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Intervalo Para a Hospitalidade: uma leitura pedagogica PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Darci Kops   
Qua, 23 de Junho de 2010 00:00

 Resumo

O presente artigo aborda a hospitalidade como um paradigma capaz de revolucionar a cultura da hospitalidade da sala de aula em ambientes educacionais, com reflexos na relação professor-aluno e com impacto no projeto pedagógico das instituições educacionais. Utilizando uma leitura pedagógica do processo pedagógico, o autor enfatiza para a necessidade de atitudes hospitaleiras por parte dos protagonistas que compartilham processos de convivência em ambientes educacionais. Reconhece a sala de aula como um fórum privilegiado para a cultura da hospitalidade na convivência social oportunizando uma morfogênese de aprendizagem social para a vida em sociedades plurais. Reconhece-se a necessidade de uma nova epistemologia social capaz de dar guarida ao aprender a conviver e fomentar a atitude hospitaleira nas relações humanas nos diferentes espaços de convivência.

Palavras-chave:

Paradigma da hospitalidade; relação professor-aluno; pedagogia da hospitalidade.

Abstract

This article discusses the hospitality as a paradigm capable of revolutionizing the culture of hospitality in the classroom in educational environments, with reflections on teacher-student relationship and impact on the educational project of educational institutions. Using an educational process of teaching reading, the author emphasizes the need for hospitable attitudes on the part of actors who share living processes in educational environments. It is recognized the classroom as a forum for the culture of hospitality in social life the opportunity for a morphogenesis of social learning for life in plural societies. It is recognized the need for a new social epistemology capable of giving shelter to learn to live and welcoming the encouraging attitude in human relations in the different spaces of coexistence.

Key words: Paradigm of hospitality; teacher-student relationship; pedagogy of hospitality.

Introdução

A hospitalidade está pedindo espaço. Uma brecha. Um intervalo. A hospitalidade quer ser o próprio intervalo. A hospitalidade como paradigma está demandando um salto quântico. Admite-se a cultura da hospitalidade como um gap existente nas relações humanas. O gap existente, inclusive, no processo pedagógico, no âmago do processo de ensino, e no mérito da interação professor-aluno.

Quando a hospitalidade não entra na cultura pessoal, na cultura das organizações, e na cultura da sala de aula, estabelece-se um vazio nas interfaces, vazio que relembra o filme “Um Estranho no Ninho”, protagonizado por Jack Nicholson e dirigido por Milos Forman. O referido filme encena uma espécie de paradoxo interacional, do tipo, estou dentro (inclusão) ou estou fora (exclusão) do processo.

Quando a hospitalidade está sufocada ou inexiste, recorre-se à metáfora de terra arrasada para caracterizá-la. Um deserto de magnanimidades. As pessoas não se toleram. As organizações não se toleram.

[1] Darci Kops – Doutor em Educação: ênfase em Administração Educacional. 

Assessor Pedagógico e Professor: Pós-Graduação e Graduação da Castelli Escola Superior de Hotelaria – Canela/RS

Professor colaborador do Instituto Eckart e Consultor Ad Hoc.

Endereço postal: Rua Matias José Bins, 916/401 – Porto Alegre/RS – CEP: 91330-290

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Quando não há hospitalidade, os profissionais nivelam por baixo e os aprendentes acumulam experiências indignas e desumanizantes. Desencadeia-se um processo de coisificação onde os relacionamentos são como macarrão instantâneo, do tipo “três minutos e basta”. Nessa cultura, podam-se as iniciativas, desobrigam-se os comprometimentos, não se acolhem sugestões, não se trocam elogios e afetos, não se expressam gentilezas.

O propósito do artigo é fazer uma leitura do paradigma da hospitalidade, da cultura da hospitalidade, e da formação da atitude hospitaleira, numa perspectiva pedagógica.

O paradigma da hospitalidade 

A hospitalidade é um paradigma que remete para a civilidade e o humanismo. É possível construir um tecido social mais humanizante e civilizado. Mudando o paradigma, mudam-se os princípios e os fundamentos das relações humanas. Mudando os paradigmas muda-se a cultura. A cultura especifica Morin (2002, p.35):

A cultura é, repitamos, constituída pelo conjunto de hábitos, costumes, praticas, savoir-faire, saberes, normas, interditos, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se perpetua de geração em geração, reproduz-se em cada individuo, gera e regenera a complexidade social.

