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Edições Anteriores 229 A aula. Marca registrada do professor
A aula. Marca registrada do professor PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Luiz Fernando Gomes Guimarães   
Qua, 23 de Junho de 2010 00:00

   

Em se tratando das funções docentes, temos que nos debruçar numa das mais importantes. A Aula. Seu valor e seu significado.

Um ou outro leitor poderá argumentar que em qualquer instituição de ensino, o aluno deve exercitar uma autonomia que permita a ele alcançar o melhor desempenho, independentemente do tipo de docente que com ele se relaciona.

No caso da educação básica, as atividades extraclasses e os estudos autônomos irão complementar o esforço do professor em busca da melhor aprendizagem. No caso das instituições de ensino superior, os estudos individuais, a pesquisa e a extensão se encarregarão de completar o processo de aprendizagem, de tal forma que a aula passa a ser, tão somente, uma ferramenta a mais.

 

Mas bem sabemos que não é dessa forma que as coisas acontecem em nosso dia-a-dia.

A aula, entendida como aquele espaço de tempo em que docente e discente interagem de forma a promover uma mudança de comportamento, ou o desenvolvimento de novas habilidades e competências ou, simplesmente, a troca de informações, constitui, ainda, em todas as instituições de ensino, públicas ou privadas, um momento de grande importância. Este ainda é um evento que determina a maior ou menor qualidade da escola e estabelece de forma inequívoca a competência de seus docentes.

Cada um de nós professores, em algum momento, já se questionou se a sua a aula é uma oportunidade especial de aprendizagem ou simplesmente uma obrigação com uma grande carga de “stress” e que deve ser encarada como um ônus inescapável do ofício.

Lembro de um colega, professor de química, daqueles que a gente chama de “taxista”, pois pulava de uma escola para outra, se esfalfando para dar conta da quantidade de aulas necessárias à sua manutenção e da família.

Eram muitas aulas e muitas escolas e nunca sobrava tempo para o preparo adequado das atividades. Um dia se viu convocado para ministrar uma aula prática, onde o roteiro – copiado de um texto em espanhol – indicava que determinada mistura daria origem a um precipitado “rojo”. E, feita a mistura, os alunos obtinham sempre um precipitado vermelho e não roxo, como o professor antecipou. O nosso colega já desesperado. Trocou os reagentes, pensando em contaminação ou possíveis erros e nada, lá estava o precipitado vermelho, em todas as bancadas. E o que é trágico para o docente: os alunos cochichando e “zoando” o professor. Lá pelas tantas, não podendo encontrar uma explicação convincente, saiu-se com a pérola: “na química é assim mesmo. Tem hora que dá certo e tem hora que não dá certo...” Não se lembrou de olhar no dicionário, onde encontraria a tradução de “rojo” que, em espanhol, significa vermelho.

Ser professor nestas circunstâncias é muito difícil. Torturante. Cabe então uma reflexão sobre este momento de encontro entre aprendizes e professores.

A aula é realmente um espaço de realização ou um instante de castigo e agonia? Cada docente deve buscar em seu íntimo, a resposta a esse dilema.

Os que a consideram um momento especial e mágico vão, sem dúvida, procurar a cumplicidade de seus alunos. Vão respeitar este momento como a razão maior de sua profissão e tudo farão para que ela seja sempre especial. Aplicarão as metodologias mais adequadas e motivadoras para a aprendizagem, estarão preocupados com que a avaliação seja compatível com o ritmo dos seus alunos e procurarão perceber e buscar soluções para a “não aprendizagem”, isto é, aquele conteúdo que não foi assimilado. Enfim, estarão abertos a um diálogo permanente com a turma e com cada um dos indivíduos que fazem parte do grupo. Perceberão, que nem sempre fazer um bom ensino terá como conseqüência uma boa aprendizagem. E buscarão um equilíbrio entre as duas coisas...

Para aqueles que não se preocupam com essas premissas, a aula será sempre um pesadelo, um enorme sacrifício e, por mal dos pecados, um sacrifício quase sempre considerado mal pago...

Não atendidas as condições para a criação do bom ambiente em sala de aula teremos, muitas vezes, a explosão de antagonismos e conflitos. Nessa hipótese não existem vencedores, todos sairão feridos de alguma forma. O docente pela perda da dignidade e respeito quando envolvido nessas situações e os estudantes pela perda de tempo e desperdício da oportunidade de aprender e melhorar cada vez mais.

