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Escrito por Karina Klinke   
Qua, 04 de Novembro de 2009 00:00

COMENTÁRIO SOBRE O FILME SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS[*]

 

Ficha Técnica:

Sociedade dos Poetas Mortos
(Deads Poets Society)

País/Ano de produção:- EUA, 1989
Duração/Gênero:- 128 min., drama
Distribuição:- Abril Vídeo
Direção de Peter Weir
Elenco:- Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke e Josh Charles

O professor John Keating (Robin Williams) era professor de literatura inglesa e norte-americana de uma escola para rapazes. No primeiro dia do ano letivo ele entra na sala de aula assobiando e, ao passear pelos alunos desperta olhares curiosos. Então se encaminha para uma outra porta, de saída para o corredor, todos ainda estão de sobreaviso, curiosos e sem saber o que fazer. Keating olha para eles e faz um sinal, pedindo que os estudantes o acompanhem. Todos chegam a uma sala de troféus da escola, onde ao fundo podem ser vistas fotos de alunos, remontando ao início do século, fazendo-nos voltar ao começo das atividades da escola. Pede-se silêncio e, que a atenção de todos volte-se para os rostos de todos aqueles garotos que freqüentaram aquela tradicional instituição de ensino em outros tempos.

O que aconteceu com eles? Para onde foram? O que fizeram de suas vidas? Suas vidas valeram a pena? Perguntas como essas são lançadas aos alunos. Muitos ainda sem saber o que estariam fazendo ali.

O papel deste professor, mais do que ensinar a matéria, era gerar a dúvida. Iniciou seu relacionamento com eles tentando demovê-los de sua passividade, provocando-os a uma reflexão sobre a vida: Afinal, será que estamos fazendo valer nossa existência? "Carpe Diem", ou seja, aproveitem suas vidas, passou a ser como uma regra de ouro a partir de então para alguns de seus alunos, afinal, vejam o exemplo daqueles que já estiveram por aqui (retratados nessas fotografias esmaecidas, amareladas) e pensem se vocês querem que o tempo passe e vocês venham a se tornar "comida de vermes" em seus caixões sem que nada do que tenham feito por aqui tenha repercutido (como, acreditem, muitos desses jovens das fotografias o fizeram, deixando passar a vida sem perceber a riqueza contida na mesma).

Seu objetivo era fazer com que a existência de seus alunos tivesse valor para eles, sugeria que vivessem com intensidade cada dia que lhes é dado, cada momento que lhes é concedido, cada experiência a qual tem acesso, diz com sabedoria inconteste o ilustre mestre Keating. Por isso, repete, "Carpe Diem".

Trata-se da história de um grupo de jovens alunos que conhecem esse professor de atitudes inesperadas, que os instigou a pensar por conta própria (o que lhe rende críticas dos colegas e da instituição). Por ter sido aluno dessa escola, Keating teve sua vida acadêmica retratada nos famosos "Year books" das "high schools" norte-americanas e, entre as informações sobre esse nobre aluno, consta uma a respeito de ter participado de uma tal "sociedade dos poetas mortos". Essa informação desperta a curiosidade dos alunos, que lhe pedem informações acerca das atividades desse grupo. Informados de que se tratava de uma turma de alunos que se reunia para ler poesias e aproveitar tudo aquilo que aqueles grandes escritores tinham produzido para seu próprio prazer e engrandecimento, resolvem fazer com que a "Sociedade" ressurja.

Mais do que aprender literatura, o professor Keating fez com que os estudantes fossem se encantando com a arte literária (que nos fala daquilo que é essencial, verdadeiramente fundamental em nossas vidas, o amor, a amizade, a paz, a dor e as desilusões; segundo Keating, estudar para que nos tornemos advogados, engenheiros ou médicos é importante, mas o que torna nossas existências válidas tem a ver com o espírito, com o prazer e, a poesia, a literatura, são fontes riquíssimas nesses quesitos).

