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Monografias e Trabalhos O Mosaico da Gestão Escolar: Do Poderio à Biopolítica
O Mosaico da Gestão Escolar: Do Poderio à Biopolítica PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Lizabete Lázara Campos Pereira   
Qua, 05 de Agosto de 2009 13:49

Lizabete Lázara Campos Pereira

Romualdo Dias


Resumo - O presente artigo objetiva uma reflexão sobre o papel do gestor educacional na constituição de uma cultura escolar biopolítica. Sob a pós-modernidade, imersa numa sociedade fluida, não mais fará sentido algum, o modelo de administração escolar centralizador, verticalizado e de poderio individual, sem utilidade ontológica. Se a educação modela a alma é preciso buscar formas contemporâneas para gerir os atos praticados na escola, num processo que consolide a democracia necessária e conquiste a autonomia já constituída na legislação educacional.

 

 

Abstrac - The present article aims a reflection about the hole of the education gestor in the constitution of a bio-politics school culture. Under the post-modernity, immerse in a fluid society, won't make any sense, the model of centralized, verticalized and individual mightly school administration, with no ontologic use. If the education models the soul it is necessary to look for contemporary forms to manage the acts practiced in the school, in a process that consolidates the necessary democracy and conquers the autonomy alreadyset up in the legislating education.

Palavras-chaves - pós-modernidade, singularidades, ontologia, autonomia, biopolítica

Introdução

A gestão escolar democrática nas escolas públicas estaduais de Minas Gerais não é uma efetividade, sim, um processo que se desencadeia, segundo o nível de autonomia dos gestores escolares e suas equipes de trabalho. Constata-se que, mesmo após a virada do milênio, há vestígios nos ambientes escolares da cultura de poderio reinante e autoritário, advindos das matrizes políticas que permearam o doloroso processo histórico escolar de exclusão, desde a antiguidade clássica: escravismo, mundo medieval, tradição feudal aristocrata, onipotência da Igreja, educação jesuítica modeladora, ideologia que valoriza a retórica e a memorística, a formação aligeirada de corpos obedientes e servis, resignados e passivos, despotencializados para prover o processo democrático, diante de resquícios do assistencialismo compensatório ou do pacto de mediocridade de nítido cunho neoliberal. Ou seja, o panorama da administração escolar que se consolidou em nossas escolas partiu das matrizes políticas e dos estigmas culturais existentes nas relações da sociedade, economia e educação.

 

Entretanto, é sabido que, apesar do contexto sócio-político dominante, há luz no fim do túnel. Assim como uma imperativa cultura histórica pôde impregnar nossos corpos, também uma criativa cultura altermoderna e artista poderá reencantar nossas vísceras e nos congregar num cotidiano escolar sinérgico. Cada espaço educacional está, pois, diante de uma questão de sobrevivência, numa crise de instituições e filosofias herdadas.

 

Tentar-se-á, então, abordar o contexto pós-moderno desta sociedade líquida em que a escola se insere; questionar o papel da educação, imerso nesta ordem social perversa e o valor regulador do “deuteroaprendizado”; permear a autonomia e flexibilidade presentes no espírito do poder constituído nas diretrizes nacionais; fazer apontamentos de ferramentas necessárias para a gestão escolar compartilhada superar os processos socioculturais desumanizantes .

 

O texto desenvolver-se-á a partir das bases filosófico-científicas de Zigmund Bauman, Antônio Negri, Sueli Rolnik, Josep Puig, André Chervel, Paulo Freire e de experiências de gestão educacional vivenciadas nas Escolas Públicas de Minas Gerais, após a década de 90. Este estudo pretende abrir horizontes para a consolidação de um projeto compartilhado de gestão escolar, uma Roda Viva, que traga esperanças para o contexto educacional, bem como mecanismos de permanência de alunos e professores numa escola pública, apenas financiada pelo governo, sendo gerida pela criatividade coletiva dos envolvidos, num processo de constituição cultural do espaço escolar sinérgico, biopolítico e autônomo: um mosaico de convivência democrática.

1 : O Contexto Pós-Moderno

Negri (2002), filósofo e cientista social italiano, visitando o Brasil a convite do Ministro Gilberto Gil, teorizou em sua conferência que o pensamento moderno em vigor, entre os anos de 1500 a 1900, produziu uma terminologia política com muitos conceitos que pareciam absolutos: soberania, cidadania, estado-nação, imperialismo e coronelismo. Entretanto, o pensamento pós-moderno rompe com esta absolutização ao se deparar com esta força do global, deste mundo em que vivemos – para Bauman sociedade líquida - e que se impõe a constituição de um novo sujeito diante de elementos em processo de organização: uma nova forma de conhecimento que nos envolve em um processo de trabalho cooperativo, uma nova temporalidade e um espaço de trabalho de inter-relações contínuas. Há uma dimensão ontológica diferente, o tempo, o espaço e a produção nos deixam imersos em um fluxo contínuo de exploração da vida, num único mundo que nos coloca totalmente no mundo do trabalho como que dentro do capital.

 

Contudo, Negri (2002) acredita que não estamos diante de individualidades e sim de singularidades que se definem nas relações com o outro. A saída é buscar o comum, as relações, o amor não no sentido romântico, do erotismo, mas o amor como força ontológica, laço de solidariedade, relação, dignidade, abertura para discutir o real. É uma estética que recusa a obediência, o sacrifício e o dever, ou seja, a ética protestante do trabalho. Trata-se de um compromisso social de assumir nas próprias mãos as condições biopolíticas da própria existência, do próprio modo de trabalhar e criar uma independência da medida capitalista de exploração da vida, potencializando o processo de singularização, invenção, esta força do trabalho vivo que gera auto-valorização, construção de redes, prazer de trabalhar. A propriedade comum é o exercício que as singularidades fazem destes espaços para construir o espaço democrático na vontade, decisão, desejo, capacidade de transformação das singularidades.

 

Singularidade e Cooperação tornam-se necessárias para a construção do bem, mas sem o domínio do poder que é a unificação para cima, englobadora, destrutiva das singularidades e das capacidades de renovação de contínua construção singular do comum. Então, a grande questão que Negri (2002) traz é: como é possível imaginar um processo revolucionário que não tenha a paranóia do poder e sim a vontade de organizar de maneira criativa uma gestão do comum?