Qual a origem dessas situações conflituosas?  No meu entendimento uma razão se sobrepõe a todas as demais: a insensibilidade. Quase sempre a causa estará no fato de que o professor ou professora deixa de perceber “o outro” que se encontra no papel de aluno e o vê somente como alguma “coisa” sem história pessoal, sem experiências, sem contribuições, enfim, um ente que se assemelha a um “saco” no qual são jogadas, a cada dia, novas informações. Este aluno se torna, literalmente num fardo que se tem de carregar durante um determinado período e ponto final.

Esta é a base de uma dificuldade geradora de todos as demais. A falta de respeito pelo sujeito-estudante. Digo sempre que não somos obrigados a amar ou gostar de alguém, que, no caso, é o nosso aluno, mas o respeito ao outro será sempre a condição primordial para termos sucesso em nossas atividades, especialmente no caso da docência.

E respeitar o aluno não significa somente tratá-lo bem. Significa cumprir horários e prazos e não faltar às aulas sem justificativa.  Significa discutir com ele as avaliações realizadas e cumprir com os combinados feitos. É também saber ouvir e usar da sua autoridade como docente sem que isso se transforme em exercício de autoritarismo. O professor respeita o estudante quando pratica o seu papel de tutor e orientador de aprendizagem, sem se transformar em dono de uma verdade que, às vezes, aflora e insiste em querer ser única e indiscutível.

Respeitar o aluno é ainda, reconhecer que o mundo é plural e que a diversidade e o livre arbítrio são prerrogativas humanas e, então, a cada um, desde que respeitando o outro, é dado o direito de exercitar os limites desses atributos. Finalmente, respeitar o aluno é deixar todos os preconceitos do lado de fora da sala de aula e estar pronto a transformar aquele momento numa oportunidade de descobertas de lado a lado.

Em se tratando de respeito, uma das maiores demonstrações dessa atitude é o preparo da aula.

Preparar-se para uma aula é estabelecer os caminhos que os atores do processo percorrerão em busca das habilidades, competências e saberes pretendidos. Ninguém se aventura em espaços, ambientes e situações sem um planejamento prévio e sem um roteiro anteriormente estruturado e estudado. Ninguém ousa fazer uma viagem para lugares desconhecidos sem um plano previamente preparado. Planejar a aula é definir a maneira de desenvolvê-la a fim de torná-la prazerosa, inteligente e desafiadora, de tal forma que os alunos sejam instados a nela se envolverem. É fugir da situação constrangedora criada pelo nosso colega, quando se obrigou a desqualificar a disciplina e desrespeitou seus alunos e a si mesmo pelo fato de não ter se preparado...

O professor deve assumir plenamente o seu papel de orientador e, através do diálogo permanente, tentar levar o aluno a descobertas que poderão propiciar um conhecimento novo. É fácil este processo? Com certeza não. Mas não existe outra forma de se alcançar o sucesso neste empreendimento, isto é, ensinar e garantir que o outro tenha aprendido.

A aula deve ter um ciclo completo, isto é, ter início, meio e fim. O aluno deve saber de antemão aonde se quer chegar. O professor deve estar atento para as possíveis dificuldades de entendimento, seja do conteúdo em si, seja das expressões utilizadas. Pode e deve utilizar a melhor tecnologia disponível. As metodologias adotadas devem ser previamente conhecidas e testadas. Os conteúdos devem estar organizados e seqüenciados. O material didático utilizado deve ser o melhor possível. Enfim, essas são recomendações mínimas sobejamente conhecidas por todos.

A elas acrescento mais uma. A aula, para ser prazerosa deve vir acompanhada pelo molho da paixão de quem a ministra. Não basta ter o domínio dos conteúdos e preparar as atividades com cuidado. É necessário que ela venha acompanhada pelo amor ao trabalho que se traduz na determinação e garra para fazer as coisas bem feitas. Tudo isso, sem dúvida, ajuda a fazer uma boa aula.

Os versos de Thiago de Mello, em seu poema “A Vida Verdadeira”, representam bem o “carma” de todos nós, professores e professoras:

"Pois aqui está a minha vida.
Pronta para ser usada.
Vida que não se guarda.
Nem se esquiva, assustada.
Vida sempre a serviço da vida.
Para ser ao que vale a pena
e ao preço do amor".

Ainda que o gesto me doa,
não encolho a mão: avanço
levando um ramo de sol.
Mesmo enrolada de pó,
dentro da noite mais fria,
a vida que vai comigo
é fogo:
está sempre acesa.

 

(*) Texto retirado do livro: “Ensinando para aprender, aprendendo para viver”- Ed.Literato – Belo Horizonte – 2010

 (**) O Prof. Luiz Fernando Gomes Guimarães, é educador, gestor de instituições de ensino e consultor na área da educação básica e superior.



 
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