Com o advento da cultura da hospitalidade, novos processos se instalam, permeiam novos ingredientes, novas matizes adornam a convivência, novos procedimentos se adotam, novos acordos se pactuam. A hospitalidade conspira para os pilares do aprender a ser e do aprender a conviver.

A busca pelo sentido da vida, a busca incessante pelos significados das coisas e das relações, encontra ancoragem na hospitalidade. Por meio de a hospitalidade, o nosso fazer, e o existir, toma outra dimensão.

Stephen Covey (1989) enfatiza a importância de três grandes aprendizagens na vida, as quais, direta ou indiretamente, são inerentes ao processo, e ao paradigma da hospitalidade: (1) amar, (2) viver (3) deixar legado. A qualidade do paradigma da hospitalidade, e do seu processo, toma outra dimensão sempre que se agrega algum valor na medida em que se aprende a amar melhor, se aprende a viver melhor, e se aprende a deixar legados relevantes nos processos de convivência.

Covey (1989, p. 44), mesmo não se referindo diretamente à hospitalidade, enfatiza a necessidade de uma mudança de paradigma capaz de influenciar, até mesmo, os micros processos de interação do cotidiano:

Precisamos de um novo estágio de pensamento, um nível mais profundo, um paradigma baseado nos princípios que descrevem exatamente o território efetivo da existência e das interações humanas.

Reconhece o autor citado que, na medida em que se realiza um processo de amadurecimento, nos tornamos conscientes de que tudo na natureza é interdependente, de que existe um sistema ecológico que governa a natureza, inclusive as sociedades:

A interdependência é o paradigma do nós: Nós podemos fazer isso. Nós podemos cooperar. Nós vamos unir nossos talentos e habilidades para juntos criarmos algo maior.

O processo da hospitalidade é um processo de interdependência, em que um exerce o papel de hóspede, e o outro, exerce o papel de anfitrião.

Luis Otavio de Lima Camargo (2004) dá uma dimensão humana e planejada para a hospitalidade:

Hospitalidade é a interação de seres humanos com seres humanos em tempos e espaços planejados para essa interação.

Trata-se de uma interação intencional, na qual, a dimensão tempo e a dimensão espaço, como variáveis do processo, necessitam ser planejados. Claro que nem sempre possibilita um planejamento participativo, mas, no caso da sala de aula, é possível um processo co-participativo e, inclusive, medidas democráticas recorrentes.

A vida cotidiana nos processos de convivência

            A vida cotidiana, na psicodinâmica e na sociodinâmica da convivência permite a construção do tecido social (KOPS, 2006). A qualidade desse tecido social poderá comprometer, ou não, a qualidade do processo da hospitalidade quando na convivência humana. Daí, a importância da construção de tecidos sociais saudáveis e nutridos. A cultura da hospitalidade torna-se uma cultura incubadora capaz de possibilitar a construção de tecidos sociais bem nutridos e saudáveis. No cotidiano que se constrói o tecido social. Nesse sentido, Alves (2010) reforça a importância do tecer a teia da vida, especialmente, em oportunidades carreadas da diversidade cultural:

É tempo de perceber que ninguém é igual e que todos nós somos fios da imensa teia da vida e que, quanto maior a diversidade, mais fortalecida torna-se esta tessitura. 

            Não seria diferente na vida cotidiana da convivência em sala de aula. Nesse contexto, também, descortinam-se oportunidades para a tessitura de fios saudáveis da teia da vida dentro do processo de construção do tecido social.

 

Competências inerentes à formação da cultura da hospitalidade

A sensibilidade social é uma competência distintiva nos processos de convivência e na cultura da hospitalidade. A sensibilidade social passa a ser uma competência humana essencial, também, no processo pedagógico. Moscovici (2001) reconhece que a sensibilidade social afeta a percepção que temos e fazemos dos outros:

A sensibilidade social consiste na capacidade de perceber como os outros pensam, sentem e tendem a agir, concomitantemente à própria ação.

            A sensibilidade social, quando na relação humana, permite a psicodinâmica da empatia, porquanto possibilita uma percepção sensível ao ponto de colocar-se no lugar do outro, no dizer de Carkhuff (1978, p.58):

A empatia envolve experimentar o mundo de outra pessoa como se fossemos essa pessoa.