1.1 - Implicações da Modernidade Líquida

Constata-se que Bauman, assim, caracteriza a sociedade que entra no século XXI:

(...) não é menos “moderna” do que a sociedade que ingressou no século XX; o máximo que podemos dizer é que ela é moderna de uma maneira um pouco diferente. O que a faz moderna é o que diferencia a modernidade de todas as outras formas históricas de coabitação humana : a modernização compulsiva e obsessiva, contínua e que não pára, a ânsia avassaladora e endêmica pela destruição criativa (ou criatividade destrutiva, conforme seja o caso – para“ limpar o terreno” em nome do design “novo e melhorado”; para “desmantelar”,“ cortar”, defasar e diminuir em prol da maior produtividade ou concorrência. (BAUMAN, 2005, p. 135)

No entanto, o autor afirma que se o homem faz, ele mesmo pode desfazer. Para ser moderno o homem precisa estar sempre à frente de si mesmo, num Estado de constante transgressão experimentarmos ser sujeitos “processistas” (ROLNIK ,1993, p.166) no devir e não “progressistas”. Só assim, pensa a autora, o sujeito deixando-se estranhar pelas marcas da vida, tentará criar sentido que permita sua existencialização, seu grau de potência para afirmar-se em sua existência.

E para Bauman (2008), a principal caracterização da modernidade líquida, a individualização, chegou para ficar, trazendo um número sempre crescente de pessoas, uma liberdade sem precedentes de experimentar, mas também a tarefa sem precedentes de enfrentar as consequências. E como não mais estamos na era em que a conquista do espaço era o objetivo supremo, a posse e demarcação do espaço, o que este autor teoriza como era hardware e era software, tudo precisa ser reconfigurado. Na era do hardware ou modernidade pesada imperavam o tamanho, o volume, o “quanto maior melhor”, o “tamanho é poder, o volume é sucesso”. A lógica do poder e a lógica do controle estavam fundadas na estrita separação entre o “dentro” e o “fora” e numa vigilante defesa da fronteira entre eles. A mudança em questão é a nova irrelevância do espaço, disfarçada de aniquilação do tempo. Na era do software, da modernidade leve, a eficácia do tempo como meio de alcançar valor tende a aproximar-se do infinito. O tempo não é mais o “desvio na busca”, e assim não mais confere valor ao espaço. A quase instantaneidade do tempo do software anuncia a desvalorização do espaço. A modernidade “sólida” era um tempo de engajamento mútuo. A modernidade “fluida” é a época do desengajamento, da fuga fácil e da perseguição inútil. Na modernidade “líquida” mandam os mais escapadiços, os que são livres para se mover de modo imperceptível. O trabalho sem corpo da era do software não mais amarra o capital: permite ao capital ser extraterritorial, volátil e inconstante. A descorporificação do trabalho anuncia a ausência de peso do capital que pode viajar rápido e leve, e sua leveza e mobilidade se tornam as fontes mais importantes de incerteza para todo o resto. Essa é hoje a principal base da dominação e o principal fator das divisões sociais. Volume e tamanho deixam de ser recursos e tornam-se riscos. Flutuar é mais lucrativo. O abismo que se abre entre o direito à autoafirmação e a capacidade de controlar as situações sociais que podem tornar essa auto-afirmação algo factível ou irrealista parece ser a principal contradição da modernidade fluida, contradição que, por tentativa e erro, reflexão crítica e experimentação corajosa, precisamos aprender a manejar coletivamente.

 

Quanto ao poder, Bauman (2001) acredita que ele navega para longe da comunidade, do sujeito político caracterizado por Negri (2002) que prefere a fuga, a evitação e o descompromisso, numa condição de invisibilidade. E não há indivíduos autônomos sem uma sociedade autônoma, e a autonomia da sociedade requer uma autoconstituição deliberada e perpétua, algo que só pode ser uma realidade compartilhada de seus membros:

 

A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendizado têm de partir, porém, dos “condenados da terra”, dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo e dos que com eles realmente se solidarizem. Lutando pela restauração de sua humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira. (FREIRE, 2005, p.34)


 

Então, a redenção do indivíduo é produzida por ele livremente, através do que faz da própria vida. “A realização dos homens, enquanto homens, está, pois, na realização deste mundo(FREIRE, 2005, p.165). Trata-se de uma crise de liderança revolucionária e científico-humanizadora, aquela que não pode absolutizar a ignorância das massas. Esta é a crise que ainda nos assola. E a liderança há de confiar nas potencialidades das massas e não pode pensar sem elas, nem para elas, mas com elas. “Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanismo e negar os homens é uma mentira” (FREIRE, 2005, p.94). O diálogo não é um produto histórico, é a própria historicização. “(...) aprender a escrever a sua vida, como autor e como testemunha de sua história, isto é, biografar-se, existenciar-se, historicizar-se” (FREIRE, 2005, p.8).

E Negri, por sua vez, também defende na sua concepção de espaço comum a produção em comunidade que segundo ele, é a última relíquia das utopias da boa sociedade de outrora: “Se quisermos que uma religião ou república viva muito tempo, teremos de levá-la com frequência de volta ao princípio.” (NEGRI, 2006, p. 8)

1.2 - Educação: Sob a Pós-modernidade

Quanto aos aspectos pós-moderno que desconfiguraram os espaços escolares, Bauman relata que esta crise aflige, de cima para baixo, todas as instituições educacionais estabelecidas. É o momento da quebra dos hábitos diante desta fragmentação da vida que caracteriza o mundo pós-moderno em que vivemos. Este autor se apóia na visão de Bateson que atribui o papel primal e decisivo do processo de ensinar e aprender ao contexto social e ao modo pelo qual a mensagem é transmitida, mais do que aos conteúdos da instrução:

 

