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Edições Anteriores 227 Reforma no ensino médico: Os médicos que queremos formar para o futuro
Reforma no ensino médico: Os médicos que queremos formar para o futuro PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Antonio Barbosa de Oliveira Filho   
Qua, 09 de Junho de 2010 10:54

O Brasil vem passando por uma crise na educação superior, em especial no ensino médico, que se iniciou na década de 1960. Não apenas no Brasil, mas também em todo o mundo, vem ocorrendo desde essa época crescentes críticas no setor saúde, que deu origem à denominação de “crise da medicina”. As principais características dessa crise no ensino médico evidenciaram: o descompromisso com a realidade e as necessidades da população.

Neste ano de 2010, comemora-se cem anos da publicação do Relatório Flexner, que foi considerado o novo paradigma para o ensino médico das escolas médicas dos EUA, e para vários países da Europa e também para a América Latina. Em 1910, a situação das escolas médicas nos EUA era caótica. Diante do contexto da crise no ensino médico da época, Abraham Flexner, educador americano, descendente de judeus alemães radicados nos EUA, formado em Artes e Humanidades, pela Johns Hopkins, foi convidado pela direção da Carnegie Foundation  for the advancement of teaching, para realizar um estudo sobre a educação médica nos EUA e no Canadá. Flexner visitou 155 escolas médicas e considerou que apenas 31 tinham condições de continuar funcionando. Após 12 anos da divulgação do seu relatório, das 131 escolas em funcionamento, apenas 81 subsistiram.

O conteúdo do Relatório Flexner é polêmico e contraditório até os dias de hoje. Fundamentalmente ele destaca três aspectos como principais responsáveis pela crise no ensino médico da época, a saber: a qualificação docente, heterogeneidade dos conteúdos e prática fora dos hospitais. Flexner, defendia o modelo de ensino biomédico – centrado na doença e no hospital – elitizou a escola médica, passando a ser freqüentada pela classe média alta.

Propôs para a época, uma nova ordem para a reconstrução do modelo de ensino médico, exigindo uma base científica para a construção do currículo médico e instituiu uma divisão deste em dois ciclos: um ciclo básico com duração de dois anos e um ciclo clínico com duração de mais 2 anos, conhecido como 2 + 2.

O modelo de currículo biomédico conduziu os programas educacionais nas escolas médicas a uma visão reducionista – conceito unicausal da doença e não a concepção de saúde como um processo saúde-doença. Este modelo exclui a dimensão social, psicológica e econômica da saúde como parte do amplo espectro de implicações inerentes ao conceito atual de saúde, além da medicina e seus médicos.

Diante do cenário atual, decorridos cem anos de um modelo que passou a ser designado de Flexneriano, e que determinou os rumos da educação médica brasileira ao longo desse período, nos encontramos no auge dos conflitos frente à defasagem desse modelo educacional sob vários aspectos. Há que se considerar o contexto contemporâneo, repleto de mudanças sociais, culturais e as incorporações das tecnológicas da informação e da comunicação, que ocorreram nos últimos 40 anos.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de medicina representam o instrumento oficial e norteador para induzir iniciativas de mudanças e adaptações curriculares, a saber: perfil dos docentes para o novo século, introdução de novas estratégias de ensino-aprendizagem e de avaliação do aprendizado; e postura dos gestores das instituições de ensino, no sentido de debater e construir com as comunidades interna e externa, a implantação de um modelo de currículo biopsicosocial, condizente com as demandas contemporâneas.

No Brasil, a crise do ensino médico não tem nada em comum com o que ocorreu nos EUA há cem anos atrás, apesar de muitos associarem a crise do ensino com a proliferação de novos cursos de Medicina. A proliferação dos Cursos de Medicina ocorreu por incompetência dos nossos governantes da esfera Federal e Estadual, pela falta de políticas públicas, de incentivos e planejamento para uma distribuição racional de médicos no país. Os Cursos privados de Medicina foram autorizados para suprir a deficiência do poder público frente à demanda pela procura de candidatos nos vestibulares para os cursos de graduação em medicina. A grande proporção do número de candidatos por vagas oferecidas nos cursos de medicina, continua a refletir essa deficiência. O que ocorreu de fato foi que o Ministério da Educação não estruturou adequadamente ao longo desses anos, equipes técnicas para exercerem o papel de “guardiões” dos cursos autorizados. Não houve estrutura adequada oficial que fiscalizasse e exigisse das instituições a manutenção das recomendações exigidas por ocasião do período da autorização dos cursos.