            Próximo da empatia, temos a simpatia que também pode ser generosa e benevolente reconhecendo superioridade a certos níveis de visão, como no poema Passagem das Horas de Fernando Pessoa, quando, através do heterônomo Álvaro de Campos, diz:

São-me simpáticos os homens superiores, porque são superiores, e são-me simpáticos os homens inferiores, porque são superiores também...

            A sensibilidade social atua como um pré-requisito do processo da hospitalidade, em especial, diante do pluralismo cultural e da diversidade de tipologias humanas, visto que quem hospeda um individuo hospeda a humanidade, hospeda o cosmo. Para reforçar essa idéia da diversidade e da condição humana, Morin (2000, p.44) busca na literatura percepções do escritor Hadj Garm'Oren, que:

todo indivíduo, mesmo o mais restrito à mais banal das vidas, constitui, em si mesmo, um cosmo. Traz em si suas multiplicidades internas, suas personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poli existência no real e no imaginário, o sono e a vigília, a obediência e a transgressão, o ostensivo e o secreto, pululâncias larvares em suas cavernas e grutas insondáveis. Cada um contém em si galáxias de sonhos e de fantasias, de ímpetos insatisfeitos de desejos e de amores, abismos de infelicidade, vastidões de fria indiferença, ardores de astro em chamas, ímpetos de ódio, débeis anomalias, relâmpagos de lucidez, tempestades furiosas...

             O atributo de ser social não assegura a condição de alguém já pronto para a convivência social, e, por sua vez, nem mesmo pronto para a cultura da hospitalidade. Necessitamos passar por processos de aprendizagem e de aculturação para a convivência social e para a cultura da hospitalidade. Sertek (2006, p. 186) reforça essa observação:

O ser humano é um ser social, segundo a concepção aristotélica, fundamentado na concepção histórica. Aperfeiçoa-se e aprende em sociedade, precisa do outro para seu crescimento e maturação. Todas as doutrinas educativas têm em comum a necessidade de um processo longo de maturação e educação para o desenvolvimento humano. Alem das condições biológicas que influenciam esse processo, concorre a interação humana por meio de processos de ensino-aprendizagem. O ser humano necessita ser educado e socializado por meio de uma aprendizagem das virtudes de convivência e de um sistema próprio de comunicação.

 

O processo da hospitalidade

            O processo da hospitalidade compreende:

- variáveis de entrada do processo, tais como, a atitude hospitaleira, a sensibilidade social, a vontade política de aproximação, o rapport, e ritos de passagem;

- variáveis de processamento, tais como, competências de receber, competências de hospedar, competências de alimentar e nutrir, competências de entreter, e competências de despedir-se;

- variáveis intervenientes, tais como, cultura local vigente, etiqueta social, virtudes da hospitalidade, ética na convivência, confiabilidade, a epistemologia social, a disponibilidade de tempo, a disponibilidade de espaço, pactos e/ou contratos de convivência; 

- variáveis de saída do processo, tais como, vínculos, congraçamentos, registros, mimos, lembranças, redes de relacionamento.

Baptista (apud Castelli, 2005, p. 147) interpreta a psicodinâmica e a sociodinâmica que se estabelece no processo:

A hospitalidade permite celebrar uma distância e, ao mesmo tempo, uma proximidade, experiência imprescindível no processo de aprendizagem humana.

            Por sua vez, Castelli (2005, p.147) enfatiza a importância da abertura de outros espaços quando na convivência:

O ato da hospitalidade implica não somente na abertura de espaços físicos, mas também a abertura de espaços emocionais e intelectuais. Isso se traduz, na pratica, no acatamento de sugestões e idéias e também no amor que dedicamos a outras pessoas. O espaço intelectual e emocional que as pessoas disponibilizam ou reservam dentro de sei para o outro pode ser quase nulo, na hipótese de haver uma heterorrejeição. Em contrapartida, pode ocupar muitos espaços, na hipótese de haver flexibilidade e abertura, chegando, em certas circunstancias, a ocupar todos os espaços.