Os conteúdos – a matéria –sujeito do que Bateson chama de “proto-aprendizado” (aprendizado primário ou “aprendizado de primeiro grau”) – podem ser vistos a olho nu, monitorados e gravados, até mesmo desenhados e planejados; mas o deuteroaprendizado é um processo subterrâneo, quase nunca notado conscientemente e menos ainda monitorado por seus participantes, sendo relatado apenas de maneira vaga no extenso tópico da educação. É no curso do deuteroaprendizado, raras vezes no controle consciente dos educadores indicados ou autoproclamados, que os objetos da ação educacional adquirem habilidades muito mais importantes para a vida futura do que até mesmo os mais cuidadosamente pedaços e peças de conhecimento pré-selecionados que se combinam nos currículos escritos ou não-pensados. (BAUMAN, 2008, p. 159)

Diante do exposto, percebe-se que o deuteroaprendizado, esse “aprender a aprender”, é mais do que inevitável, é um complemento indispensável de todo proto-aprendizado; sem o deuteroaprendizado, o “aprendizado de primeiro grau” resultaria num processo sem nenhum efeito, incapaz de realizar as acomodações da teoria de Piaget sobre como se dá a construção do conhecimento.

 

Nesta mesma linha, Bauman (2008) afirma que o sucesso na vida (e assim a racionalidade) dos homens e mulheres pós-modernos depende da velocidade com que conseguem se livrar de hábitos antigos, mais do que da rapidez com que adquirem novos. Não se falte razão e bom senso aos homens; a questão é que as realidades com as quais eles têm que lidar no curso de suas vidas estão carregadas com o pecado original de falsificar o verdadeiro potencial humano e cortar a possibilidade de emancipação. “Na educação moral não se trata de mostrar modelos, porque a reprodução, a cópia e a fotocópia matam a vida.” (CORTINA, 2003, p.71)

A sociedade democrática, então, nada mais é do que uma enorme instituição pedagógica, um espaço escolar do comum, o lugar permanente da formação de cidadãos autônomos que tenham as competências necessárias para lidar eticamente com seus conflitos pessoais e sociais: É isto que também nos diz Sastre e Moreno (2002):

Formar os (as) alunos (as), desenvolver sua personalidade, fazê-los (a)s conscientes de suas ações e das conseqüências que estas acarretam, conseguir que aprendam a conhecer melhor a si mesmos (as) e às demais pessoas, fomentar a cooperação, a autoconfiança e a confiança em suas companheiras e seus companheiros, com base no conhecimento da forma de agir de cada pessoa, e beneficiar-se das conseqüências que estes conhecimentos lhes proporcionam. A realização destes objetivos leva a formas de convivência mais satisfatórias e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, qualidade de vida que não se baseia no consumo, e sim em gerir adequadamente os recursos mentais, intelectuais e emocionais – para alcançar uma convivência humana muito mais satisfatória. (SASTRE, MORENO, 2002, p.49)

2 : A Arte Da Consistência Biopolítica Na Educação

Para Negri (2006) a biopolítica é, essa perspectiva dentro da qual os aspectos político-administrativos se juntam às dimensões democráticas, para que o governo das cidades e das nações possa ser apreendido de maneira unitária, reunindo ao mesmo tempo os desenvolvimentos naturais da vida e de sua reprodução, e as estruturas administrativas que a disciplinam (a educação, a assistência, a saúde, os transportes etc). É o entrecruzamento do poder com a vida. Quando a vida resiste significa que ela afirma sua força, ou seja, sua capacidade de criação, de invenção, de produção, de subjetivação. É a resistência da vida ao poder, no próprio interior de um poder que investiu a vida.

 

Uma vez admitida essa definição, é preciso, contudo, ir um pouco mais longe e perguntar-se o que significa biopolítica quando se entra no pós-moderno, ou seja, nessa fase do desenvolvimento capitalista em que triunfa a subordinação real da sociedade como um todo ao capital. O biopolítico mudou de cara: torna-se biopolítico produtivo. Isso significa que a relação entre os conjuntos demográficos ativos e as estruturas administrativas que os percorrem é a expressão direta de uma potência produtiva. O conjunto das forças produtivas, dos indivíduos e dos grupos se torna produtivo à medida que os sujeitos sociais vão se reapropriando do conjunto. A produção social é completamente articulada através da produção de subjetividade:

 

(...) a biopolítica cria novas armas que podem eclodir as diferenças. Os usos das novas tecnologias são, ainda, objeto de disputa no que tange à arquitetura mundial das redes e à sua regulação. Dependendo do uso dos poderes e contrapoderes, as tecnologias da informação podem, por um fato, corroborar para a manutenção do status quo, produzindo as subjetividades que lhe são adequadas, ou podem, se incorporadas de maneira crítica e criativa, abrir espaços para o novo, os extramuros do controle. (BRAGA & VLACH, 2004, p.3)

Puig (2007) faz esta relação com moralidade. Segundo ele, precisa-se decidir de que maneira se quer viver neste mundo em estado precário em que nascemos inacabados e com grande plasticidade porque não fomos programados, não temos um percurso vital, nem destinos previstos. Existe uma abertura antropológica que nos convida a respondermos e ensinarmos nossos alunos a responderem: “Como viver?”. Responder esta questão com a própria vida, de modo que nenhuma vida seja prejudicada, nem colocada em perigo, buscando “Felicidade e Justiça que são as duas tarefas morais necessárias para assegurar uma vida boa” (PUIG, 2007, p.61). Ele cita então as quatro éticas para aprender a viver: Aprender a ser; Aprender a conviver; Aprender a participar; Aprender a habitar o mundo. Ou seja: A Autoética; Alterética; Sócioética e Ecoética.

 

No que diz respeito a Autoética, o Aprender a ser, este autor aposta no maior grau possível de autonomia e de responsabilidade na formação de um pensamento autônomo e crítico que permita constituir um critério próprio e seja capaz de determinar por si mesmo o que se deve fazer nas diferentes situações vitais; no desenvolvimento da sensibilidade moral que predispõe a indignar-se diante daquelas situações consideradas inaceitáveis; na construção das capacidades que regulam a própria conduta, vontade e autorregulação; no exercício das capacidades e auto-observação para potencializar um trabalho sobre si mesmo que permita um alto nível de amor próprio e modelagem do próprio caráter; e por fim, a ética do aprender a ser exige a consciência de si mesmo e a harmonia com mundo pela contemplação artística ou por mediações que ajudem a desenvolver a vida espiritual.

