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Monografias e Trabalhos A Discursividade da Escola e do Sujeito da Escola
A Discursividade da Escola e do Sujeito da Escola PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Neide Pena Cária   
Qua, 09 de Setembro de 2009 11:48

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo lançar uma reflexão sobre a discursividade da escola e modos de subjetivação dos sujeitos da escola, levando em conta a escola, a sociedade, a história e o sujeito de direito no Estado democrático, na perspectiva de linguagem enquanto discurso. Há uma permanente tensão entre o que a escola diz e o que é dito sobre a escola e uma constante interpenetração entre o campo da micropolítica e o da macropolítica e é nesse entremeio de relações sociais que cada indivíduo produz sua realidade humana, subjetiva-se em modos particulares de existência. Sob a luz da Análise de Discurso, a escola e seus sujeitos são analisados como um espaço de representação discursivo, histórico e ideológico; um lugar de constituição de sentido e de identificação, sujeito à interpretação e a equívocos.

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

Colocando a escola em seu meio simbólico específico, historicamente determinado como espaço institucionalizado, autorizado na produção do conhecimento/educação formal, a escola constitui-se em espaço de linguagem e de interpretação, sendo o discurso da escola considerado como fatos de linguagem que têm uma história que resulta de uma “construção” que nos dá acesso à ordem do significante e nos remete à exterioridade discursiva que se inscreve nas condições de produção-transformação das relações de produção econômico.

O Brasil tomou um lugar na história ao ser falado e escrito pela memória outra - a memória européia. Esta será uma clivagem constitutiva da história de país colonizado, que se marca pelo apagamento da história em função das características culturais. “A história continua sendo a história da Europa com particularidades culturais que lhe são acrescidas com as ‘descobertas’”, afirma Orlandi (2002a, p. 302). Dessa forma, os sentidos desse “novo mundo”, ainda sem sentido, foram sendo produzidos a partir da memória européia já estabelecida, pois a sua memória não conta, já que não tem escrita que a configure em confronto com a memória escrita européia.

Nesta percepção, embora tenhamos na constituição do discurso da escola formulações discursivas diferentes, os efeitos de sentido podem ser os mesmos, pois a materialidade das formações discursivas faz intervir uma memória, um já dito, anterior e exterior à formulação feita (o esquecimento). As diferenças, sim, existem, mas são de outra ordem, e tocam a identidade sócio-político-ideológica dos sujeitos dessa escola de tal modo que os sentidos são sempre referidos a outros sentidos, e é daí que eles tiram sua identidade (ORLANDI, 2004).

Portanto, sob o olhar da Análise de Discurso, é possível dizer que um sentido sempre se constitui em relação a outros sentidos presentes na superfície discursiva, posto que é apagada pelo efeito ideológico. É justamente nessa relação, entre as formulações e na sua dispersão, que é possível perceber como a discursividade da escola se constituiu na e pela linguagem num contexto histórico muito específico. É sob o olhar desse discurso que pretendemos demonstrar como o sentido de educação escolar no Brasil foi sendo constituído historicamente e, ao mesmo tempo, como ideologicamente foi produzido o apagamento do processo de sua constituição.

Como se trata de um processo histórico, produzindo conhecimento histórico, o dizer se inscreve ora mais no político, ora no religioso, ora no cultural, ora no pedagógico, dependendo de condições determinadas, principalmente, do contexto político.

De qualquer forma, seja qual for o ritual da repetição na memória do dizer, é preciso levar em conta as próprias condições de constituição desse ritual, do sujeito e do sentido aí produzidos, pois, somos conforme Orlandi (2004), seres simbólicos e históricos e nos significamos ideologicamente.

 

 

2. A DISCURISIVIDADE DA ESCOLA: CONDIÇÕES HISTÓRICAS

O deslizamento às circunstâncias históricas e ideológicas em que os sentidos da educação escolar no Brasil foram sendo constituídos nos ajuda a compreender a escola, em sua forma social e política, e as formações ideológicas que estruturam as relações entre os sujeitos no espaço ideológico-social e determina o que pode e deve significar.