            Kops (1999) sustenta o contrato psicológico como um recurso e mecanismo capaz de agregar qualidade ao processo de pedagógico quando no relacionamento professor-aluno, podendo, inclusive, assegurar o alcance de resultados desejados, co-planejados e compartilhados. O contrato psicológico se caracteriza como um pacto, um acordo construído e firmado entre as partes protagonistas do processo de convivência. O contrato psicológico permite desenhar os resultados desejados decorrentes do processo, e estabelecer medidas recorrentes de agenda, de conteúdo, de papéis, de comprometimentos, e de procedimentos pactuados, capazes de assegurar os resultados desejados.

 

A dimensão convivencial no processo da hospitalidade

A convivencialidade admite tempos e espaços diferenciados. Podendo ser uma experiência rápida e passageira e/ou longa e duradoura. De qualquer forma, a convivencialidade demandará competências interpessoais e sociais. A convivencialidade demandará competências amplas, essenciais e básicas de convivência, respeitadas as circunstancias e os contextos culturais. A hospitalidade pode ser percebida como uma competência ampla nos mais diferentes contextos e culturas. Conviver com os outros, no dizer de Rocha (2002) demanda reconhecer e aceitar o outro como um legitimo ser humano;

Ser convivencial com o outro é respeitá-lo, exatamente onde ele está em sua caminhada de evolução.   

Gardner (2007) especula sobre a necessidade de se desenvolver cinco mentes para o futuro: (1) mente disciplinada; (2) mente sintetizadora; (3) mente criadora; (4) mente respeitosa; (5) mente ética. O referido autor faz a sustentação da importância e significado de cada uma delas para lidar com a realidade futura que se descortina. Vale, dentro da linha de raciocínio que vimos desenvolvendo, destacar a mente respeitosa:

Reconhecendo que hoje em dia não se pode permanecer dentro da própria casca ou do território conhecido, a mente respeitosa observa e acolhe diferenças entre seres humanos e entre grupos humanos, tenta entender esses “outros” e busca trabalhar de forma eficaz com eles. Em um mundo em que todos estamos interligados, a intolerância e o desrespeito não constituem mais uma opção viável.

            Gardner (2007, p.135) especula sobre o rumo a ser dado no cultivo da mente respeitosa:

Responder de forma simpática e construtiva a diferenças entre indivíduos e grupos; buscar entender e trabalhar com aqueles que são diferentes; ir além da mera tolerância e da atitude politicamente correta.

            Gardner (2007, p. 96) entra no mérito da tarefa do professor no cultivo da mente respeitosa:

A tarefa dos educadores torna-se clara: se queremos formar pessoas que respeitem diferenças, precisamos proporcionar exemplos e oferecer lições que estimulem essa postura solidária. Esses exemplos são particularmente cruciais quando as relações de poder entre indivíduos ou grupos parecem ser assimétricas. Os modelos estabelecidos por professores continuam sendo um ponto de partida crucial. Os alunos prestam muita atenção ao modo como os professores tratam uns aos outros, como tratam outros adultos e como tratam os alunos, especialmente os que vêm de um grupo não-majoritário. Os conteúdos literários, imagéticos ou experimentais de currículo, selecionados por professores, a forma como esses conteúdos são tratados e, talvez, mais importante, os conteúdos que não são selecionados ou são prematuramente descartados exercem um efeito poderoso.

            A cultura da hospitalidade demanda sensibilidade social, sensibilidade ética, aprendizagens sociais, e competências sociais. A cultura da hospitalidade concorre para a perfectibilidade e a educabilidade humana. Educar, aprender, conhecer, como agir pedagógico, na ótica de Assman e Sung (2000, p.244) contribui para a educabilidade humana e são processos humanizantes:

O agir pedagógico e o próprio conceito de aprendizagem e de construção do conhecimento supõem que se trata de um empreendimento humano que faz sentido para os seres humanos. Numa frase: educar, aprender e conhecer implica numa aposta positiva na perfectibilidade e educabilidade “humanizante” do ser humano. Ao pressupormos que o ser humano é “melhorável”, estamos afirmando implicitamente que ele sempre se encontra ainda num processo de “vir-a-ser”, que admite avanços, mas jamais se estagna numa plenificação totalmente alcançada.