 

Quanto a Alterética, o aprender a conviver, Puig (2007) aponta para a tarefa formativa, é a antítese da separação e do isolamento, é o compromisso num trabalho compartilhado, sustentado no princípio básico de nossa existência de que nós humanos não nos fazemos na solidão, mas junto com os demais, o aprendizado do convívio é uma tarefa educativa que pretende ajudar os indivíduos a estabelecer vínculos baseados na abertura e na compreensão dos demais e no compromisso com os projetos a ser realizados em comum:

 

Quando o egocentrismo prevalece, as diferenças em relação aos outros são exageradas e facilmente se transformam em hostilidade e exclusão. Em contra-partida ao prevalecer o altruísmo intensifica-se a identidade comum que, sem apagar as diferenças, predispõe à ajuda mútua e gera sentimentos de afeto e fraternidade. Aprender a conviver é edificar a ética da alteridade, uma ética relacional preocupada em criar vínculos entre as pessoas: uma alter-ética.( PUIG, 2007, p70)

 

A Sócioética, o autor admite não depender apenas da educação, mas com ela se tornar possível porque, a participação contrapõe-se à dependência e à incapacidade. Participar pressupõe ser livre num duplo sentido: não estar submetido a nenhuma forma de dominação e ser capaz de utilizar os recursos necessários para intervir na vida pública:

(...) não é possível que a participação democrática esteja viva sem a força exercida pelas virtudes dos cidadãos ativos. Sem o compromisso com os interesses do conjunto da sociedade não é possível participar corretamente, mas também são necessárias outras virtudes, como a solidariedade, a tolerância e o profissionalismo. (PUIG, 2007, p73)

 

E finalmente, a Ecoética, o habitar o mundo cuidando da humanidade, aprendendo a refazer a relação com a natureza, a fim de salvá-la e salvar a nós mesmos. Aprender a viver é reaprender uma maneira sustentável de habitar o mundo para inocular responsabilidade por nós mesmos, pelos que estão por vir e pelo conjunto do planeta Terra.

 

Quando a promessa de felicidade e de progresso sem fim nos propunha a ciência, e a técnica se converteu numa ameaça para a natureza e para nós mesmos quando a visão antropocêntrica e dominadora dos seres humanos submeteu a natureza a uma exploração sem piedade, quando não é exagerado anunciar a ameaça de uma sucessão de catástrofes ecológicas por todo o planeta, torna-se necessário pensar numa ética da responsabilidade que ajude a reconstruir a harmonia e o equilíbrio do mundo natural. Aprender a habitar no mundo é adotar uma ética global e ecológica uma ecoética. (PUIG, 2007, p.75).

 

Os autores citados sugerem, pois, que há que ser virtuoso para ser democrático.

2.1 - O Poder Constituinte e Constituído

Percebe-se que o mundo contemporâneo exige uma sociedade em contínua ressocialização de seus membros e reelaboração de identidades. A formação para a cidadania, tão citada nos documentos escolares requer uma emancipação política que o poder constituído por si só não garante. A Lei não esgota a questão ontológica, mas é ponto de partida para que a realidade social seja repensada e que, com base em sua aplicação, avanços sejam alcançados.

 

A Lei N.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz na sua expressão de poder constituído um conceito de educação abrangente, resultado de vários processos formativos oriundos da vida familiar, convivência humana, trabalho, instituições de ensino e pesquisa, movimentos sociais e organizações da sociedade. Garante, na forma da lei, uma educação ministrada sob os princípios de liberdade e ideais de solidariedade humana, na igualdade de condições de acesso e permanência; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância; coexistência do público e privado; gratuidade de ensino público; valorização dos profissionais; gestão democrática; garantia de qualidade do ensino; valorização da experiência extra-escolar; vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

 

É sabido por inúmeros educadores que este novo paradigma da administração escolar presente no espírito constituinte desta Lei traz, junto com a autonomia, a idéia e a recomendação de gestão colegiada, com responsabilidades compartilhadas pelas comunidades interna e externa da escola. Ela delega poderes (autonomia administrativa e orçamentária) para a Diretoria da Escola resolver o desafio da qualidade da educação no âmbito de sua instituição. Em seus artigos 14 e 15, determina que cabem aos sistemas de ensino definir as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e promovendo a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a escuta das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Determina que os sistemas de ensino assegurem às unidades escolares públicas de educação básica que os integram, progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público. Entretanto, faz-se necessária uma reflexão paralela à abertura encontrada nesta Lei sobre as questões da conquista da autonomia que não pode ser decretada.

 

Para Freire (2005), a educação pode mudar a condição humana. O grande fim da educação é a realização da nossa vocação ontológica do ser humano: a humanização. A escola define-se como instrumento de uma luta política para construir relações alicerçadas na democracia e na justiça. Em sua constituição ontológica, o ser humano é abertura infinita, é possibilidade inesgotável. A educação é um ato essencialmente político, caso contrário, ela não é educação ou torna-se simplesmente ideologia que reproduz a opressão e nega o humano em sua vocação ontológica.

 

Por sua vez, Chervel afirma também que, até então, o poder criativo do sistema escolar tem sido desprezado pelas pessoas em geral, que talvez por isso não se tenha percebido com clareza o duplo papel da escola: o “de formar não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global.” (CHERVEL,1990, p.184)

3 : Uma Experiência De Convivência Democrática

Os princípios constitucionais que regem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional norteiam a escola pública para questões que surgem quando se tenta vivenciar experiências construtoras de um perfil escolar democrático. Neste sentido depara-se com certos conceitos, antes não vivenciados no espaço escolar: liderança, autoavaliação, desempenho individual, colegiado, formação continuada e domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação.

