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Escrito por Iracema Batista Torquato   
Qua, 23 de Setembro de 2009 12:40

Para os pragmatistas, o pensamento é um processo natural que parte de nossas atividades naturais para sobrevivermos em um ambiente. Essa idéia é resultante de mudanças dramáticas ocorridas revoluções das ciências durante o século XIX.   A mais reveladora destas revoluções científicas da época de Charles S. Peirce, fundador do pragmatismo americano, foi a teoria darwianista sobre a evolução natural. Peirce procurou uma perspectiva unificada que abrangesse as coisas vivas e as sem vida, descobrindo que a idéia essencial na evolução era de que seres complexos podem mudar de crenças e adquirir novos hábitos, por meio de atividades, e se moverem em direção a níveis superiores de complexidade, se o ambiente for propício.

 

O sistema nervoso permite ao organismo sentir o mundo de forma ativa. Dessa visão, decorre a crença dos pragmatistas, depois de assimilarem a teoria darwiniana da evolução, de que  a experiência sempre se refere a nossa interação e adaptação com o meio.

Jonh Dewey endossa o mesmo pensamento de Peirce balizado por uma matriz biológica e outra (matriz) sociocultural, ligadas às contingências do mundo e do universo e, chegando, desse modo, a uma matriz cósmica. Em uma de suas obras[2], Logic: The Theory of Inquiry  (Dewey, 1938), Anísio Teixeira analisando-a  diz  que:

 

A filosofia de John Dewey (como a de James e a de Peirce, e na Europa, até certo ponto a de Bergson) foge à comum obsessão dos filósofos [em afirmar uma realidade superior à precariedade e a contingência do universo] e, pelo contrário, apóia-se na própria contingência e precariedade do mundo, fundando a interpretação do homem e do seu meio e o sentido da vida humana no próprio risco e aventura do tempo e da mudança. A contingência mesma do mundo faz dele (sic) um mundo de oportunidades, um mundo em permanente reconstrução, um mundo em marcha, com suas repetições e suas novidades, cousas acabadas e cousas incompletas, uniformidades e variedades, em que o presente é uma junção entre um "teimoso passado" e um "insistente futuro”.

 

 

 

Para Dewey, as contingências nos movem em direção a soluções capazes de resolver problemas específicos que provocam uma gama de operacionalização frente aos objetivos que tínhamos em mente, e a validade de nossos esforços deve ser comprovada.  Importa, então, um agir com acertos, ou seja, as ações que operacionalizamos devem gerar acertos “no” e “para” o viver, pois isso garantiria aos seres humanos uma “sobrevivência”, ou: continuidade de vida no processo da experiência natural. Logo, toda experiência é sempre natural, não há experiências que não o sejam, ou, em outras palavras, não há experiências sobrenaturais ou “trans-naturais”. Além disso, toda experiência é sempre um processo contínuo: “O inorgânico, o orgânico e o humano agem e reagem, pela experiência, num amplo, múltiplo e indefinido processo de repetições e renovações, de ires e vires”[3] [...] (Teixeira, 1955, s/p).

 

 

Em relação à escola (acrescentamos, desde a educação infantil até a educação acadêmica), Dewey ensina-nos que ela deve ser um espaço de vida e não de preparação para a vida. Analisando o academicismo vazio que impregnava a vida nas escolas e preocupado com a falta de interação entre a vida escolar e a realidade social, defendeu  uma organização calcada em relações democráticas: envolvimento e participação ativa dos aprendizes. Mais do que defender o princípio de que as aulas deveriam ser planejadas a partir dos interesses dos alunos, destacava que esses deviam ter necessidades e objetivos reais de aprendizagem, e que a mola propulsora de um processo de aprendizagem  significativa deveria ser engendrada a partir dos objetivos estabelecidos pragmaticamente, isto é calcados nas experiências dos educandos.

 

 

Dewey coloca a experiência como um todo vivido, experiência-vida, que une pensamento e atitude provocando experiências reflexivas. Estas experiências, por serem transformadoras, apresentam-se como ação, interação num processo comunicativo constante.

 

 

Viver uma experiência é impulsionar-se para uma mudança de hábito. Assim a qualidade da experiência está contida no próprio ato que ela nos impele a exercer: "A experiência somente é verdadeiramente experiência, quando as condições se acham subordinadas ao que ocorre dentro dos indivíduos que passam pela experiência”. (Dewey, 1974, p. 33).

 

 

Esta afirmação demonstra, além do princípio de continuidade, o princípio de interação da experiência. Continuidade e interação se interceptam e se unem para alcançar os objetivos visados.

 

 

Vemos o pragmatismo, segundo Robert Brandom[4], sendo considerado como um segundo iluminismo. Por quê?  - poderíamos perguntar a esse autor. A resposta, pela leitura que fizemos de sua obra, provavelmente seria: por se tratar de um projeto utilitarista. Utilitarista não no sentido pejorativo atribuído a esse termo, mas àquele, em que ações são realizadas para obter resultados que coincidam com o que se deseja, e conforme as mudanças que se pretende alcançar com eficiência e eficácia.