 

A sala de aula como espaço cultural para a hospitalidade

            A sala de aula é um espaço privilegiado e disponibilizado. O tempo de permanência nesse espaço privilegiado é um tempo discricionário de alta significância. Nesse contexto, os seres humanos – professor e alunos - são os protagonistas do processo pedagógico, no qual a hospitalidade necessita paradigmar o processo de convivência.

A sala de aula é um fórum privilegiado para a cultura da hospitalidade e para a formação da atitude hospitaleira. Além da sensibilidade social, faz-se necessária a atitude do querer ser hospitaleiro. Faz-se necessária a vontade política dos protagonistas, vontade que passa pela conscientização do significado e importância da hospitalidade na convivência humana.

No processo da hospitalidade, em sala de aula, o professor acolhe diferenças individuais, diferenças grupais, pluralismos, idiossincrasias, expectativas, bagagens acumuladas, contribuições, compromissos, ajudas, sugestões, feedbacks, potencialidades, possibilidades, limitações, carências, deficiências.

No processo da hospitalidade, em sala de aula, o aluno acolhe estilos diferenciados, idiossincrasias, teorias, metodologias, desafios e oportunidades de construção do conhecimento, agendas, ementas, planos de ensino, sistemas de avaliação, feedbacks, incentivos e avaliações de desempenho.

A inclusão social é um desafio para o processo da hospitalidade. Desafio psicológico decorrente de resistências internas motivadas por estereótipos, de preconceitos, de antipatias gratuitas, de vieses na formação da personalidade. Desafio social decorrente de resistências externas ligadas a concepções e paradigmas sociais que privilegiam alguns e penalizam muitos. Inclusão social compreende um esforço, psicológico e social, no sentido de acolher o outro ampliando a acessibilidade aos benefícios da vida em sociedade.

A exclusão social é um risco pedagógico, porquanto, quer alimentada psicologicamente por preconceitos ou antipatias, quer referendada socialmente por dificuldades ou problemas sociais que levam ao isolamento e à discriminação, deteriora as relações humanas e o tecido social com reflexos na aprendizagem e na formação de atitudes.

 

A busca de uma nova epistemologia social

            Assman e Sung (2000) admitem novas morfogêneses sociais quando apostam na aprendizagem e postura enactante diante da realidade e na convivência social:

Se acreditarmos na educabilidade do ser humano estamos fazendo uma aposta na possibilidade de unir percepção, desejo, ação. O conceito de enaction, proposto por Francisco Varela, se refere à necessidade de abandonarmos o conceito de representação mental em nossa concepção do conhecimento e da ação. Nossos sentidos não são apenas “janelas” para o mundo. São muito mais do que isso porque nossos sentidos participam ativamente não apenas na recepção de informação desde o meio ambiente, mas também na construção da realidade percebida.

            Para tanto, criou-se o neologismo sentipensar que, no dizer de Moraes, se trata de processo que possibilita conjugar sentimento e pensamento, razão e emoção:

Educar para sentipensar implica a configuração de um ambiente de convivência agradável, amoroso e, não competitivo, gerado na aceitação do outro em seu legítimo outro.

         Esse sentipensar nos prepararia melhor para a Era das Relações preparando os indivíduos para a “transpessoalidade” dos contatos entre os seres vivos, e, conforme Moraes (1997, p.226), para a convivência:

Uma educação que possibilite uma convivência harmônica e enriquecedora entre os indivíduos. Para tanto, será preciso educar para a diversidade dos outros, saber que somos diferentes e que cada um tem o direito de ser diferente, único e singular, o que exige um aprofundamento no respeito pelo outro e na compreensão do outro. Requer também que trabalhemos não apenas os espaços externos, os ambientes de aprendizagem, mas, sobretudo, o espaço interno de cada um de  nós, as inteligências pessoais – a intra, a inter e a transpessoal -, facilitando o autoconhecimento e o reconhecimento do outro.

         Transpessoal, que está além das experiências pessoais e biográficas de cada indivíduo, no dizer de Santos Neto (sd),. A transpessoalidade requer a multirreferencialidade, paradigma que possibilita construir uma compreensão menos redutiva da realidade.

