; e (c) como princípio administrativo - autonomia universitária -, na forma do artigo 207;

2. O princípio fundamental que rege o oferecimento do ensino superior no Brasil é o da liberdade de ensinar, atribuído também às IES privadas pela Constituição Federal (art. 206, inc. II, e art. 209, caput);

3. As duas condições estabelecidas pela Constituição Federal (art. 209, inc. I e II), para o exercício da liberdade de ensinar, são: (a) cumprimento das normas gerais da educação nacional, entendidas como as Leis que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira; e (b) autorização e avaliação de qualidade pelo poder público, exercido na área educacional pelo Ministério da Educação;

4. O Poder Executivo possui apenas competência de regulamentação em matéria de Direito Educacional - não pode, portanto, criar direitos ou deveres através de Decretos, Portarias e Resoluções;

5. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a", garante o direito de petição aos órgãos públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. É direito subjetivo público oponível ao Poder Público independentemente de qualquer regulamentação - não pode o Ministério Público negar esse direito através de Decreto, Portaria ou Resolução;

6. A ordem jurídica vigente, em especial a Lei n.° 9.784/1999, não tolera a omissão administrativa; o silêncio do poder público caracteriza hipótese de abuso de poder. Uma vez protocolizado o pedido e realizada, de forma plena, sua instrução, com base na legislação vigente, o Ministério da Educação é obrigado a emitir manifestação dentro do prazo legal.

7. O Conselho Federal da OAB não possui poder administrativo, normativo ou decisional que o autorizem a estabelecer condições ou restrições para a criação de novos Cursos de Direito ou para o aumento das vagas dos já existentes;

8. Os pareceres emitidos pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB (CEJ/OAB) possuem caráter exclusivamente opinativo, não podendo, frente à Constituição Federal e às normas gerais da educação brasileira, conter qualquer efeito vinculante - o inciso II do artigo 206 da Constituição Federal atribui ao poder público a capacidade de autorizar e avaliar a qualidade do ensino brasileiro.


 

Autor deste artigo: Horácio Wanderlei Rodrigues - participante desde Qui, 02 de Agosto de 2007.

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