 

Existem em todo estado de Minas Gerais 82 (oitenta e dois) Centros de Educação Continuada - CESECs com a finalidade de matricular alunos jovens e adultos em qualquer época do ano, para eliminar disciplinas do Ensino Fundamental (após 15 anos) e Médio (após 18 anos) ou concluir estes níveis de Ensino Básico, através do estudo e da avaliação no processo de sucessivos módulos didáticos, a fim de melhor se situarem diante dos desafios do mundo contemporâneo. A metodologia utilizada é diferenciada do Ensino Regular, com frequência semipresencial, onde o aluno pode escolher por quais disciplinas começar seus estudos e também a modalidade de atendimento de melhor compatibilidade à sua disponibilidade de tempo e à carga horária do professor que faz atendimentos modulares diferenciados pela manhã, à tarde e à noite.

 

O CESEC “Prof.ª Hermelinda Toledo” vem desenvolvendo uma “Roda Viva”, experiência de gestão, desde julho de 2007, época da Seleção Competitiva Interna para Diretores das Escolas Públicas Estaduais, com embasamento legal da Constituição Estadual de Minas Gerais, Seção III, Art. 196, Inciso VIII com Acórdão publicado em 11 de abril de 1997 e Resolução da SEE/MG N.º 852/2006.

 

A concepção de liderança que respalda tal experiência vem, sobretudo, de Grün (2006). Este autor traz algumas virtudes de ordem para aqueles que desejam gerir e não apenas administrar:

 

§ Crença na boa semente do homem. O potencial humano é infindável. Liderar significa motivar as pessoas, dar-lhes asas, encorajá-las a serem criativas. Não pode mais existir nenhum lugar no mundo para o autoritarismo, o individualismo e o preconceito, porque nesta Terra ninguém é maior ou menor que ninguém, e sim todos somos revestidos de dignidade. A gestão participativa em qualquer esfera social expande as soluções e transforma o ambiente num oásis. Todos podem contribuir para o sucesso da escola; por este motivo devemos evitar que alguém tenha de executar um trabalho que não seja condizente com sua capacidade ou que o impeça de contribuir para este sucesso. O trabalho deve enriquecer a todos e ser prazeroso para todos. Precisaremos saber falar de coisas negativas sem ferir, apresentar a verdade ao outro como uma capa que ele possa vestir e não bater com ela em seus ouvidos como se fosse uma toalha molhada. A complacência, a serenidade e a concordância com decisões que nós não havíamos pensado precisam ter ressonância. Isto é colegialidade e requer também uma segunda virtude de ordem:

 

§ Sabedoria: Sábio é aquele que vê as coisas como elas são. É aquele que não se deixa embriagar pelas emoções, não se deixa vencer pelos desejos. É sensato, ponderado e tem esperança. Não adultera as coisas através da névoa do pessimismo, da arrogância, do egoísmo e individualismo. Aquele que caminha pelo mundo tão embriagado por suas ilusões não poderá liderar de verdade. Somente aquele que se torna consciente de si mesmo está protegido de que suas necessidades inconscientes e suas paixões reprimidas embacem sua maneira de ver as coisas e adulterem sua liderança.

§ Humildade: Aquele que se eleva acima das pessoas, que se coloca acima delas com necessidade de diminuí-las para poder acreditar em seu próprio tamanho abusam de seu poder. A verdadeira humildade implica aceitarmos nossa própria fragilidade e inconstância, em reconhecermos que somos um ser humano, que poderemos cair. Humildade é a coragem de descer à própria humanidade, à própria sombra. Em vez de engrandecer-se, o humilde deve descer de seu trono e reconhecer que ele foi feito do barro. Somente então ele não se colocará acima dos outros, mas tratará com eles de forma humana, respeitando-os em sua dignidade, colocando-se ao lado deles.

 

§ Serenidade: Apenas aquele que consegue estar consigo mesmo e alcançar a paz em Deus poderá criar em torno de si uma atmosfera de tranquilidade, na qual os colaboradores se sintam bem e se dediquem ao trabalho com prazer. A força não está na inquietação, mas sim na tranqüilidade. No entanto, o líder somente encontrará sua paz interior quando não se desviar de sua própria verdade, quando puder sustentar diante de Deus aquilo que lhe aflora na quietude, porque sabe que é totalmente aceito por Deus.

 

§ Senso de justiça: Aquele que dirige outras pessoas não pode feri-las. Um princípio importante da psicologia é que aquele que não pode contemplar seus próprios traumas estará condenado a ferir aos outros ou a si mesmo. Ao magoar o outro não estou lhe despertando a vida, mas sim a reprimindo. Alguns gestores pensam que têm de desvalorizar constantemente seus auxiliares, de mostrar-lhes quem é que manda. A justiça pressupõe que cada colaborador tem direitos que devem ser garantidos: direito de ser ele mesmo, direito à liberdade, à dignidade, à atenção e ao respeito. O líder só pode ser justo quando tiver deixado de lado seus próprios preconceitos. “A ação do justo se inicia na sabedoria do pensamento.” (p.30) Os colaboradores sempre apreciam quando seu líder é justo.

 

§ Clareza nas decisões: Aquele que chega muito tarde é punido pela vida. Trata-se das pessoas que não podem decidir por puro perfeccionismo. Elas têm medo de cometer erros e por este motivo preferem não decidir nada. Aquele que quiser liderar outras pessoas precisa decidir-se clara e rapidamente, após coletar os dados e opiniões. O líder não pode girar em torno de si mesmo e de sua infalibilidade.

 

§ Senso de economia: Atentar cuidadosamente a tudo que lhe foi confiado. Ele deve lidar com as coisas de modo comedido e não as esbanjar.

 

§ Temor de Deus: O temor a Deus liberta do medo humano. Aquele que tem medo de cometer erros e não assume isto diante dos outros não é capaz de liderar outras pessoas. Ele vê, nos outros, apenas segundo a visão do que eles podem lhe trazer:

O temor a Deus liberta do relacionamento doentio comigo mesmo, do medo de mim mesmo e do meu sucesso. Aquele que teme a Deus se liberta do medo de falhar, do fracasso, da crítica. E o temor a Deus me liberta de modo a que, livre de mim mesmo, eu possa ver os homens e as coisas a partir de Deus e por este motivo seja justo. (GRUN, 2006, p.36)

Assim, Grün (2006), constitui a liderança, de forma que lidar com as pessoas e com as coisas seja uma maneira de nos condizermos com Deus , Aquele que as criou e não vivendo a fantasia de que somos os maiores, as pessoas mais importantes de um processo de gestão em constante germinação. Senão tudo existirá para nos servir e aquele que caminha pelo mundo tão embriagado por suas ilusões não poderá liderar de verdade.