A relação da escola com a sociedade, e a própria escola em sua forma atual, surgiu com o nascimento da sociedade industrial e com a constituição do Estado Nacional, para suplantar a educação que ocorria na família e na igreja e ganhou base na crença do progresso, sendo beneficiária da educação dos homens e da ampliação da cultura. Portanto, daí decorre a impressão (natural) de que ela seja convocada, como sempre, de “salvadora”, para atender aos desafios da sociedade atual, quando na contraface desse discurso, é possível perceber que ela apenas reproduz discursos hegemônicos que demonstram um sentido mercantil de consequências dualizadoras e antidemocráticas, que têm refletido situações estruturais de profunda derrota social.

Assim, ao pensar sobre a escola, é justamente esse sentido cristalizado de “salvadora” que deve ser colocado em questão, a fim de compreender as suas práticas e seus processos sem perder de vista movimentos que se mostraram e se mostram como pontos de dispersão do público e do direito, dando visibilidade a relações ideológicas em que predomina o interesse privado, o bem de consumo no lugar do bem social.

É nesta complexidade que a discursividade da escola deve ser entendida, e é nessas condições de produção que podemos compreender como o sujeito-professor e o sujeito-aluno estão socialmente significados no imaginário simbólico de si mesmo e da sociedade, e como o discurso histórico-ideológico da educação neoliberalista tem afetado não só o seu discurso, mas também a sua práxis e a sua prática, produzindo efeitos de sentido que devem ser analisados em uma outra dimensão. Isto é, além do discurso pedagógico.

De acordo com Silva (1996), entender como as ideologias operam nas escolas representa observar o cotidiano da escola e suas práticas; compreender como a lógica e os modos de controle do capital estão entrando na escola, não apenas através de seu conteúdo, mas pelo currículo, pela estrutura do sistema de ensino e os processos de seleção, comunicação e produção lingüística, que operam ao longo de toda uma carreira escolar e contribuem, assim, para reforçar a função ideológica de reprodução de um ethos de classe e da ordem social que daí resulta.

No que isso possa significar em termos de evidências, de silenciamentos e de esquecimentos, que se constituem em um discurso histórico, atravessado pela ideologia, há uma historicidade que não se reporta a uma história cronológica, mas à história enquanto interpretação sujeita a efeitos de sentido e a equívocos, que não estão datados e acabados e, nem tão pouco cristalizados. Ao contrário, se manifestam e circulam no discurso, no dizer e no não-dizer, sustentado pelas ideologias que determinam os sujeitos e os sentidos.

Segundo Pfeiffer (2001), o processo de escolarização funciona como instrumento do Estado, de normatização, estabilização e regulamentação dos sentidos. Conforme a autora, a escola é tomada como um dos principais lugares “autorizados a construir a capacidade de sociabilidade. Relações de sociabilidade pensadas a partir do século XVIII, como relações calcadas na idéia de igualdade, direitos iguais, direitos burgueses” (PFEIFFER, 2001, p. 29).

Na relação sujeito-escola existe um dizer histórico, “já posto”, que significou de forma interdependente o aluno, o professor e a escola, assim como o lugar social para esses sujeitos, nessa estrutura de poder e saber, e em sua relação com a expressão “poder-saber”, amplamente estudada por Foucault. Conforme Foucault (2002), o processo pedagógico corporifica relações de poder entre professores e aprendizes com respeito a questões de saber que se articulam principalmente no discurso.

Sobre o discurso da escola, Pfeiffer (2001) argumenta que o sujeito-professor se posiciona discursivamente como responsável pelo seu dizer, inscrevendo-o historicamente, assumindo posição de autoria, de discursos já ditos e significados. O que a autora chama de simulação dessa posição: “Lugares determinados “autor (izam)” determinados sujeitos escolares a ocuparem uma já dada posição discursiva de autoria que se constitui em um simulacro do funcionamento da posição-autor” (PFEIFFER, 2001, p.30). Por esse funcionamento, o discurso da escola produz o efeito de homogeneização dos sentidos e dos sujeitos.