Ao lidarmos com jovens muitas vezes, por conta do excesso de atividades, dos programas extensos que temos que cumprir, das avaliações ou do nosso próprio descaso, deixamos de vê-los como pessoas em formação, que alimentam sonhos e fantasias (que muitos de nós parecemos ter esquecido lá atrás, no tempo de nossas próprias juventudes), que planejam verdadeiras revoluções (dizem que quando temos 16 anos queremos incendiar o mundo e que, ao chegarmos a idade adulta, nos tornamos bombeiros; a maturidade é saudável, no entanto, devo dizer que preservar alguns focos de incêndio acesos em nossos corações e mentes também é fundamental. Sonhar é preciso!) e que, necessitam desesperadamente de nosso apoio e orientação, de nosso carinho e atenção.

Keating incorpora nosso idealismo, nossa pureza de princípios. Os alunos simbolizam a força e a vitalidade do novo, dos elementos de transformação que esperamos venham a transformar esse mundo num espaço muito mais justo, mais equilibrado. Há, no entanto, os choques com as forças conservadoras, com a opressão da ordem que não aceita desequilíbrios (mesmo sabendo-se que eles trarão recompensas e melhorias). Nesses confrontos nem sempre o que está por vir é o que gostaríamos que acontecesse.

Muitos professores e alunos das licenciaturas podem pensar, ao ler estas considerações do Prof. João Luís Machado, que somos, ele e eu, utópicos, românticos, que estamos idealizando a realidade da escolarização brasileira, que estamos sonhando e deixando de protestar contra os baixos salários pagos aos professores da Educação Básica, ou esquecidos das diferenças, das discriminações, dos preconceitos, da miséria que avassala nossa sociedade. Mas não estamos.

Convivemos com essa realidade desde que decidimos assumir a docência e por isso mesmo a assumimos. Queremos compartilhar com nossos alunos e alunas o que acontece, dizer-lhes que existem lutas de poder, mas também de resistência. Dizer que a escolarização em nosso país é marcada pelas diferenças, que existem escolas para ricos, para a classe média e para os pobres. Que as primeiras mantêm um ensino voltado para aqueles e aquelas (mais para aqueles do que para aquelas) que são herdeiros de uma cultura letrada, com capital social, cultural e econômico elevado, e que exatamente por isso a escolarização amplia suas possibilidades de ingressar em cursos superiores considerados mais nobres por essa sociedade, deles é exigido alto desempenho e, nestas circunstâncias, aqueles e aquelas que não se enquadram nesse perfil, são relegados com a justificativa de não conseguirem ter sucesso no mundo do trabalho. Esta é a visão neoliberal dos grupos que dominam o capital econômico no mundo ocidental.

A classe média se digladia para conseguir espaço ao sol, tem menor possibilidade de ascensão aos cursos superiores que dão acesso aos empregos melhor remunerados e de prestígio social. Mas também não ficam totalmente excluídos, pois o aumento de vagas nas universidades federais para as licenciaturas (ampliadas com o argumento de preparar mais pessoal para o mercado da escolarização) e o aumento de faculdades particulares com prestações baixas e qualidade duvidosa, possibilitou o acesso ao prestígio social atribuído aos graduados e elevou a concorrência no mundo do trabalho, mesmo sabendo que hoje não basta ser graduado, tem que ser “competente”, ter pós-graduação, também ofertada a médio e alto custo nas faculdades e, inclusive, nas universidades federais através dos Cursos de Especialização que qualificam os profissionais. Mas não há espaço no mercado para todos e muitos profissionais qualificados saem do país e vão ser produtivos lá fora.

