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Edições Anteriores 259 Educação cooperativa e sua fluência: da teorização às práticas nas cooperativas
Educação cooperativa e sua fluência: da teorização às práticas nas cooperativas PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Paulo Campos   
Qua, 09 de Fevereiro de 2011 00:00

Resumo: O presente artigo pretende falar sobre cortes, aproximações e distanciamentos, entre o corpo teórico da educação cooperativa e as práticas nas cooperativas. Para tanto, registra sua importância, significados e desenvolvimento. – da educação cooperativa. Conceitua e descreve cooperação e cooperativa. Difere esta da empresa privada, e a cooperação do capitalismo, pelos aspectos econômico e político, à luz da doutrina e da norma.Palavras-Chave: Educação Cooperativa. Discurso. Teorização. Doutrina. Prática educativa.



RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo hablar de cortes, roturas en los puntos de contacto entre el marco teórico de la educación y las prácticas cooperativas en las cooperativas. Para ello, introduzca su importancia, la significación y el desarrollo. - De la educación cooperativa. Conceptualiza y se describe la cooperación y de cooperación. Se diferencia de la de la empresa privada y la cooperación del capitalismo, por los aspectos económicos y políticos a la luz de la doctrina y la norma. Discute el fortalecimiento de la cooperación, los medios de vida alternativos y la producción en el mercado capitalista hegemónico. Describe la autogestión y la autonomía, como constructores de espacios de poder en el Estado Democrático. Describe la replicación del modelo social de relaciones hegemónicas de poder y representaciones dentro de las cooperativas. Falta de pertinencia, en las relaciones de poder discutido, el de educación cooperativa como instrumento de conocimiento y discurso constructivo y poder. legitimar y garante de los intereses de las cooperativas. Volver al primer plano la importancia de tal educación sobre la historia reciente, lo que sugiere que esto demuestra debilidad en el mundo práctico de las cooperativas, el descuido de las personas con ella. Esta en la cara de la interrupción, el tribunal de circuito en los puntos de contacto sináptico entre el conjunto de la educación teórica y práctica cooperativas de producción interna.

Palabras claves: Educación Cooperativa. Discurso. La teorización. Doctrina. La práctica educativa.

1.   Cooperação e cooperativa na economia de mercado: fatores econômicos e políticos

Conceitualmente, cooperação pode ser apresentada de várias formas, com vários sentidos e, ainda, para vários usos. Define, em geral, um espaço social de produção de bens ou serviços de forma articulada e coordenada entre os envolvidos, pessoas jurídicas ou físicas, onde todos participam, sob os pontos de vista político e econômico, entre outros. Frantz, 2001, define a cooperação como uma ação intencional e consciente, articulada e coordenada com e entre pessoas ou grupos, no formato associativo, visando um objetivo comum.

No campo político, efetiva-se a participação dos cooperantes, pela tomada de decisão sempre coletiva, de e por todos ou, no mínimo, da maioria implicada nos processos internos da instituição a que pertencem. No campo econômico, a participação ocorre por ocasião do comprometimento econômico-financeiro na e para a instituição, por parte de todos, em igualdade de condições, responsabilidades e compromissos.

O que diferencia, segundo Frantz, 2001, empreendimentos cooperativos dos da iniciativa privada está, justamente, nos fatos e consequências sociais advindos dos campos político e econômico, pelas práticas desenvolvidas à luz de um ou de outro desses empreendimentos. Segundo o mesmo autor, no aspecto econômico, na cooperação há efetiva, como já dito, participação econômica na vida da empresa cooperativa, por parte de seus associados, seus membros. Estes controlam a instituição pelo manejo e uso democrático dos recursos, em todos os sentidos, contribuindo e se beneficiando simultaneamente com os ganhos, as perdas ou os investimentos da sua empresa cooperativa, o que é muito distante e diferente da empresa privada, que objetiva o lucro, pela contundente observância da mais valia do capital, através da exploração da mão-de-obra. Empresa cooperativa não objetiva o lucro. Opera pela lógica das sobras, conforme dispositivo legal atinente:

“Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.” (Art. 3º - Lei 5.764/71 de 16.12.71).

