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Edições Anteriores 252 Sobre gatos, política e educação
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Escrito por Eurípides Silva   
Qui, 09 de Dezembro de 2010 00:00

Li recentemente, na Folha de S. Paulo, uma história curiosa, protagonizada por conhecido político paranaense. Certo dia, nos idos de 70, o funcionário da empresa de energia elétrica encarregado de medir o consumo na residência do deputado, ao encontrar o portão trancado, limitou-se a fazer o seguinte registro na sua planilha: “cachorro bravo”. Tempos depois, ao receber uma conta mais salgada que a de costume, o deputado procurou pela empresa. Ao ser cientificado da ocorrência, imediatamente encaminhou ao setor responsável pela cobrança um bilhete esclarecendo que tinha um gato, mas que o bichinho, inofensivo, não sabia latir e nem intimidava as pessoas.

E, claro, pediu revisão da conta de energia. Lendo a história ocorreu-me que hoje o deputado talvez não pusesse as mãos no fogo pelo seu gato, visto que, ultimamente, narram-se coisas estranhas acerca da esperteza desse animal. Gato com status de cidadão, gato imitando macaco e por aí afora. Certamente seria menos enfático e mais precavido ao redigir seu bilhete: “Até onde sei, meu gato nunca latiu nem nunca mordeu alguém...”. (Vai saber!)

De fato, dois anos atrás, a imprensa noticiou a história de Billy Flores da Rosa, “cidadão” de um município do Mato Grosso do Sul, a 300 km de Campo Grande. Billy possuía número de identificação social e cartão magnético no Bolsa Família, o que lhe permitiu, durante meses, fazer parte da lista de beneficiários do Programa, “recebendo” R$ 20,00 mensais a título de complementação de renda. Detalhe: Billy era o gato de estimação do coordenador do programa no município! A fraude só foi descoberta após um agente da Saúde procurar pelo endereço de Billy a fim de saber a razão de seu não comparecimento ao Posto para fazer a medição, a pesagem e a verificação dos cartões de vacinação, exigidas pelo Programa.

Mais recentemente a imprensa brasileira deu destaque para uma descoberta inusitada, de grande repercussão no meio científico. Pesquisadores responsáveis pelo Wildlife Conservation Society, no Brasil, flagraram uma espécie de gato selvagem da Amazônia (gato-maracajá) imitando, com admirável habilidade, gritos de filhotes de saguis visando atrair os saguis adultos, suas presas favoritas. Astutos, esses felinos escondem-se sob as folhagens, debaixo das árvores onde saguis estejam se alimentando, e começam a imitar o choro dos filhotes. Quando os saguis adultos descem para verificar se há algum filhote desgarrado do bando, os gatos os atacam. Até então não se acreditava na possibilidade dessa artimanha; quando os cientistas ouviam histórias semelhantes, tomavam-nas por lendas.

Estes episódios fazem-me pensar que a anedota do gato bilíngue deve ter algum fundamento. Conta-se que um rato, cansado da monotonia de sua toca, resolveu dar um giro pelas cercanias. Antes, para não se arriscar, aguçou os ouvidos buscando sinais que denunciassem a presença de gatos. Ao ouvir um cão latindo, concluiu: se há cães, não há gatos. Pobrezinho! Foi colocar a cabeça para fora e cair nas garras de um gato faminto. Surpreso, conseguiu perguntar ao gato desde quando ele latia. O gato, lambendo os beiços, respondeu-lhe: “Meu, em tempos de globalização quem não fala duas línguas está ferrado!”.

De todos estes felinos, porém, infinitamente mais espertos e ligeiros (segundo uma expressão giriesca dicionarizada) são os “gatos humanos”, de cuja espécie se originam os “gatos políticos”, aos quais quero me referir. Matreiros, tendo por habitat natural o meio político-partidário, seus espécimes mais representativos não conhecem limites para suas artimanhas, quando, então, acabam justificando a alcunha de “fichas-sujas”. Ou, até, “fichas-sujíssimas”, caso dos que vivem sob o encalço dos tribunais, embora costumem se exibir diante de seus eleitores como baluartes da probidade, perseguidos pela Justiça. A propósito, os gatos-políticos não são apenas hábeis na arte de dissimular, como, também, impressionantemente convincentes, daí a existência de seus fiéis eleitores e a enxurrada de votos que conquistam nas urnas.

Um fato importante a ser lembrado é que a dificuldade para se identificar esse tipo de político se deve, fundamentalmente, à má qualidade da nossa educação (em todos os níveis). Qualidade, aliás, que tem por um de seus mais nefastos efeitos o alijamento de grande parte da população a uma vida cidadã. E, por via de consequência, a lamentável (mas compreensível) postura de alheamento político e de desinteresse pelo histórico e desempenho dos candidatos. Mesmo reconhecendo o aumento do grau de instrução dos brasileiros nas últimas décadas e o avanço dos meios de comunicação e da própria Internet – alcançando contingentes apreciáveis de pessoas de todas as classes sociais –, ainda assim nos faltam, pelo menos no contexto político, autonomia intelectual e capacidade de discernimento crítico, atributos que uma educação verdadeiramente de qualidade poderia nos propiciar.

“Ah, a panacéia da educação!”, vão ironizar algumas pessoas (seguramente as mesmas que se vangloriam de sua alienação política!). Mas a realidade é essa e dela não há como fugir. Enquanto o interesse pelas nossas escolas se encontrar mais para um fenômeno de retórica do que de ação, tão cedo não nos livraremos da figura dos tais gatos na política partidária. (E nem estou me referindo ao Tiririca e seus 1,3 milhão de votos...)

 
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