            A educação para a cidadania global tem o potencial de ampliar a referencialidade e a transpessoalidade, é o que destaca Moraes (1997, p.225)

Educar para a cidadania global significa formar seres capazes de conviver, comunicar e dialogar num mundo interativo e interdependente utilizando os instrumentos da cultura. Significa preparar o individuo para ser contemporâneo de si mesmo, membro de uma cultura planetária e, ao mesmo tempo, comunitária, próxima, que, além de exigir sua instrumentação técnica para comunicação a longa distancia, requer também o desenvolvimento de uma consciência de fraternidade, de solidariedade e a compreensão de que a evolução é individual e, ao mesmo tempo, coletiva. Significa prepará-lo para compreender que, acima do individual, deverá sempre prevalecer o coletivo.

A educação para a cidadania global agregaria competências amplas para as pessoas e, conforme Moraes (1997) criando espaços para o consenso:

Educar para a cidadania global requer a compreensão da multiculturalidade, o reconhecimento da interdependência com o meio ambiente e a criação de espaço para o consenso entre os diferentes segmentos da sociedade. Requer que o individuo compreenda que é parte de um todo, um microcosmo dentro de um macrocosmo, parte integrante de uma comunidade, de uma sociedade, de uma nação ou de um planeta.

            O exame das relações recíprocas que se estabelecem entre os seres humanos e seu mutante entorno social, cultural e tecnológico, visando a atividade cognitiva, no dizer de Odonne (2007), talvez fosse a concepção que animou a idéia da epistemologia social (EGAN; SHERA, 1952). 

Uma nova epistemologia social faz-se necessária para assegurar o aprender a conviver como um dos pilares da educação atribuído e caracterizado pelo Relatório da Unesco (1999). Uma epistemologia social, em especial, referendada nos paradigmas da hospitalidade, da inclusão social, da transpessoalidade, da multirreferencialidade, da diversidade, do pluriculturalismo, da civilidade, do humanismo, da solidariedade social, da responsabilidade social.

 

O papel da comunicação na cultura da hospitalidade

A comunicação tem um papel importante nas interfaces decorrentes da convivência humana. A comunicação possibilita a mediação das expressões dos sentimentos, e as exteriorizações dos atos de acolher, de nutrir, de entreter, atos decorrentes da vontade política dos sujeitos, dentro do processo da hospitalidade na convivência humana. A comunicação é que nos dá a dimensão de humanos, conforme análise de Maturana e Rezepka (2000, p.63):

 Afirmamos que nós, os seres humanos, existimos na linguagem, ou melhor, nas conversações, e que o humano começou quando uma linhagem iniciou na conservação de um viver em conversações como a maneira de viver que o definiu.

             Independentemente das circunstancias, no dizer de Maturana e Rezepka (p.80), o que nos torna humanos:

O que nos torna humanos é nosso viver como seres de linguagem, cooperadores e amorosos, com consciência de si e consciência social, no respeito por si mesmos e pelo outro.

            A comunicação, na sua expressão afetiva, tem importância singular nas relações sociais dentro dos parâmetros da confiança e do respeito mutuo. Maturana e Rezepka (2000, p.60) preconizam a importância da expressão do amor nas relações sociais:

Em nossa opinião, a emoção que constitui a relação social é o amor, a aceitação do outro como um legitimo outro em coexistência com alguém.

 

A dimensão emocional na cultura da hospitalidade

            Covey (1989, p. 206) utiliza a metáfora da conta bancária emocional caracterizando a quantidade de confiança que se acumula em um relacionamento. De acordo com a metáfora, toda vez que se utiliza de expedientes, tais como, cortesia, honestidade, compromissos, estaríamos operando créditos, em forma de depósitos, que se constituem em reservas emocionais capazes de assegurar perspectivas emocionais para os próximos relacionamentos. Porém, se tiver o costume de demonstrar, por exemplo, falta de cortesia, desrespeito, desconsideração, desatenção, grosseria, arbitrariedade, trair a confiança, seriam operações de descrédito, espécimes de retiradas da denominada conta bancária emocional, comprometendo a confiabilidade com reflexos nas relações humanas.