Santos, 2005, afirma que as cooperativas, objetivando superar o modelo capitalista hegemônico, o qual é visto como determinante de regras concorrenciais e exploratórias de produção, e, ainda, se consolidarem como alternativa social de produção, não remetem somente a uma remuneração igualitária seus associados, seus donos, mas, também, a novas formas de sociabilidade solidária, baseadas no trabalho colaborativo e na participação democrática na tomada de decisões.¹

Supõe Santos, 2005, que as cooperativas operam com respeito ao princípio da solidariedade, onde cada um recebe pela suas necessidades e produz pelas suas capacidades. Discute a valorização da cooperação, como alternativa de produção e subsistência humana, no mercado capitalista hegemônico. Discorre sobre autogestão e autonomia, como construtores de espaços de poder no Estado Democrático de Direito.

Discute sobre a replicação do modelo social hegemônico, das relações de poder e das representações no interior das cooperativas. Releva, nas relações de poder discutidas, a educação cooperativista como instrumento e discurso construtivo de saberes e de poder. legitimador e garantidor dos interesses cooperativistas. Trás à baila a importância histórica recente de tal educação, sugerindo que esta se mostra frágil no mundo prático das cooperativas, pela descaso destas com ela. Isto em face da interrupção, do corte no circuito sináptico, nos pontos de contato entre o conjunto teórico da educação e as práticas produtivas internas nas cooperativas.

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¹ ...as primeiras cooperativas surgiram por volta de 1826, na Inglaterra, como reação à pauperização provocada pela conversão maciça de camponeses e pequenos produtores em trabalhadores das fábricas pioneiras do capitalismo industrial. Foi também na Inglaterra que surgiram as cooperativas que passariam a ser o modelo do cooperativismo contemporâneo – as cooperativas dos consumidores de Rochdale, fundadas a partir de 1844, e cujo objetivo inicial foi a oposição à miséria causada pelos baixos salários e pelas condições de trabalho desumanas, por intermédio da procura coletiva de bens de consumo baratos e de boa qualidade para vender aos trabalhadores. - ...desde as suas origens, no Século XIX, o pensamento associativista e a prática cooperativa desenvolveram-se como alternativas, tanto ao individualismo liberal, como ao socialismo centralizado. - ...Como prática econômica, o cooperativismo inspira-se nos valores de autonomia, democracia participativa, igualdade, eqüidade e solidariedade. Estes valores plasmam-se em um conjunto de sete princípios que tem guiado o funcionamento das cooperativas de todo o mundo, desde que a sua versão inicial foi enunciada pelos primeiros cooperados contemporâneos, os pioneiros de Rochdale. Estes princípios são: - o vínculo aberto e voluntário – as cooperativas estão sempre abertas a novos membros –; o controle democrático por parte dos sócios – as decisões fundamentais são tomadas pelos cooperados de acordo com o princípio “um membro, um voto”, ou seja, independentemente das contribuições de capital feitas por cada membro ou a sua função na cooperativa -; - a participação econômica dos membros – tanto como proprietários solidários da cooperativa como participantes eventuais nas decisões sobre a distribuição dos proveitos -; - a autonomia e a independência em relação ao Estado e outras Organizações; o compromisso com a educação dos membros da cooperativa – para lhes facultar uma participação efetiva -; a cooperação entre cooperativas através de organizações locais, nacionais e mundiais; e a contribuição para o desenvolvimento da comunidade na qual está localizada a cooperativa. (Birchall, 1997). - ...O cooperativismo deu forma a experiências exemplares de economias solidárias – como o complexo cooperativo de  Mondragón (Espanha), a que nos referiremos mais adiante -, mas não conseguiu converter-se em uma alternativa importante em relação ao setor capitalista da economia nacional e mundial. (Extraído da obra “Produzir para Viver” – Boaventura de Sousa Santos, 2002: 31,34).