Conforme P. Henry (1997, p.51), por serem os sentidos e os sujeitos determinados historicamente, não significa que os sentidos estejam fixados eternamente e nem sejam quaisquer uns. Para o autor, a história é história porque os fatos reclamam sentidos. “Não há ‘fato’ ou ‘evento’ histórico que não faça sentido, que não peça interpretação” perante um sujeito que está condenado a interpretar (significar), e é por ser histórico que se mantém.

No entremeio entre o mundo e a linguagem, o sujeito e o sentido, ao se constituírem, o fazem necessariamente no conjunto dessa relação. Dessa forma, dentro da perspectiva histórica em que fomos constituídos, a integração cultural da escola tem o sentido principal de “programar” os indivíduos, e estes programas homogêneos de percepção, de pensamento e de ação são o produto mais específico dos sistemas de ensino, a partir do qual estabelece uma relação essencial entre o sistema de ensino e o sistema de pensamento.

2.1 O sujeito da escola

Em nossa reflexão, tomamos o discurso como prática simbólica no conjunto de práticas sociais determinadas historicamente, pois, de acordo com Foucault (2002), é no discurso que poder e saber se articulam; o discurso veicula e produz poder; não se trata do poder repressivo, mas o poder que incita, induz, seduz, torna mais fácil ou mais difícil; o poder que não é possuído, mas exercido ou praticado e, assim, circula, passando através de toda a força a ele relacionada.

No que tange à escola, o autor nos chama a atenção para a necessidade de reconsiderar alguns propostos sobre a escolarização e de olhar de forma mais atenta para as “micropráticas” do poder nas instituições educacionais. A sua preocupação se direciona para as formas de “governo”, com base no significado que esta palavra – escolarização – tinha no século XVI, que designava a forma pela qual a conduta dos indivíduos ou grupos podia ser dirigida, como por exemplo, o governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, etc. Ele argumenta que as formas modernas de governo revelam uma mudança para o poder “disciplinar”, que é exercido por meio de sua “invisibilidade”, através das práticas e tecnologias normalizadoras, denominadas de “tecnologias do eu”, pois elas agem sobre o corpo: olhos, mãos, boca, movimento.

Essa sujeição nasce mecanicamente de uma relação fictícia e o poder disciplinar se exerce de modo invisível, mas, em compensação, impõe aos sujeitos que a ele se submetem um princípio de visibilidade obrigatória. Essa noção de poder pode ser ilustrada na apresentação que Foucault faz do Panóptico de Benthan, cujo efeito mais importante é o de “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder” (FOUCAULT, 2002, p.166).

Esta noção de poder disciplinar, considerada no contexto escolar, ajuda a explicar a auto-regulação dos estudantes, ou autodisciplinamento pelo qual o sujeito deve conservar a si e ao outro sob controle. O poder tem seu princípio não tanto numa pessoa, mas numa aparelhagem, cujos mecanismos internos produzem a relação na qual se encontram presos os sujeitos.

Foucault vê a escola e a educação formal exercendo um papel no crescimento do poder disciplinar. Em sua ótica, a pedagogia se baseia em técnicas particulares de governo que funcionam como regimes de verdade. As relações de poder-saber são fundamentais para os processos da pedagogia, sejam elas auto-impostas, ou impostas pelos professores, ou ainda, impostas sobre os professores, como coloca Foucault: “Uma relação de fiscalização, definida e regulada está inserida na essência da prática do ensino [...] como um mecanismo que lhe é inerente” (FOUCAULT, 2002, p.158).