 

 

O pragmatismo americano clássico pode ser entendido como um movimento  de significado  histórico  universal – como  anúncio, início e primeira formulação  do credo combativo a modo de um segundo iluminismo: pragmático. No âmbito da educação escolar, realiza sua finalidade na dimensão individual e coletiva e não pode - e nem deve - ser interpretado anacronicamente como vem sendo feito (como paradigma técnico-linear) por muitos educadores.

 

 

Para os pragmatistas, a razão continua sendo a força soberana na vida humana. “Para o iluminismo kantiano, explicar um fenômeno [ocorrência, estado de coisas, processo] é mostrar por que o que realmente aconteceu deveria ter acontecido daquela maneira, pois o que é real [ao menos condicionalmente] é necessário”.(BRANDOM, 2004).

 

 

Segundo Abbagnano (1998 p. 534): “o Iluminismo é uma linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana”. Kant escreveu que pelo Iluminismo os homens sairiam do estado de minoridade. Minoridade, no sentido kantiano, significa a incapacidade de o homem utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida aos próprios homens, se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem no uso do intelecto como guia. “Sapere aude!”, ou seja, “Tem coragem de usar teu intelecto!” É o lema do Primeiro  Iluminismo. “Tem coragem de saber-agir!”, o lema do segundo iluminismo, o pragmático.

 

 

O empirismo inglês, sobretudo em Locke, dera às pretensões cognoscitivas do homem uma lição de humildade. A expressão desta limitação dos poderes da razão é a doutrina da “coisa em si”, o lugar comum desse Iluminismo é compartilhado por Kant.

 

 

Essa doutrina significa que os poderes cognoscitivos humanos - tanto sensíveis quanto racionais - vão até aonde vai o fenômeno, mas não além. Assim, o iluminismo kantiano é caracterizado, em primeiro lugar, pela extensão da crítica racional aos poderes cognoscitivos, portanto, pelo reconhecimento dos limites entre a validade efetiva desses poderes e suas pretensões fictícias.

 

 

O criticismo, segundo Kant, pretendia levar “a razão ao tribunal da razão”, mas nada mais foi que a realização sistemática de uma tarefa que todo iluminismo assumiu. Ao lado da limitação dos poderes cognoscitivos, para se estabelecer a crítica racional a qualquer campo, há outro aspecto fundamental desse compromisso: não existem campos privilegiados dos quais a crítica racional deva ser excluída.

 

 

Para Peirce, em “A fixação das crenças”, o reconhecimento da importância do papel da experiência, numa investigação, é vital, Esse reconhecimento se baliza na pesquisa levada a efeito pelos cientistas ou por nós, no nosso dia-a-dia. Segundo Savan[5]:

 

 

Esse reconhecimento se expressava na convicção peirceana, presente, desde as primeiras críticas desferidas contra o cartesianismo, de que a consciência individual não pode ser tomada como padrão da verdade de modo que, ao formular uma hipótese, temos que atentar para os fatos externos, e não por fantasias pessoais ou exclusivamente pelo desenvolvimento lógico de nossos pensamentos. (SAVAN, 1965 citado por SANTAELLA, p. 69).

 

 

Uma dúvida é instaurada, quando um hábito já adquirido não é mais suficiente para nos levar a resolução de um conflito/ de uma situação problema. Nesse sentido, não há como se começar de uma dúvida totalmente completa, geral ou universal, como assim propunha o método cartesiano, mas a partir das inferências -  decorrentes das aplicações dos conhecimentos que já possuímos.

 

 

Segundo Stewart[6] (2000), Peirce deixou cerca de 100 mil páginas escritas a mão no momento de sua morte, em 1914. Morreu ele em meio a uma total miséria e não parecia, para uma pessoa comum, a espécie de figura que pudesse ser associada a qualquer forma imaginável de ter tido insight sobre religião ou ter se preocupado com a estética ou mesmo com a dúvida cartesiana, mas sim um pobre homem que não soube ganhar a vida.  O que nos parece importante realçar é que muitos dos experts, no campo dos estudos peirceanos, conforme Stewart, tendem a ignorar a dimensão religiosa e o caráter estético do seu pensamento e o sistema para explicar o funcionamento da realidade; esses são dois aspectos que, especificamente, são fundamentais ao seu trabalho. Os resultados de pesquisa (obtidos nesse campo) são divergentes e suas importâncias variam, conforme as concepções e crenças que as engendraram.

 

 

O significado do iluminismo kantiano, por exemplo, não consiste na somatória de resultados, mas no fato de haver aberto à crítica a domínios, até então fechados, e por ter iniciado um trabalho eficaz que, desde então, não foi interrompido.

 

 

Peirce, nesse sentido, também não considera o seu trabalho como uma somatória de experiências concretas. Sobre isso, escreve uma carta em 13 de março de 1897, aos 56 anos de idade, dezesseis anos antes de sua morte e seis anos depois de ter perdido sua elevada posição na U.S Coast and Geodetic Survey, seu último emprego permanente.