 

O Plano Gestor deste CESEC foi constituído para que uma nova forma de liderança pudesse ser redesenhada. Se “o amor é o que o amor faz” (HUNTER, 2004, p.68), não é sentimento, e sim, comportamento precisamos, pois, colocar ação nos nossos discursos. O plano, então, traz em sua primeira tela de explanação: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.” (FREIRE, 2005, p.151) E a seguir, os demais eixos norteadores do Plano Gestor :

 

1. Os princípios básicos da engrenagem proposta: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência que já são impositivos constitucionais para a administração pública, conforme Art. 37 da Constituição Federal 1988 e Reforma Administrativa da Emenda Constitucional N.º19 / 98;

 

2. As áreas de atuação: aprimoramento escolar, avaliação da educação, desenvolvimento curricular, desenvolvimento profissional, trabalho coletivo e relação com a comunidade;

 

3. As metas da gestão: gerir a organização escolar de modo democrático e participativo; melhorar a qualidade de vida dos recursos humanos; liderar a construção coletiva de um currículo adequado à modalidade supletiva e instalar a escola em rede física própria;

 

4. As prioridades: valorizar as ações concretizadas pela gestão anterior; experimentar um esquema de gestão participativa; fortalecer a autonomia do colegiado escolar; planejar ações administrativas, pedagógicas e financeiras de modo dinâmico, através de planejamento estratégico; aplicar o princípio da equidade nas demandas de trabalhos ; empreender na formação continuada dos recursos humanos; promover por área um processo e adequação e autonomia curricular; buscar estratégias de acesso dos interessados à inclusão digital; informatizar progressivamente a secretaria; tornar a biblioteca acessível e revitalizá-la; implantar um esquema de segurança na portaria da escola; montar um projeto para sensibilizar a Secretaria de Estado da Educação, quanto à necessidade de uma rede física própria e conquistar parcerias ;

 

5. As equipes de atuação para a dinamização da gestão: colegiada, financeira, didático-pedagógica, patrimonial, administrativa, social.

O Plano gestor foi idealizado para girar, processualmente, no ciclo: planejar, executar e avaliar, seguindo os passos: diagnosticar a situação, coletar dados e sugestões, dar aplicabilidade legal e reiniciar o ciclo sucessivamente, como numa engrenagem. Este plano se encerra com a convicção de que enfrentar as dificuldades e superá-las é sinônimo de felicidade e sucesso profissional.

 

E após dois anos de experimentação, percebe-se que a escola tomou um rumo processual, onde se faz o caminho enquanto caminha-se e cria-se uma nova cultura de avaliação na instituição que tem sido a manivela do processo participativo de gestão. Nesta rotatividade de ações, como num ciclo de avaliação contínua, algumas ferramentas são utilizadas, algumas porque o sistema coerentemente exige, outras foram criadas a partir da necessidade e experiências do coletivo escolar.

3.1 - As Sete Ferramentas da Gestão Compartilhada do

CESEC Prof.ª “Hermelinda Toledo”

Este CESEC atua, ciclicamente, utilizando-se de algumas ferramentas indispensáveis para a constituição de uma nova cultura de gestão, sob a coordenação das várias equipes que atuam para dinamizar a gestão. Estas ferramentas são: Sistema Gerencial Informatizado - SISCESEC; Reuniões Mensais com o Colegiado Escolar ; Processo de Formação Continuada; Processo Periódico de Avaliação Institucional; Processo de Avaliação de Desempenho dos Servidores; Produção do Informativo Escolar - CESEC.com AÇÃO e o Traçado Estatístico CESEC.sem EVASÃO – instrumento de combate à evasão escolar. São processos que se interligam para dar consistência ao engenho da engrenagem proposta no Plano gestor:

 

I- SISTEMA GERENCIAL INFORMATIZADO - SISCESEC trata-se de uma aspiração descrita no Plano de Gestão, respaldada pelo Colegiado Escolar ao planejar os gastos dos recursos disponíveis. O trabalho foi especialmente desenvolvido pelo Analista de Sistema e Programador, Paulo Eduardo Ribeiro Reis, para atender as especificidades deste CESEC e, gradativamente, se desenvolve com sucessivas alterações, após ouvir alunos e professores para aperfeiçoá-lo. O Sistema abrange os seguintes instrumentos de trabalho:

 

· SISCESEC/ALUNO - da Equipe Administrativa, faz a matrícula e a reenturmação os alunos nas diversas disciplinas;

· SISCESEC/REC - da Equipe Administrativa também, faz a captação dos recursos financeiros;

· SISCESEC/LIVRO CAIXA - da Equipe Financeira, faz a movimentação e prestações de contas;

· SISCESEC/PROFISSIONAL - da Equipe Administrativa, calcula os benefícios dos profissionais;

 

II- REUNIÕES COLEGIADAS - outra ferramenta que dinamiza a gestão. Observa-se que mensalmente, toda última quinta-feira do mês, às oito horas da manhã, o Colegiado Escolar eleito, conforme Resolução SEE/MG N.º1.059/08, se reúne para cumprir uma pauta elaborada pela especialista de educação, coordenadora da Equipe Colegiada, conforme fora proposto pelo plano gestor.

 

Os diversos membros do colegiado, neste momento mensal sagrado, acolhem e apresentam projetos; traçam planos de gastos ou aprovam aplicações financeiras de recursos, anteriormente, planejados; acompanham o desenvolvimento escolar num constante diálogo e análise de dados obtidos, com um firme propósito de inaugurar uma cultura de descentralização do poder gestor.

 

Em seu texto, A luta pela democracia, Dias (2008), coordenadora da equipe colegiada de gestão, assim se expressa:

 

O CESEC se dispôs a ser uma escola democrática, e bem sabemos quão desafiadora e exigente é esta tarefa. Deparamos na luta diária com obstáculos e os revertemos em mola propulsora para a construção do processo. Para que o convívio democrático se consolide, muitas vezes, precisamos abrir mão de nossas idéias e acolher a idéia do outro com confiança; precisamos constantemente criar mecanismos institucionais que viabilizem as práticas participativas.