No processo histórico de subjetivação do “povo brasileiro”, fomos determinados pelo discurso da naturalidade, do positivismo, em que a ordem deve ser mantida para haver progresso, onde não há dúvidas e tudo deve continuar do jeito que está. Dessa forma, o professor ao ser capturado por esse discurso positivista e pela ideologia da educação jesuítica, politicamente instalada no Brasil, assume uma posição de “sacerdote”, de “missionário” que deve trabalhar pela regeneração da sociedade, uma posição autorizada de poder de verdade. Em decorrência, deve “transmitir” o conhecimento institucionalizado e educar repassando valores ideológicos pré-determinados. Ao aluno, por sua vez, cabe submeter-se ao ritual da escola, às regras e regulamentos, ouvir e prestar atenção ao mestre para “reproduzir depois na prova”.

O discurso pedagógico atua, assim, como a presença de uma memória que estabiliza sentidos e dita o senso comum, mas também é aí que pode ocorrer o confronto e a resistência, nem sempre percebidas como tal pelos profissionais da escola. Segundo Orlandi (2004a), é justamente a passagem dessa forma de significar - cultural e socialmente determinada - em rituais específicos e solidificados, para uma outra forma de significação, que é possível também às rupturas e o devir.

Segundo Lagazzi (1988), a escola constitui o fator fundamental do consenso cultural nos termos de uma participação de um senso comum, entendido como artificial e superficial por intervir sob a pressão dos aparelhos ideológicos. Neste sentido, a autora comunga com Pfeiffer (2001, p.30) ao defender que no funcionamento do discurso da escola este produz o efeito de “lugar-comum”, efeito de homogeneização dos sentidos. Daí o que nos leva a supor que a escola trabalha sob a ilusão de ser única e com a unicidade do sujeito, atuando no sentido de jogar entre duas posições que têm uma relação de antagonismo entre si.

Por um lado ela atua no sentido de calar alguns discursos e de silenciar sentidos outros, fazendo com que ocorra a reprodução de valores já postos e significados. Por outro, a tensão está em conter o conflito e evitar o confronto por meio de um discurso outro de naturalização e de meritocracia.

Contudo, com base em Enguita (2004, p.13) chama a atenção para o papel da escola, que não é apenas o de “reprodutora”; é também o de “transformadora”, pois a escola contribui para conservar a sociedade e também para mudá-la, já que nenhuma sociedade atual seria sem a escola o mesmo que chegou a ser com ela.

Bourdieu (2002), por exemplo, argumenta que a escola reproduz as desigualdades sociais, sendo esta função da escola concebida como a condição que determina a posição espacial no campo social. O autor se refere ao que ele denominou de capital cultural e compreende que os atores sociais estão inseridos espacialmente em determinados “campos” sociais, tais como: sindicatos, partidos políticos, igrejas, escolas etc. A posse de grandeza de certos capitais e o habitus condicionam o movimento espacial desses atores sociais de acordo com a classe social a que pertencem. Logo, os sujeitos ocuparão espaços mais próximos quanto mais similar for a quantidade e a espécie de capitais que detiverem. Da mesma forma, os agentes estarão mais distantes no campo social quanto mais díspar for o volume e o tipo de capitais.

Cada vez mais, a escola vem sendo questionada acerca de seu papel ante as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais do mundo contemporâneo. As divisões sociais, antes bem declaradas, tomam uma forma mais sutil e, também, mais perniciosa nos espaços sociais, pois, a ilusão da igualdade de oportunidades é propagada com o reforço da mídia e das próprias instituições escolares, baseada no mérito individual; de tal sorte que o critério objetivo de pertencer a uma classe encontra-se substituído por um critério subjetivo de mérito individual, do esforço próprio. Assim, aquele que não consegue se nivelar à expectativa “do professor” ainda deve se sentir culpado.

A escola apesar de toda a sua fragilidade, devido a diversos fatores, ainda, é hoje a única fonte de mobilização social de alguns setores da estratificação social, enquanto que para outros ela é um acréscimo. A forma específica que a ideologia burguesa assume para manter a dominação de alguns sobre os outros se apóia num mascaramento voluntário de separações entre classes sociais.