Sobre o conceito de “má qualidade do ensino médico no país”, atribuído à proliferação de cursos de graduação em medicina, não servem como parâmetros, apontar o número de denúncias no CRM por “má práxis”, nem tampouco os médicos mais jovens oriundos de novos cursos de medicina. Constata-se que os registros de “má práxis” não dependem apenas da qualidade da formação médica, mas sim da formação, moral e ética do profissional. Muitos processos no CRM são de velhos profissionais de escolas públicas e tradicionais e não somente de médicos jovens de escolas novas e privadas. Também, os baixos índices de aprovação baseados em modelos de avaliação empregados pelo CRM não refletem a “má qualidade do ensino médico”, refletem sim o mau desempenho dos egressos frente a um modelo inadequado de avaliação da formação médica. Trata-se de uma orientação baseada nos currículos vigentes que privilegiam a fragmentação do conhecimento e a avaliação apenas cognitiva e somativa dos estudantes, predominantes na maioria dos cursos de graduação em medicina do país. 

Para consolidar um estado da arte autêntico e pertinente aos referenciais culturais e sociais do Brasil, devem-se levar em consideração as orientações previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Medicina. O eixo para o desenvolvimento curricular deve ser o das necessidades de saúde da população, baseado em competências, capaz de promover a integração entre ensino, serviço e comunidade, preferencialmente nos três níveis de atenção da saúde disponibilizados na rede assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS deve ser valorizado como um dos cenários de aprendizagem, ao permitir que o estudante entre em contato simultâneo com a teoria e a prática nos primeiros períodos da graduação consolidando uma formação mais humana e menos técnica, tão importante nessa fase da aquisição das competências e habilidades para o futuro exercício da profissão. Deve ser amenizada ainda a heterogeneidade dos conteúdos curriculares entre os cursos, e a qualificação docente profissional e não a qualificação meramente de médico que se propõe a ser docente. As competências adquiridas no mestrado e no doutorado, não conferem competências para a educação superior.

Diante do complexo cenário da crise que envolve a formação médica atual, outro aspecto que está em jogo no currículo tradicional das escolas, são as abordagens e metodologias de ensino centradas no docente e não no estudante, com resquícios de um modelo hospitalocêntrico, descontextualizado da realidade sócio-cultural, que inviabiliza as oportunidades de compreensão e de intervenção por parte do estudante no processo doença-saúde.

O que não pode continuar acontecendo nas escolas médicas é a persistência do descompromisso da docência com a formação generalista do estudante, ao se omitirem diante de um currículo que prestigia uma orientação tendenciosa aos graduandos para a especialização precoce.

A sociedade deve esperar que a árdua tarefa comandada pelo Dr. Adib Domingos Jatene, resulte num verdadeiro diagnóstico não apenas das escolas privadas, mas também das públicas em todo o país. Sobre as medidas punitivas que poderão advir sobre as irregularidades encontradas, isto apenas resultará em soluções momentâneas. Será necessário, além de um diagnóstico sobre os cursos de medicina existentes, maior rigor na vigilância e maior assiduidade de verificação das instituições que já possuem cursos autorizados por parte das equipes técnicas do Ministério da Educação. 

Prof. Dr. Antonio Barbosa de Oliveira Filho
Médico
-Especialista em Docência no Ensino Superior-Unifev
-Coordenador do Núcleo Docente Estruturante para o Curso de Medicina da Unifev.
-Coordenador do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres
Humanos (CEP) - Unifev.

 

Autor deste artigo: Antonio Barbosa de Oliveira Filho - participante desde Qui, 21 de Fevereiro de 2008.

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