Em decorrência dos fatores de competitividade de mercado, as cooperativas precisam respeitar e seguir normas técnicas capitalistas, em favor da sobrevivência institucional. Assim, para atingir seus objetivos sociais, precisa operar no ambiente mercadológico com vigor e, para tanto, necessita considerar as questões econômicas incidentes e inarredáveis nas suas variadas operações. Contudo, o sentido da mais valia se direciona para a renda e o trabalho. A valorização humana em todas as dimensões e sentidos possíveis é sobreposta a questões ou interesses outros, individuais ou pessoais e, inclusive institucionais, desde que não desfavoreça os objetivos sociais da cooperativa.

“o sonho da empresa autogestionária, e nela a destinação social do lucro, começa a se tornar realidade pelas mãos dos trabalhadores que mostram-se capazes de pensar, criar e ousar. Enfrentam o desemprego por meio de ações que ultrapassam o campo da denúncia e da resistência, materializando empresas que tem como figura central o próprio trabalhador. Empresas cuja estrutura e gestão são pensadas a partir de uma preocupação com o social; sem, no entanto, deixar de lado as questões de viabilidade econômica e de inserção num mercado cada vez mais globalizado.” (NAKANO, 1997, p. 3).

Santos, 2005, ao valorizar o cooperativismo no mundo, elenca quatro razões, sob os aspectos político e econômico, que viabilizam empreendimentos cooperativos futuros, factíveis, viáveis e supostamente bem sucedidos, como alternativa produtiva, em relação a empreendimentos capitalistas: primeiramente, a capacidade de competição no mercado que as cooperativas possuem, mesmo não sendo capitalistas, uma vez que dispõem de autonomia produtiva, princípio defendido pelo mercado e, simultaneamente, o rechaço pelas formas de economia centralizada, tanto do mercado como do próprio movimento cooperativista de produção.

A segunda razão se dá em razão da capacidade que as cooperativas possuem em responder eficientemente diante das regras de mercado, uma, por que são constituídas e executadas por trabalhadores-proprietários, o que reduz drasticamente a necessidade de implantação de mecanismos internos de controle e supervisão que assolam as empresas capitalistas, e, outra, por que os benefícios da produção advêm diretamente a esses mesmos trabalhadores, o que determina acentuação nos incentivos sociais e econômicos a eles e, consequentemente, elevação nos níveis de comprometimento e dedicação ao trabalho por parte de todos, diferentemente do que ocorre, não raro, nas empresas capitalistas.

A terceira razão está no fato de que cooperativas promovem a distribuição igualitária de bens e serviços, conduzindo a coletividade à redução de desigualdades sociais. Por último e não menos importante, segundo o autor, é o fato de que as cooperativas operam com base na autogestão, conclamando a todos à participação e gestão democrática empresarial, o que determina a emancipação e a libertação dos indivíduos, reduzindo, em tese, as divisões sociais construídas em economias centralizadas.

Quanto ao aspecto político, em empresas cooperativas, há a participação política nas tomadas de decisão, tanto empresário-mercadológicas, como de autogestão, pelos associados. Estes manejam a empresa-cooperativa em todas as dimensões e aspectos. Em empresas capitalistas, a tomada de decisões, principalmente no nível estratégico, se dá consubstanciada com argumentos e razões técnicas, de negócios e de mercado, sobrevalorizando o capital em relação ao trabalho, subordinando este àquele. A empresa cooperativa também pode e, para própria sobrevivência empresarial, deve, inclusive, portar-se com respeito às regras mercadológicas. Mas também pode e permite, aliás, a adoção de medidas decisórias fundada em argumentos que atendam aos interesses da coletividade, mesmo que técnica ou circunstancialmente fuja dos parâmetros de mercado ou dos negócios em que está inserida, sob o ponto de vista ideológico-capitalista.

Se, neste sentido, prejuízos houver, daí advindos, a mesma coletividade que tomou tais decisões levando a tanto, responde de forma íntegra e unívoca, conclamada formalmente, tanto indivíduos como instituições partícipes, às devidas responsabilidades, assim como ocorre por ocasião de benefícios recebidos, advindos por decisões bem tomadas outras.