É nesse jogo que o discurso da escola se insere ao assumir a discursividade da lógica da competição do mercado, defendendo o critério “meritocrático” como determinador principal da função que será ocupada pelo sujeito na idade adulta, que não mais dependerá da origem de classe, mas do mérito do indivíduo, do esforço pessoal. Nesta perspectiva, não se leva em consideração que a educação não começa na escola, e sim, muito antes, sendo também influenciada por muitos fatores, como: o ambiente familiar, as condições sócio-econômicas da família, o acesso à educação e aos meios de informação, entre outros. Enfim, não se levam em conta as desigualdades culturais, nem tão pouco é compreendido as relações entre as diversas culturas, nem sempre harmônicas. Daí, que se o aluno não vai bem na escola, ou se em idade adulta não galgou posição de prestígio social, ele ainda deve ser responsabilizado/culpado pelo próprio fracasso.

Essa prática forjada em critérios de mérito individual nas escolas representa, dentre outras, as diversas ideologias que sustentam uma estrutura de poder e divisão de classes de uma sociedade capitalista. Essa estrutura faz parte de uma organização política-burocrática em que o sujeito de direito (LAGAZZI, 1988) tem a ilusão de que as possibilidades estão à disposição de “todos”, inclusive para ele, bastando apenas seu esforço pessoal.

Assim temos um sujeito clivado. De um lado, as políticas educacionais e as diretrizes organizacionais e curriculares, carregadas de ideologia, portadoras de intencionalidade, idéias, valores, atitudes e práticas que controlam as escolas, seus profissionais e as práticas formativas dos alunos, determinando um tipo de sujeito a ser educado a ser formado. De outro, os atores escolares que podem aderir ou resistir a tais políticas e diretrizes do sistema por meio de gestos muitas vezes sutis, mas carregados de sentido, como a indisciplina, desinteresse, que se refletem diretamente no fracasso do discurso da escola.

2.2 O discurso de igualdade social da escola

Dada essa relação histórico-ideológica da escola com a sociedade, a escola representa um lugar de embate onde o que assistimos é o resultado contraditório dos conflitos culturais, políticos e econômicos dentro e fora do sistema educacional.

Nesse sentido, Apple (2002) chama a atenção para o perigo de se dar demasiada importância à escola, provocando um efeito ideológico, que é o risco da sociedade começar a ver a escola como um problema, em vez de vê-la como parte de um quadro mais amplo das relações sociais, políticas e econômicas.

O discurso dominante sobre a educação sempre esteve impregnado pela idéia de que a educação deve ser uma manifestação e um instrumento de igualdade social. Tal vinculação, contudo, ainda que onipresente, recorrente e até obsessiva, faz parte de um jogo ideológico e político, pois não se pode dizer que alguma vez tenha sido clara, nem em seu âmbito, nem em seus objetivos, nem em seus métodos. Ou seja, foi variando o coletivo da escola considerado com direito a um tratamento igual, sendo que os seus objetivos sempre estiveram oscilando entre a igualdade de oportunidades e a igualdade de resultados, com políticas segregadoras, uniformes, compensatórias e diferenciadoras.

Como parte de uma organização burocrática formal e não-formal, a escola, enquanto instituição, sempre esteve submetida ao jogo burocrático das regras, regulamentos, normas e interações diversas, com propósitos já definidos e sujeita às relações de poder que fazem parte de uma organização burocrática. Ao mesmo tempo, em seu aspecto informal, a escola possui rituais e regras construídas sob a aparência da neutralidade, objetivando melhor convivência nas relações entre os sujeitos da escola que, mesmo sendo informais, estão a serviço da estrutura burocrática.