 

O ouvir tem sido uma de nossas melhores experiências. Como é bom ouvir e poder compartilhar os pensamentos! Pelos corredores estreitos de nossa escola esbarramos com as mais diversas situações e mais belas histórias. Nestes momentos preciosos vamos descobrindo os tesouros que aqui se escondem: ouvimos a história do rapaz que trabalha na plantação de morango, da garota que espera o comércio fechar e vem correndo para não perder o jantar, do senhor que vem lá da outra cidade e está preocupadíssimo com a Matemática, do trabalhador que passou a noite toda na fábrica e resiste fortemente ao sono para assistir à aula, da mãe que passa o dia inteiro com seu filho na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Encontramos também aqueles que sempre têm uma coisa engraçada a nos dizer ou alguém que trouxe o filho para a escola por não ter com quem deixá-lo. Todos são acolhidos! E nesta diversidade vamos envolvendo e sendo envolvidos e transformando a paisagem subjetiva. Estamos vulneráveis a tudo isso.

 

Suely Rolnik nos diz, num de seus textos, que a vulnerabilidade é condição básica para que o outro se torne presença viva em nossas vidas. E Regis de Morais, se refere à vulnerabilidade da seguinte forma “Só prossegue realmente vivo dentro da vida aquele que aceita ser vulnerável”. O CESEC aceitou esta condição, por isso estamos cheios de vidas que são transformadas pelas mãos acolhedoras de nossos professores, pela vontade de nos despirmos de tudo que está pré-estabelecido, pela capacidade de aceitarmos o diferente, pela prática constante do diálogo. (DIAS, COLETANEA CESEC/2008, p39)

III- O Processo de Formação Continuada - terceira ferramenta de liderança compartilhada, vem se desenvolvendo, tanto nos dias escolares reservados no Calendário Escolar conforme Resolução Anual da Secretaria de Estado da Educação, quanto nas atividades de Módulos II , mensalmente dedicadas a estudos coletivos. É uma ferramenta coordenada pela supervisão pedagógica, junto ao Corpo Docente para tornar vivo e dinâmico o Projeto Político Pedagógico da Instituição Escolar, num constante exercício de ler e reler o próprio contexto curricular: “(...) e os responsáveis escolares que queiram encorajar professores a tornarem profissionais reflexivos devem criar espaços de liberdade tranquila onde a reflexão seja possível” (SCHÖN, 1997).

 

Tudo teve início com a sensibilização do Conselho pela equipe gestora a partir de dinâmicas e trabalhos realizados objetivando descentralizar o poder gestor, re-significando o conceito de liderança e produzindo coletivamente a visão do CESEC para os próximos anos: “ser centro de referência no atendimento às necessidades do aluno jovem e adulto, numa cultura de sucesso”; os valores para a vivência do cotidiano escolar: “justiça, solidariedade, respeito mútuo, cooperação, tolerância, participação, compreensão e transparência”; a missão de todos e de cada um: “resgatar a auto-estima do aluno jovem e adulto, oportunizando situações de aprendizagem, para que cresça em relação a si próprio, na conquista da autonomia necessária à ascensão social.” (PDE/CESEC/2008)

 

Assim, nasceu o engajamento dos professores naquilo que fora verbalizado por eles, com um poder constituinte de ímpar valor, para um processo compartilhado de liderança escolar.

 

Nestes encontros, avaliam-se metas estabelecidas, projetam-se melhorias ou caminhos a serem experimentados, sempre atentos aos resultados das avaliações institucionais, periodicamente, realizadas in loco, para produzir as mudanças curriculares necessárias à adequação de um processo pedagógico que busca constantemente corresponder às necessidades da diversificada demanda atendida.

No ano de 2008, a Formação Continuada, teve o acompanhamento do Dr. Romualdo Dias da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Após análise do Projeto Pedagógico Escolar, o filósofo se propôs a assessorar o “cuidado com os cuidadores” partindo da valorização das experiências docentes e desafiando este corpo para um estudo temático delegado a equipes de construção do conhecimento. Ao final do estudo houve a socialização dos saberes e a produção de uma coletânea de textos para a culminância destes estudos realizados, com uma carga horária de 360 horas, convalidada pelo Centro de Estudos Ambientais da UNESP de Rio Claro.

 

Este trabalho envolveu a abertura dos 25 anos da instituição, o resgate histórico e a busca da identidade escolar, um mosaico formado pela singularidade de cada um.

 

Em 2009, a proposta de Estudos do Processo de Formação Continuada terá como eixo a Andragogia.

IV - O Processo De Avaliação Institucional é, um instrumento termômetro da comunidade escolar. Trata-se de uma pesquisa periodicamente aplicada para coletar dos diversos segmentos escolares, dados sobre as ações propostas, num feed-back dos envolvidos, para que se possa permanecer no caminho, corrigir falhas e fazer os desvios necessários apontados e negociados com a comunidade escolar em um constante Planejar – Executar – Avaliar.

 

O atendimento administrativo, o quadro-horário docente de atendimento pedagógico, a metodologia, as modalidades e o material didático sofrem sucessivas alterações, conforme os apontamentos da pesquisa realizada por diversos segmentos da escola.

 

V- O Processo De Avaliação De Desempenho não é um processo feito para cumprir a Resolução Conjunta SEPLAG/SEE N.º5.465/04.

Após a escola definir coletivamente suas principais metas anuais, e transformá-las em ações para cada segmento escolar, o servidor individualmente se compromete com a escola no preenchimento do seu PGDI, escrevendo suas tarefas propostas para que a escola alcance as metas estabelecidas pelo coletivo para se amarrar as intenções. Recorre-se também à escrita de um portifólio individual, quando necessário, para subsidiar os dois momentos semestrais de acompanhamentos desta avaliação. É uma ferramenta utilizada para motivar o servidor a ser uma peça fundamental no aprimoramento escolar.