Não se pode afastar o entendimento ou hipótese de que condutas ou decisões consideradas criminosas ou intencionalmente danosas para a instituição, individuais ou coletivas, são contempladas à luz do Direito, das normas vigentes como, por exemplo, no caso da Lei nº 5.764/71, que regula o sistema cooperativista Brasileiro, entre outras tantas, que formam o cabedal jurídico vigente, inclusive aquelas dirigidas à cooperação, do qual emanam, previsivelmente, regras, tipificações de condutas e sanções à coletividade, com o fito de normatizar as relações sociais, em todas as dimensões e sentidos possíveis. Por esta lógica, as responsabilidades e responsabilizações extrapolam o campo administrativo da instituição, inclusive, conduzindo os envolvidos ao campo público-jurídico, nas diversas esferas do Direito: Civil, Penal ou Processual Penal, por exemplo, ou seja trazendo todos perante a norma pública reguladora, como se vê, abaixo, por exemplo:

“Sem prejuízo da ação que couber ao associado, a sociedade, por seus diretores, ou representada pelo associado escolhido em Assembléia Geral, terá direito de ação contra os administradores, para promover sua responsabilidade.” (Art. 54 – Lei 5.764 de 16.12.71). O campo político, em qualquer segmento social, é configurado por práticas discursivas e não discursivas condutoras, propositivas e favoráveis a interesses vários. Estes, oriundos de culturas, grupos ou indivíduos, na contrapartida, avançam pelas práticas legitimadoras e garantidoras de objetivos buscados, dentro do espaço político, sendo represados pelo Direito, num espaço de tensão onde se estrutura o Estado Democrático de Direito. “O estado democrático de direito constitui-se por meio de uma tensão interna entre direito e política, pois, além de suas funções próprias, uma vez que o direito deve regular os conflitos interpessoais ou coletivos de ação, enquanto a política deve elaborar os programas coletivos de ação, cada um deve desempenhar funções recíprocas para o outro, já que a política, como polo instrumental, deve dotar as normas jurídicas de capacidade de coação, enquanto o direito, como pólo normativo, deve emprestar sua própria legitimidade para as decisões políticas.” (DURÃO, 2009, p. 119).

Por este viés interpretativo, analogicamente, pode-se levar em conta, com certa margem de segurança, que a gestão democrática, princípio basilar da cooperação, remete ao interior das cooperativas, uma realidade tensional similar, onde cooperantes, politicamente, tentam impetrar regras ou atos administrativos, face múltiplos interesses, tendo reduzidas ou tolhidas suas práticas, pela norma. E, ainda, pela política, o sistema cooperativo também coage quando participa efetivamente da instrumentalização do Direito, enquanto este, por seu turno, legitima práticas políticas múltiplas, em razão do ato político-legislativo que o atinge. Nesse emaranhado, estão presentes as relações de poder. Não se trata somente da presença. É possível afirmar, inclusive, que as relações de poder configuram e constroem tal emaranhado.

2.  Educação cooperativa: discurso político, importância e relações de poder

Pelo que se percebe, até, aqui, o campo político é fomentado pelo discurso e pelas práticas. Então, construindo o raciocínio deste entendimento conceitual pela mão inversa, pode-se afirmar que o discurso e as práticas são instrumentos, instrumentalizadores e instrumentalizados pela e da política, de algum modo, na construção de saberes, e nos jogos de poder existentes nas relações sociais, que atendem a interesses vários das partes envolvidas.

Neste sentido, Silva (1999), ensina que o currículo e a educação produzem e organizam identidades culturais, de gênero, raciais, sexuais, entre outras. Refuta ele a idéia de que o currículo seja um espaço específico para transmissão de informações ou conhecimento. Muito mais que isso, é o espaço político construtivo de identidades em várias dimensões e sentidos, sendo condutor e legitimador de interesses políticos múltiplos, de acordo com a sua organização estrutural, executiva e objetiva. O processo educativo e, mais especificamente o currículo, como narra o autor acima citado, estão envolvidos, são determinantes, de alguma forma, pela identidade atual e futura dos indivíduos e instituições e, consequentemente, pelas relações estabelecidas entre todos, nas mesmas dimensões de espaço e temporalidade.