Com relação aos rituais da escola, Tragtenberg (1992) corrobora com a esta reflexão argumentando que as práticas do ritualismo escolar, deveres, disciplinas, punições e recompensas constituem o universo pedagógico da escola, e é através desses mecanismos que se processa o recalcamento de pontos de vista, opostos aos hegemônicos ou não, sendo essa sujeição que condiciona a inculcação. Assim, a escola inculca, através dos seus rituais, ditos pedagógicos, a ideologia dominante, acentuando cada vez mais a desigualdade social.

Compreender melhor como essas relações, citadas acima, se acham imbricadas no movimento da história, e como a educação escolar no Brasil veio sendo significada desde a colonização, configurando uma forma sujeito-letrada e como essa memória continua produzindo efeitos de sentido no processo de subjetivação dos sujeitos escolares (professores, alunos, funcionários), ajuda a entender as políticas educacionais adotadas, ainda hoje, em toda a sociedade de uma forma mais global.

De acordo com Andrioli (2002), a conjuntura das políticas educacionais no Brasil ainda demonstra sua centralidade na hegemonia das idéias neoliberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do capital, principalmente a partir da década de 90 do século anterior. A intervenção de mecanismos internacionais, aliada à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercute de maneira decisiva sobre a educação, gerando mecanismos de controle e colocando os interesses políticos e econômicos como o centro da ação pedagógica.

Assim, conforme o autor, não é por acaso que a estratégia neoliberal continua atuando da mesma forma: colocando a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de ascensão social e de democratização das oportunidades, apesar da crescente exclusão social, característico do descaso com as políticas públicas na maioria dos governos.

A forma-sujeito histórica da nossa formação social, por excelência capitalista, é a que se apresenta sob o modo da autonomia e da submissão, da liberdade e da responsabilidade, um sujeito discursivo com direitos e deveres, numa sociedade regida supostamente por critérios de igualdade, de liberdade, de participação e de justiça.

Contudo, Lagazzi (1988) afirma que o sujeito-de-direito e o Estado emergiram justamente com a idéia de lucro com o capitalismo. Conseqüentemente, o modo de produção capitalista funda suas relações jurídicas nesse sujeito calcado em direitos e deveres, tendo no Estado a expressão do poder político: “Todos são iguais perante a lei”, garante a Constituição da Federal (BRASIL, 1988).

O discurso da justiça sustenta-se, pois, nesse engodo teórico, uma vez que a desigualdade entre os homens, marcada pelo modo de produção, manifesta-se cada vez mais acentuado, com grandes reflexos na educação e na sociedade de modo geral. Histórico e ideologicamente, a escola faz parte de um eixo de um discurso mais amplo e está ligada, de forma orgânica e inextricável, a propostas de reorganização política e social. Dessa forma, qualquer proposição de mudança ou de reorganização, em termos sociais, políticos, econômicos e ideológicos são justificados passando pela questão da educação, e, hoje, principalmente pela questão da sua qualidade face aos imperativos do mercado capitalista neoliberal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Embora a escola hoje conviva com outras modalidades de educação, além da educação escolarizada, vem se exigindo dela cada vez mais novas práticas, melhor formação profissional, novos métodos que atendam aos interesses do mercado e da sociedade de modo geral, devido ao avanço tecnológico dos meios de comunicação e dos novos objetivos e prioridades que vêm sendo a cada dia colocados para a escola, como por exemplo, exigência de atualização de currículos para se adequar a escola às novas exigências do mercado de trabalho.

Conforme demonstramos, as políticas e as formas de organização do sistema de ensino no Brasil estão carregadas de sentido; são significados sociais e políticos que produzem efeitos de sentido diversos e influenciam de modo marcante na formação da subjetividade dos sujeitos escolares. A subjetividade é a matéria prima de toda produção, afirmam Deleuze & Guatarri (1976).

