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Planejamento familiar, Direito ignorado PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Magno de Aguiar Maranhao   
Qua, 23 de Fevereiro de 2005 21:00
Seguindo tendência verificada há tempos no mundo desenvolvido, a taxa de fecundidade no Brasil decresceu nas últimas décadas: a média de 6,2 filhos por mulher registrada em 1960 baixou para 2,3 em 2000. O índice de famílias tradicionais (casal com filhos) caiu de 60% em 1992 para 55% em 1999 e o de casal sem filhos subiu de 12,9% para 13,6%. Mas são números gerais; não levam em conta desigualdades sociais e nem os dramas que se desenrolam em grupos sociais menos favorecidos, sem acesso a serviços de planejamento familiar ("direito de todo cidadão", segundo o Artigo 226 da Constituição, regulado pela Lei 9.263, de 12/01/1996). A verdade é que a queda da fecundidade foi forçada por mulheres de classes mais altas e escolarizadas: mães com renda per capita familiar mensal de 20 salários mínimos têm, em média, um filho. No outro extremo, as que vivem na pobreza (renda de R$ 50) têm 5,35 filhos - que engrossarão as fileiras de crianças que se evadem das escolas, trabalham para sustento dos familiares e perpetuam o círculo vicioso da pobreza, ignorância, infância infeliz e juventude sem perspectivas.

Lamentavelmente, no Brasil, desinformação e preconceito cercam os debates sobre planejamento familiar, confundindo-o com controle estatal da natalidade e defesa do aborto. Tais temas se cruzam algumas vezes, mas os objetivos de seus defensores são distintos. O propósito da lei é claro: disponibilizar a todos informações que possibilitem a formação de famílias equilibradas, nas quais todos os membros desfrutem de boa qualidade de vida, o que não ocorre se há episódios repetidos de gravidez indesejada. Para evitar equívocos de interpretação, reproduzo alguns trechos: Art. 2º. (...) entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, homem ou casal. Parágrafo único. É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico. Art. 3º. O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, homem ou casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde e Art. 4o. (...) orienta-se por ações preventivas e educativas e garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para regulação da fecundidade. Art. 5º. É dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional , promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar.

Desnecessário dizer que a lei não é cumprida em plenitude e a ausência, ineficácia ou distorção dos objetivos dos serviços oferecidos aos grupos de baixa renda várias vezes resultam na opção pela esterilização definitiva. Contudo, mostram as estatísticas que a população continua a dar à luz filhos não planejados, sem condições de lhes garantir um desenvolvimento sadio: o índice de mortalidade de bebês até um ano, filhos de mães com até quatro anos de estudos (que têm, em média, 3,1 filhos) é 93 por mil (e mulheres com baixa instrução representam 40% daquelas em idade fértil no país); entre mães com oito anos e mais de estudos (que têm, em média, 1,6 filhos) o índice baixa para 29,7 óbitos em mil, pois possuem maiores noções de higiene e pagam por serviços de saúde. Este descontrole, que tem entre suas causas uma educação sexual inadequada e a ineficiência dos serviços de saúde pública acaba pondo em risco a integridade física feminina: mulheres que passaram por três partos têm quatro vezes mais probabilidades de sofrer abortos e a mortalidade materna afeta mais as que engravidam a curtos intervalos de tempo.

Uma das faces mais cruéis desta história é a gravidez adolescente: a faixa entre 15 e 19 anos foi a única que registrou aumento de fecundidade na última década - de 8,7% para 9,1%. Dados de 2002 revelam que 20% dos nascidos naquele ano eram filhos de meninas desta idade. Além das conseqüências óbvias (abandono dos estudos e aumento da dependência em relação à família) há outra, mais dramática: a gravidez precoce é a sexta maior causa de óbito entre adolescentes e a mortalidade materna é 30% maior entre elas que entre mães de 20 a 29 anos.

O que se conclui? As classes pobres são irresponsáveis? Devemos promover a distribuição em massa de anticoncepcionais? Ora, o desejo por melhor qualidade de vida; a ambição por ver os filhos instruídos e inseridos na sociedade e a ansiedade por exercer um controle mínimo sobre as próprias vidas são sentimentos inerentes a qualquer ser. As probabilidades de que tais objetivos se concretizem é que variam, conforme o grupo social a que pertence. Mulheres pobres e subescolarizadas não planejam ter vários filhos, não lhes agrada vê-los trabalhando em tenra idade, fracassando na escola ou morrendo antes da hora. Elas, simplesmente, estão à margem da História. Como suas companheiras de décadas e séculos passados, têm seu potencial humano desvalorizado ao se tornarem máquinas de reprodução. O "direito reprodutivo" (que toda mulher tem de regular a capacidade reprodutiva) de planejar uma família de modo a assegurar a todos saúde e educação, é algo que o Estado lhes é obrigado a garantir, mas de que não desfrutam. É hora de quebrar preconceitos relativos à contracepção e cuidar para que elas tenham acesso às mesmas informações e recursos que mulheres de classes mais altas, que optam por ter filhos de acordo com sua capacidade de lhes proporcionar pleno bem-estar físico e mental. O planejamento familiar é direito de todo brasileiro, como a educação (e a ela estreitamente relacionada) e uma questão de saúde pública, e assim deve ser encarado pelo governo.


 
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