Ainda nesta linha, Silva (1999) sugerindo que a educação determina o tipo de sociedade vigente e futura, defende a idéia de que modelos educacionais sejam instruídos, com sentido voltado para interesses sociais reclamados pelas minorias, o que oportuniza de forma mais contundente a percepção da educação como campo político, significante, construtor e condutor de significados, símbolos, idéias, intenções e atitudes:

“O projeto hegemônico, neste momento, é um projeto social centrado na primazia do mercado, dos valores puramente econômicos... - ...a educação é vista como simplesmente instrumental à obtenção de metas econômicas que sejam compatíveis com esses interesses. - ...existem outras formas de concepção de uma “boa” educação, ... - ...A educação, nessa outra perspectiva, está estreitamente vinculada à construção de uma sociedade em que a riqueza, os recursos materiais e simbólicos, a “boa” vida, sejam mais bem distribuídos.” (SILVA, 1999  p.28).

Compreendendo, então, que a educação está no campo político e efetivamente constrói e determina realidades de acordo com a sua programação, forma, conteúdo e apresentação, convém lembrar que, por certo, existam jogos de poder nesse campo. Em outros termos, sugere-se que há, de alguma maneira, espaços de tensão, onde forças ou núcleos de poder, dentro da própria educação, se enfrentam e disputam zonas de poder e de autoridade e, porque não dizer, produzam, inclusive, interseções, em prol das  suas próprias sobrevivências e convivências.

Por outro olhar, também ventila-se a compreensão de que a educação atue no campo político social, demandando disputas nos variados jogos sociais de poder, a fim de construir e consolidar realidades interessantes a blocos ou segmentos sociais diversos que, ao mesmo tempo em que instrumentalizam a educação para operar favoravelmente, utilizam-na como ferramenta de domínio, imposição de interesses e, por que não reafirmar, controle. Isso passa pela representação. A educação não deixa de representar no seu discurso. Representa o outro. Define o outro, pelo seu olhar. Isso implica dominação. O outro é ou está pelo olhar de quem ou daquilo que o representa. Assim, a educação também pode, e entende-se que o faça: excluir o anormal, pela definição do que é ou daquele que seja “normal”, definir o diferente, pela definição dos iguais, construir a identidade do outro, delimitar e construir ideologias, que, na prática, significa “enquadrar” realidades, ou seja, “construir realidades”.

Silva (1999), quando trata das questões de representação, afirma, sobre o tema:

“A diferença nunca é apenas e puramente diferença, mas também e fundamentalmente hierarquia, valoração e categorização. Por outro lado, essa hierarquização – que permite afirmar o que é “superior” e o que é “inferior” – é estabelecida a partir de posições de poder. ... - ...As relações de diferença são, desde o início, relações de poder, construídas, como diz Hall, no interior dos processos de representação. ... - ...A própria diferença é sempre o resultado – nunca definitivo – de um processo de construção. ... - ...Não é preciso dizer que a educação institucionalizada e o currículo – oficial ou não – estão, por sua vez, no centro do processo de formação de identidade.”  (SILVA, 1999, p.26).

Depreende-se, claro, que a educação cooperativa – não formal, por sua vez – não fuja disso, muito, pelo menos, uma vez que ela é legitimadora e garantidora, através de suas práticas discursivas e não-discursivas, dos interesses do segmento sócio-produtivo da cooperação. Ela vem engajada numa proposta - em tese, simétrica, sob os aspectos doutrinário e filosófico, pelo menos – evolutiva e sustentadora dos interesses da cooperação. Mais do que isso, enquadra os múltiplos saberes científicos para aproveitá-los no desenvolvimento social do movimento cooperativista. Constrói seu discurso com tais conhecimentos. E, com ele, conclama, converte e engaja indivíduos e instituições, a fim de direcioná-los a esse foco doutrinal ou reforçar a concentração de interesses naqueles que já estão engajados.