A leitura ora empreendida no sentido de compreender a discursividade da escola e o lugar que a sociedade “ainda” destaca para a educação e para os professores com todas as inter-relações aí imbricadas, em meio às determinações históricas e ideológicas, está aberta a outras abordagens e interpretações, pois os textos não são documentos que ilustram idéias pré-concebidas, mas monumentos nos quais se inscrevem as múltiplas possibilidades de leitura.

Como instituição social educativa, a escola continua, ainda hoje, no alvo, como a possibilidade de um mundo melhor e instrumento contra a desigualdade, constituindo-se campo discursivo, por excelência, de economistas, administradores, jornalistas, organizações não governamentais e, principalmente, por aqueles que exercem cargos na política ou desejam exercer.

Com base no princípio de que sujeito e sentido se constituem, ao mesmo tempo, na articulação da língua com a história, em que entram o imaginário e a ideologia, podemos inferir que se por um lado a escola pode ser considerada como o lugar institucionalizado de interpretação, por outro lado, é neste lugar que professor e aluno constroem a sua subjetividade. Nesse foco, interpelados pela ideologia, esses sujeitos produzem gestos de interpretação, tornando possível a desestabilização do sentido já estabelecido, em que historicamente foram significados a escola, o professor e o aluno.

É possível entender que a hierarquia nos campos, econômico, social e político foi sendo transferida para dentro da escola com aceitação natural. E, embora a educação e a escola, por sua importância política estratégica, mereçam um papel de destaque nas propostas de reforma política e social advogada pelos arautos da ideologia progressista e por políticos em época de eleição, agora a qualidade no lugar da quantidade, é uma meta a ser compartilhada. Por sua polissemia, a escola mobiliza em torno de si uma amplitude de discursos e de diversos campos, tensionados por interesses e estigmas ideológicos, cujo fio condutor passa sempre pela questão da democracia, da questão jurídica do direito à igualdade de oportunidades para todos.

Este estudo nos permitiu compreender a não neutralidade da prática escolar e do seu discurso, a identificar seus mecanismos de exclusão e classificação, incluindo o enfoque sobre a origem da constituição do povo brasileiro e a compreender que a discursividade da escola tem uma memória e se desenvolve em um espaço próprio, que se constitui por relações que se sustentam e sustentam, ao mesmo tempo, a própria existência desse espaço discursivo, como um espaço dividido e disputado, passível de diferentes gestos de interpretação e significação.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ANDRIOLI, Antonio I. As políticas educacionais no contexto do neoliberalismo. In 4º CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (4º Coned). Revista Espaço Acadêmico, ISSN1519.6186. Mensal, ano 2, n. 13, Jun. 2002.

Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2006.

APPLE, W. M. Educação e poder. Porto Alegre: Artmed, 2002.

 

BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A., CATANI, A. (Orgs.) Escritos de educação. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. p. 37-64.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 out 1988, Saraiva: São Paulo, 2004.

 

ENGUITA, M. F. Educar em tempos incertos. São Paulo: Artmed, 2004.

 

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 25. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.

HENRY, P. A história não existe. In: ORLANDI, E. P. (Org.). Gestos de leitura: da história no discurso. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

LAGAZZI, S. O desafio de dizer não. São Paulo: Pontes, 1988.

ORLANDI, E. Língua e conhecimento lingüístico: para uma história das ideais no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

 

______. Cidade dos Sentidos. Campinas: Pontes, 2004a.

 

______. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 4. ed. Campinas, 2004b

PFEIFFER, C. C. Cidade e Sujeito escolarizado. In. ORLANDI, E. P. (Org). Cidade atravessada: os sentidos públicos no espaço urbano. Campinas, SP: Pontes, 2001. p. 29-33

SILVA, T. T. Identidades terminais. Petrópolis: Vozes, 1996

TRAGTENBERG, M. Burocracia e ideologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992.

 

 

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Neide Pena Caria

 

Universidade do Vale do Sapucaí – Univás - Pouso Alegre - MG

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Autor deste artigo: Neide Pena Cária - participante desde Dom, 09 de Agosto de 2009.

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