 

VI - O CESEC.Com AÇÃO, um instrumento semestral de publicação escolar, motiva a escrita produzida no cotidiano das salas de aula, pelas mais diversas áreas que já concebem a leitura e escrita escolar como prioridade não só do professor de linguagem, mas de todo coletivo.É um instrumentos de resgate da auto-estima da comunidade escolar e de definição da identidade escolar.

 

Vii- O Cesec. Sem Evasão, é uma ferramenta estatística que busca dar a comunidade escolar, as condições necessárias para uma reflexão sobre a realidade existente, a partir de dados estatísticos afixados em murais, buscando conscientização e melhorias no processo educacional. Posiciona-se, estatisticamente, cada professor diante de sua responsabilidade social, através da necessidade de apontar ao serviço de Orientação Educacional o levantamento constante dos alunos evadidos, para que uma carta social possa chegar a cada um deles. Paralelamente, buscando impedir a evasão pelo motivo de falta de recursos para se adquirir livros e apostilas necessários à eliminação de módulos, há o Banco do Livro.

 

Na experiência do CESEC observa-se que não se trata mais de disciplinar, mas de gerir uma relação em que aquilo que se conhece é permanentemente constituído e reconstituído por cada um, por sua relação com os outros e com o mundo.

Conclusão

Vivemos mergulhados numa cultura individualista, competitiva e massacrante embora não tenhamos nascido para tal. Apesar de a história já nos ter revelado outrora que tudo fora diferente, nestes últimos tempos temos remado para o lado oposto. Certamente sob os efeitos históricos traumatizantes que nos induziram ao medo, inércia, comodismo e individualismo, mas o homem não pode negar sua vocação ontológica. Nascemos para o outro e nos realizamos à medida que aceitamos este desafio tecendo na arte da convivência o nosso crescimento e o do outro.

 

Carregamos fortes traços culturais de negação desta beleza humana e os revelamos, sobretudo, quando assumimos uma posição social. Na escola pública, raras vezes, assistimos a experiências de gestão divergentes deste modelo patriarcal de mandonismo e de salto alto que opta por oprimir para dominar e impedir o criar, pensar e agir, a fim de reconfigurar e reconstituir os espaços educacionais. É a força cultural dominadora impregnando nossos corpos, paralisando nossas mentes e fabricando omissões e marasmos educacionais.

 

Podemos, entretanto, acreditar na força dos pequenos atos que podem ser disparadores de um novo modelo de gestão, quer seja de uma sala de aula, de equipes de uma determinada área do conhecimento curricular ou mesmo de uma escola. É tecendo redes de falas e de registros, ações e intervenções que surgirão novos movimentos de participação. Sem dúvida, idéias simples e singelas quando aplicadas, após negociação, com determinação, farão toda a diferença na gestão escolar. Certamente não serão grandes feitos governamentais ou legislações magnas que mudarão nosso destino de educadores do século XXI. Nossa autonomia não poderá ser garantida por nenhuma força verticalizada, porque ela é conquista, é experiência, é processo horizontal.

 

Se a inauguração de uma nova cultura escolar dependesse do poder constituído já teríamos em nossos dias a necessária escola pública pós-moderna. Nossa LDB traz eixos de flexibilidade, avaliação e liberdade que ampliam o papel da escola diante da sociedade e sugerem o fortalecimento da sua autonomia. Ou seja, a Lei ainda que muito necessária, não fez, nem fará, por decreto, a ruptura de uma cultura que vem nos moldando para repetir, copiar, produzir e mercantilizar.

 

Cabe-nos a competência política de gerir para inaugurar uma nova cultura a partir da biopolítica escolar: célula social exponencial capaz de moldar a verdadeira identidade a partir da descoberta do potencial existente no coletivo escolar, da riqueza que poderá ser a soma das diversas singularidades existentes. Fazer explodir a sinergia oculta à medida que nos libertamos do medo de ousar com a responsabilidade de construir-com, um constituir-com o outro, na retomada da integração, na certeza de que juntos somos mais para ousar, errar ou acertar, mas experimentar para transformar, a partir do senso de pertencimento. Sem medo de ser feliz, apesar das crises e conflitos, que se bem geridos, tornar-se-ão oportunidades de renascimento.

 

E, paralelamente, à política, a competência afetiva, no resgate dos valores, no exercício da delicadeza, no toque feminino de tratamento das relações interpessoais, no cuidado com os cuidadores (transferidos subjetivamente aos alunos e comunidade escolar), na experimentação curiosa e inventiva da criança, na alegria do gênesis de um infinito oitavo dia da criação. Resta-nos o caminho da arte, da sedução provocada pelo belo que é o original, o identitário de uma comunidade que ciranda num Universo em movimento.

 

No entanto, sem esquecer-se da competência administrativa, aparentemente diluída, mas imersa na beleza do mosaico. O gestor escolar, figura tão tradicionalmente, forte e poderosa, é agora tão relevante quanto às demais, porque cada um ocupa seu devido lugar e desempenha com autonomia seu verdadeiro papel na consciência de promover o bem comum com a alegria e o prazer de quem olha e admira seus simples, porém sublimes feitos.

 

Urge-nos a coragem de partir com o outro para o êxodo, o caminho do cerco do poder pelo coletivo, em busca da terra prometida: a educação emancipadora capaz de gerir o desenvolvimento individual e social.

 

Assim, teremos a gestão compartilhada, capaz de constituir a democracia, apenas esperada nos últimos tempos, mesmo depois de ter custado tanto sangue, exílio e sofrimento. Chega de esperar de cima, a felicidade mora ao lado...

Implica-nos, portanto, a arte do mosaico...

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* Lizabete Lázara Campos Pereira - Aluna do Curso de Pós-graduação de Gestão Educacional da UNIVÁS, de Pouso Alegre, Minas Gerais e gestora do CESEC “Prof.ª Hermelinda Toledo” - Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo. Normal 0 21 false false false PT-BR X-NONE X-NONE MicrosoftInternetExplorer4 /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-priority:99; mso-style-qformat:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman","serif";}

**Romualdo Dias - Professor da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP, vinculado ao Departamento de Educação do Instituto de Biociências, Campus de Rio Claro, Estado de São Paulo - Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.


 

Autor deste artigo: Lizabete Lázara Campos Pereira - participante desde Sáb, 11 de Julho de 2009.

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