Tal papel social da educação cooperativa parece muito claro, sob vários aspectos, considerando que os teóricos que se ocupam com o tema batem e rebatem insistentemente no ideal de sua compreensão. Indo além, ratificam e tentam elevar, sempre, o valor e a importância da educação cooperativa, como quando fala Schneider, 2003, p. 29: “Se a educação cooperativa é importante no contexto de país desenvolvido, muito mais o é em países de Terceiro Mundo.” Outros exemplos há:

“O crescimento de um forte e autêntico movimento cooperativista está indissoluvelmente vinculado ao cumprimento do trabalho educativo que, para ser integral, deve trabalhar de forma equilibrada e harmoniosa a difusão de valores e princípios que compõem a doutrina cooperativista: ...”. (SCHNEIDER, 2003, p.54). “Frente ao ressurgimento da importância do cooperativismo, consequentemente, recoloca-se, também e com ênfase, a questão da educação em organizações cooperativas, ...”. (FRANTZ, 2003, p.69).

Frantz, 2003, salienta que em tempos – atuais - de mudanças e globalização, a cooperação tem uma missão fundamental que perpassa e transpõe o campo econômico, flutuando sobre questões ambientais e da própria sobrevivência da espécie humana. Sugere que práticas cooperativas e ou associativas são e serão cada vez mais necessárias para uma mudança paradigmática de convivência e sobrevivência da humanidade no planeta, em contrapartida ou como meio alternativo - diante do sistema capitalista ocidental hegemônico - de subsistir e produzir da sociedade.

Schneider, 2003, reúne informações acerca da educação cooperativa pelo mundo, considerando sua importância para o movimento: institutos universitários europeus autônomos e independentes voltados para a cooperação desenvolvem pesquisas no segmento, para fundamentar e apoiar teórica e praticamente cooperativas daquele continente. Decorre, daí, vasto material de pesquisa – teses e dissertações. Cita, como exemplo, cooperativas de grau superior alemãs – confederações, federações ou centrais - que financiam pesquisas acadêmicas permanentemente, em parceria com o Estado e Universidades. Menciona, também, outros institutos que atendem aos interesses de pesquisa do cooperativismo pelo mundo, como no Canadá, França, Espanha, Itália, Estados Unidos, Argentina e outros. Eis que retrata determinada evolução histórico-cultural. ²

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² Em várias universidades da América Latina e do Brasil,surgiram institutos especializados de cooperativismo, onde iniciaram um intenso trabalho educativo e de capacitação, introduzindo disciplinas de cooperativismo nos diversos cursos, realizando seminários, estabelecendo fóruns de debate, em especial nas áreas de economia, administração, direito, psicologia, ciências sociais, etc. - ...Há países onde esta colaboração e parceria entre universidades e cooperativismo é vista com desconfiança pelas cooperativas. Em outros países, há uma grande cooperação entre cooperativas e institutos universitários de cooperativismo. Na Alemanha, por exemplo, há uma ativa participação das cooperativas no financiamento das tarefas de pesquisa e assessoria das universidades. Em geral, os meios econômicos para a sustentação destes institutos provêm de três fontes: da própria universidade (locais, funcionários e serviços de secretaria), dos Estados e das municipalidades e dos organismos cooperativos de grau superior. - ...Há importantes institutos de cooperativismo, com longa tradição em pesquisa e docência em vários países, como no Canadá, na França, na Espanha, na Itália, nos Estados Unidos. Na Argentina, o Museu Argentino, fundado em 1911, desde 1925 mantém o Centro de Estudos Cooperativos. Convertido em universidade, oferece desde 1945 um curso universitário de Licenciatura em Cooperativismo (Garzon, 1978, 191). Em anos recentes, lançou também um Mestrado. Na Alemanha e na Áustria, já nas décadas de 1960 e 1970, havia nove institutos universitários de cooperativismo, vinculados às Universidades de Berlim, Erlangen – Nürnberg, Frankfurt, Giessen, Hamburgo, Marburgo, Münster, Colônia e Viena. (Extraído  da obra “Educação Cooperativa e suas práticas; Schneider, Odelso;, 2003, p.42 e 43)

Como se depreende, a teorização que contempla a educação cooperativa se mostra unívoca, quando declina sua importância vital – da educação - para com o movimento da cooperação, como já discorrido, até, então.  Assim, cabe questionar como se percebe, nos discursos dos mesmos teóricos, reclames de descaso do sistema cooperativista com essa instituição, a educação cooperativista. Nesta linha, Schneider, 2003, acusa que empresas comerciais progridem tecnologicamente muito mais rápido do que a educação cooperativista, que em nada avança.