            Práticas emocionais creditícias fazem-se necessárias nessa aculturação do paradigma da hospitalidade. Práticas emocionais que vão além de vivenciar a compreensão humana. Práticas emocionais agregadoras de valor para as relações humanas. Covey ressalta a importância de pequenas práticas emocionais creditícias: (1) compreender o indivíduo; (2) prestar atenção para as pequenas coisas; (3) honrar os compromissos; (4) esclarecer as expectativas; (5) demonstrar integridade pessoal; (6) pedir desculpas sinceras. Por sua vez, há o risco pedagógico de algumas práticas emocionais desagregadoras, tais como, a descortesia, o desrespeito, a desconsideração, a arbitrariedade, a falta de confiança nas relações humanas.      

 

O desvelar da humanidade na cultura da hospitalidade      

Está em jogo o sábio saber, caracterizado por Alves (2010) como sendo o saber tecido no sábio amor:

O sábio saber é construído comigo, contigo, com o outro e com o todo. É construído em teia, em comunhão, no abraço acolhedor.

            Cabe à educação ressignificar valores, conforme Alves (2010), capazes de agregar valor para a cultura da hospitalidade, favorecendo o desvelar da humanidade na medida em que se aprende a viver e a conviver:

A ressignificação de valores permite-nos o encontro da unidade na diversidade, o desabrochar da autoria que se faz presente nos caminhos da alegria, da autenticidade, da coerência interna, da mocidade da alma, da construção fraterna.

Cabe à educação processar espaços para o aprender a ser e o aprender a conviver, e na perspectiva da denominada Educação do Futuro (MORIN, 2000), contribuir para: (1) ensinar a condição humana; (2) ensinar a identidade terrena; (3) ensinar a compreensão; (4) ensinar a cidadania terrestre. Essas quatro contribuições possibilitam ao paradigma da hospitalidade marcar presença na educação do futuro, com reflexos na convivência social.

Ensinar a compreensão remete para a solidariedade intelectual e moral da humanidade. Compreensão entre pessoas, culturas e povos. Compreensão nas relações particulares entre próximos. Para uma compreensão da humanidade temos que ensinar e aprender com os obstáculos que a vida cotidiana oferece. O egocentrismo e o sociocentrismo, a redução do intelecto humano, podem afetar negativamente a compreensão. O respeito e abertura ao próximo, a tolerância são caminhos que podem afetar positivamente a compreensão.

           

Conclusões preliminares

            Conclui-se que a educação para a hospitalidade é um processo imprescindível para o aprender a conviver, e, por sua vez, o aprender a conviver é um dos pilares da educação, compondo a matriz dos aprenderes desejáveis para o século XXI e  preconizados no Relatório da Unesco (DELORS, 1999) quando afirma que a educação tem uma tarefa universal de ajudar a compreender o mundo e o outro, a fim de que cada um se compreenda melhor a si mesmo.

            O processo da hospitalidade compreende uma gama de variáveis a serem consideradas, sejam variáveis de entrada do processo, sejam variáveis do processamento propriamente dito, sejam variáveis intervenientes, sejam variáveis de saída do processo.

A convivência humana requer uma nova epistemologia social capaz de redimensionar a qualidade das relações humanas contribuindo para o fortalecimento do tecido social.

            A hospitalidade se apresenta como um paradigma capaz de revolucionar as culturas sociais, as culturas organizacionais e as culturas educacionais.

            A pedagogia tem um papel a cumprir na construção de uma nova matriz de convivência social, abrindo espaço para novos paradigmas sociais que vão desde a inclusão social até a hospitalidade, passando pelos paradigmas da transpessoalidade, da multirreferencialidade, da diversidade, do pluriculturalismo, da civilidade, do humanismo, da solidariedade social, da responsabilidade social.

Há um vazio que somente a educação, através das diferentes e apropriadas pedagogias (por exemplo: pedagogia da epistemologia social, pedagogia da sensibilização social, pedagogia da conscientização social), poderá ocupar neste processo de construção da cultura da hospitalidade e na formação da atitude hospitaleira.

A sala de aula, por sua vez, constitui-se numa espécie de laboratório pedagógico capaz de ampliar os espaços emocionais, os espaços transpessoais e os espaços multirreferenciais, concorrendo para a formação da atitude hospitaleira dos seus protagonistas na medida em que se cultuam os novos paradigmas sociais preconizados.

A hospitalidade aporta como um paradigma a pedir espaço nas diferentes culturas, seja na cultura pessoal com seus matizes e interfaces relacionais, seja na cultura das organizações e dos diferentes povos.

       

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