 

 

Nessa ocasião, está com meia-idade, arruinado financeiramente e tenta fazer alguma coisa por sua segunda esposa bastante doente. Sabe que sua série de oito artigos, potencialmente decisivos, está para ser aceita para a série das Cambridge Conferences Lectures, que ocorrerão no ano seguinte, com a ajuda de William James. Peirce, nesse momento de angústia, escreve a William James:

 

 

Aprendi muito sobre filosofia nos últimos anos, porque eles têm sido anos muito miseráveis e fracassados; muitíssimo além de qualquer coisa que o homem de experiência comum possa, possivelmente, compreender ou conceber. Assim, dispus de bastante ociosidade e tempo que não puderam ser empregados nas obrigações da vida comum, privado de livros, de laboratórios, tudo: e, assim, nada havia que me impedisse de elaborar meus pensamentos. Além disso, um novo mundo do qual não sei nada (e do qual não consigo me convencer de que ninguém que sobre ele tenha escrito tenha-o realmente sabido muito) tem se desvelado para mim: o mundo da miséria. É absurdo dizer que Hugo, que sobre ele escreveu com menos ingenuidade do que os outros, na verdade não sabia nada sobre ele. Eu gostaria de escrever uma fisiologia deste mundo. Quantos dias Hugo, alguma vez, passou sem um pedaço de comida ou de qualquer idéia de onde a comida estava vindo; no meu caso, neste momento por praticamente três dias, e mesmo assim esta é a mais insignificante das experiências que caracterizam a miséria? Aprendi muito sobre a vida e sobre o mundo, lançando fortes luzes sobre a filosofia durante esses anos. Sem dúvida, a tendência daí derivada é a de valorizarmos mais o espiritual, mas não uma espiritualidade abstrata. Por outro lado, esta experiência aumenta o senso de reverência através do qual consideramos Gautama Booda. (STEWART, 2000, p. 171).

 

 

A semiótica peirceana mostra-nos que os fenômenos, como as leis, podem ser observados como produtos contingentes. As leis científicas se tornam hábitos adaptativos. Mas os hábitos também são passíveis de mudanças.

 

 

O método pragmatista é o método experimental por excelência. Tomando a palavra “experimento”, de forma abrangente, a miséria também é passível de ser um objeto de estudo. Para isso é necessário ter passado pela experiência de ter sentido fome, conforme lemos no comovente excerto selecionado.

 

 

Os pragmatistas, e entre eles Peirce, têm como princípio o falibilismo, ou mutabilismo de caráter ontológico sobre as concepções científicas, porque reconhecem que as leis podem mudar, uma vez que o mundo em si mesmo é um devir constante.

 

 

Desse modo, nenhuma adaptação darwinista é definitiva, uma vez que o ambiente a que se adapta pode mudar também. Logo as propriedades das coisas, relativamente estabelecidas e estáveis, seus hábitos, crenças, ideários etc., de acordo com Peirce, Willian James e Dewey – devem ser elas mesmas (propriedades) compreendidas como adaptações contínuas que levam a aquisição de novos hábitos e crenças; novas linguagens e os usos que delas fazemos também se modificam, na medida em que vamos adquirindo novos conhecimentos, permitindo -nos contínuas aprendizagens, descobertas e redescobertas.

 

 

 

 

TORQUATO, Iracema Batista [1]. Avaliação dos impactos das propagandas políticas ‘Amigos da Escola’ no âmbito escolar. Tese de doutorado, Unesp/Marília, 2005. 532 p.

SANTAELLA, Lucia. O método anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo:Unesp, 2004.

STEWART, Arthur F. A Intersecção Negligenciada entre Ciência e Religião. In: Cognitio. São Paulo: Educ, Palas Athena, 2000, Ano 1. Nº 1. V. 1, p. 153-185. Cf. p. 170-171.

TEIXEIRA, Anísio. Bases da teoria lógica de Dewey. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.23, n.57, jan./mar. 1955, p.3-27.

 

Referências Bibliográficas



[1] Iracema Batista Torquato, mestra em Comunicação (Unesp-Bauru), doutora em Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira (Unesp - Marília). Atualmente é professora titular de Filosofia Jurídica, Curso de Direito, Faculdade Carlos Drummond de Andrade e Coordenadora do Curso de Pedagogia da Faculdade João XXIII. Este artigo é um excerto adaptado de sua tese de doutorado: Avaliação dos impactos da propaganda políticas Amigos da Escola no âmbito escolar, 2005.

[2] In: TEIXEIRA, Anísio. Bases da teoria lógica de Dewey. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.23, n.57, jan. /mar. 1955, p.3-27.

[3] Cf. http://www.prossiga.br/anisioteixeira. Acesso em 4/05/2003.

 

[4] Robert Brandom - http://www.pitt.edu/~philosop/faculty/brandom.html . Site acessado em 12 de julho de 2004.  Brandom é professor da Pittsburg University.

[5] SANTAELLA, Lucia. O método anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

[6] STEWART, Arthur F. A Intersecção Negligenciada entre Ciência e Religião. In: Cognitio. São Paulo: Educ, Palas Athena, 2000, Ano 1. nº 1. v. 1, p. 153-185. Cf. p. 170-171.

 

 

Autor deste artigo: Iracema Batista Torquato - participante desde Dom, 23 de Agosto de 2009.

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