3.  Descaso das cooperativas com a educação cooperativa: restrições nos pontos de contato entre teorização e práticas

Schneider, 2003, acredita que há alguns fatores importantes que obstam o desenvolvimento dos processos educativos na cooperação, no seio das cooperativas brasileiras, em geral: em primeiro lugar, a não participação dos associados na gestão de suas respectivas cooperativas, em razão de que muitos não se sentem donos. Pelo contrário, sentem-se alijados da tomada de decisões, não são efetivos partícipes de reuniões ou assembléias, abrem mão do direito de participação. Repassam a um grupo de gestores as rédeas institucionais, considerando não dominarem, eles próprios, os saberes necessários à gestão. Dentro disso, o crescimento das cooperativas determina a profissionalização institucional, o que afasta, mais ainda, os associados da gestão participativa, causando isolamento espacial, de conhecimento e de poder, e por que não dizer, cultural, dentro da instituição.

Um segundo tópico discutido é a existência de ambientes pouco participativos em assembléias gerais nas cooperativas, em razão da técnica envolvente no relato de informações e na tomada de decisões. Especialistas discutem questões técnicas em várias dimensões e sentidos, enquanto que os associados, desprovidos de ferramentas de conhecimento, estão distantes dos discursos, da compreensão das realidades técnico-científicas discutidas e, consequentemente, das decisões a adotadas. As assembléias também são espaços de poder, instruem relações de poder entre cooperados, e entre estes e a cooperativa, e entre esta e o ambiente mercadológico. Pelos variados discursos nela proferidos, determinam poder e identidades, consubstanciando, evidentemente, práticas que fogem aos princípios da cooperação.

Outra questão relevante a ser considerado é a questão da infidelidade dos associados. Em decorrência do imediatismo e da visão da “vantagem” sobreposta a tudo, o associado se relaciona com sua cooperativa quando for vantajoso para ele. Caso contrário, afasta-se.

“O sócio é imediatista, é sôfrego em buscar o resultado, é oportunista nos negócios, é antes de tudo o indivíduo e não a sociedade. Enquanto a sociedade caminha lenta, gradual e sistematicamente, visando à segurança do presente e enraizando bases sólidas para o futuro, o sócio só percebe o presente e se aninha no passado” (BENATO, 1994 p.7, apud SCHNEIDER, 2003, p.48).

A capacidade que as cooperativas possuem em retratar internamente a estratificação social do ambiente no qual estão inseridas é outro fator obstante à educação cooperativa. Mesmo postas estruturalmente como democráticas, na adoção de ações e na tomada de decisões, as relações de poder se refletem tal qual na sociedade em geral, propiciando, daí, espaços de alienação, de estranheza, de não identificação do associado com seu empreendimento, como cita o autor, e de passividade de conduta e postura, prosperando segmentações hierárquicas e retrocessos de iniciativas educacionais.

O fato das cooperativas concorrerem num mercado globalizado e, simultaneamente, terem que atender ao associado, nos seus interesses exigidos justamente pelo fato da sua vinculação voluntária ao empreendimento, se mostra, também, como fator restritivo relevante. Se por um lado, os ditames mercadológicos expressados claramente nas grandes empresas transnacionais, atingem e exigem estratégias idênticas de sobrevivência das cooperativas, por outro, há que se falar em todo um aparato histórico, doutrinário, ideológico, subordinante e determinante das práticas de produção cooperativistas. A educação cooperativa precisa ser esticada a tais pólos? Se sim, como se estender por cima de todos os múltiplos e variados campos do conhecimento que compõem essa corrente entre tais pontas, para dar conta de tanto? Se não, em quais sentidos dentro desta mesma corrente, seu foco deve ser dirigido? E, fundamentalmente, os porquês das respostas pesam mais, em todos os sentidos, do que elas próprias. Eis que essa é a ordem do dia à educação. Por ora, severa restrição.