Ainda para a classe média existe o Ensino Profissional. Segundo o resultado do Censo Escolar 2008, divulgado pelo MEC,[1] as matrículas de educação profissional são as que mais crescem no país. Se comparados aos dados de 2007, houve um aumento de 14,7% no número de alunos em escolas de educação profissional. Segundo o então secretário de educação profissional e tecnológica do MEC, Eliezer Pacheco, “Além das novas escolas em processo de implantação, estamos investindo recursos do programa Brasil Profissionalizado em todos os estados.” Entre as medidas deste Programa estão a preferência do ensino profissionalizante para os cursos da modalidade Educação de Jovens e Adultos,[2] a expansão da Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia e dos nascentes Institutos Federais. “Só os institutos federais serão responsáveis por aumentar o número de vagas, das atuais 215 mil, para 500 mil até o final de 2010”, destacou o secretário. Há, ainda, o boato de que o mestrado passará a ser oferecido prioritariamente na modalidade “profissional”.

É possível fazer algumas interpretações dicotômicas sobre essa expansão: o extermínio do mito do Curso Superior como único possível para a qualificação dos profissionais, o questionamento sobre o destino desses cursos superiores “não profissionais”, o destino da pesquisa exclusivamente voltada para o mercado consumidor, o conteúdo do ensino profissional voltado exclusivamente para o mundo do trabalho, dentre outras tantos outros aspectos que podem ser relacionados a essas mudanças.

E para o pobre, o que tem? Escolas públicas de Educação Básica que lutam para sobreviver, quando seus profissionais encaram a luta. Lutam contra a desvalorização profissional marcada pelos baixos salários, pela legitimação de que “qualquer pessoa” pode atuar como professor, basta ter “dom”, pela falta de incentivo à qualificação profissional, falta de material didático, falta de espaço físico adequado, falta de bibliotecas com amplo acervo e livre acesso aos estudantes, falta de recursos tecnológicos etc, etc, etc. Diante de tanta “falta”, existem políticas compensatórias para negros e pobres, como bolsa escola, cotas, programas como o Brasil Alfabetizado, só para citar as mais divulgadas pela mídia.

Esta realidade é lembrada aqui para explicar que estamos cientes da realidade do processo de escolarização brasileiro, sem maiores detalhes pela falta de espaço neste evento. E que exatamente porque conhecemos esta realidade estamos aqui, lutando para que ela seja mudada e também para dizer que não basta oferecer os recursos que faltam, temos que ser profissionais qualificados o bastante para conhecer bem não somente os conteúdos de nossas disciplinas, mas também como desenvolvê-los com nossos alunos, conhecer a realidade política de nosso país e estarmos cientes de que trabalhamos com seres humanos... Seres humanos como nós. Por isso tanto nós como eles, somos únicos, precisamos aprender, temos desejos, desilusões, tristezas, esperança, rancor, alegria, doenças, necessidades, amores, frustrações, angústias, poder, resistência e direito de sermos tratados com dignidade e respeito a tantas diversidades e contradições que povoam nossa mente e nossos corpos. Aprendemos em processo, não somos microcomputadores que basta conectar um chip para que as informações apareçam. Não somos perfeitos, apesar das escolas tentarem nos homogeneizar conforme os padrões hegemônicos de regularidade.

Nós, que estudamos em “infernos” e conseguimos sobreviver, que não somos brilhantes intelectuais, mas pessoas em formação, alimentamos sonhos e fantasias, planejamos verdadeiras revoluções e necessitamos de apoio e orientação, estamos vivendo assim aos 40, aos 60, aos 70 anos de idade. Mas como disse o poeta: “apanhem os botões de rosas enquanto podes; e essa flor que hoje sorri amanhã estará moribunda”. Carpe diem!

 

Ituiutaba, MG, Brasil

Verão de 2009.


 

 



 

[*] A ficha técnica, as partes em itálico e as imagens são extraídas do brilhante artigo do Prof. Dr. João Luís de Almeida Machado, Editor do Portal Planeta Educação; Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva). Disponível em: <http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=91>  Acesso em: 20 de outubro de 2009.
[1] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11970. Acesso em 20 de outubro de 2009.
[2]

Parágrafo n.2 do artigo 36 alterado na LDBEN (1996) em 2008.

 

 

 

Autor deste artigo: Karina Klinke - participante desde Ter, 17 de Março de 2009.

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