As decisões que produzem reflexos de médio e longo prazo possuem o caráter democrático. As assembléias detem com exclusividade o poder decisório sobre muitos temas, assuntos e interesses institucionais, diferentemente de empresas de cunho privado, onde as decisões estratégicas são adotadas por lastro técnico e menos burocrático. Isso provoca morosidade e perda de potencialidade e competitividade produtiva. Monta-se, assim, um quadro institucional bem menos flexível, que, consequentemente, reflete-se nas práticas, nas relações, na comunicação e na educação cooperativa. Eis, então, outro ponto restritivo a esta, não menos importante que os demais.

A restrição no campo da capitalização diz respeito a peculiaridades do negócio cooperativa: as cooperativas não são instituições que ofereçam o melhor retorno de capital para investidores, em razão da remuneração do capital ser proporcional às operações dos associados e não do montante investido. Paralelamente, a descapitalização das cooperativas ocorre em face do desligamento de associados, enquanto que, na iniciativa privada, não se vê tal descapitalização, em razão da venda das ações. Dentro disso, ainda, Schneider sugere que empresas capitalistas apelam, não raro, para sonegação fiscal, recurso inapelável pelas cooperativas que operam com maior transparência contábil e financeira.

A autonomia das cooperativas fica ameaçada, quando a intervenção do Estado avança além dos incentivos, invadindo campos de controle. Isso representa uma restrição. A intercooperação, princípio que busca a integração entre cooperativas ainda não atingiu níveis mínimos razoáveis, uma vez que empresas capitalistas sabem “cooperar” entre si, de maneira muito mais efetiva e eficiente. Por fim, outro ponto restritivo levantado pelo mesmo autor é o fato de que a gerência e Conselho de Administração de cooperativas são instituições diferentes e, como tal, devem ser operadas ou executadas também diferente e separadamente. Enquanto que a gerência executa tecnicamente a cooperativa, o Conselho tem a função político-decisória acerca dos interesses da coletividade e da instituição. A mescla ou mistura dessas funções se traduz, também, como séria restrição.

Diante de todas essas considerações restritivas, por certo, há que se abordar ou, pelo menos questionar, se a Educação cooperativa ensaiada em teoria atinge as cooperativas nos seus interiores, junto às suas práticas diárias produtivas e as suas relações internas. Este quadro restritivo sugere que, de alguma forma, as cooperativas operam dentro do mercado capitalista, com atenção e práticas voltadas para as regras de mercado, menosprezando, por vezes, a estrutura doutrinal que as sustentam institucionalmente, e, consequentemente, deixando de atender a princípios fundamentais básicos de valorização humana e aos interesses de seus sócios-proprietários, razão maior de suas existências.

É preciso afirmar que, de algum modo, as cooperativas precisam aprender a aprender educação, como menciona Schneider, 2003, uma vez que não se estabelece um canal sináptico entre a teorização da educação e as práticas cooperativas. Há um isolamento das cooperativas, que não conseguem receber ou perceber a educação cooperativa despejada, difundida teoricamente. Logo, não recebem os benefícios dela e com ela que advem, colocando, consequentemente, a si e ao sistema cooperativista como um todo, em risco.

Produzem muito e muitas coisas na condição de cooperativas, mas não “cooperam” na mesma intensidade, enquanto produzem, desenhando-se como empresas disformes sob o ponto de vista doutrinário-ideológico, assentando-se no mundo pela via da legalidade, da legitimidade jurídica, mas, simultaneamente, também, fragilizando-se institucionalmente, pelo enfraquecimento dessa própria identidade técnico-legal, quando não se postam convictas e adequadas através das práticas e discursos necessários ao segmento institucional ao qual pertencem. Schneider contribui neste sentido enfatizando:

“...a única razão que permitiria a expansão indefinida das cooperativas seria uma inquebrantável convicção sobre a superioridade moral da cooperação, quando comparada com as empresas capitalistas... (LASSERRE, 1980, p. 66 apud SCHNEIDER, 1999, p. 24).

Importante salientar que pesquisas neste sentido são necessárias, vez que este ensaio não objetiva fechar a discussão ou o diálogo, contudo, mas, sim, reforçar a idéia basilar instalada de que cooperar e educar são fenômenos indissociáveis, que se complementam de forma unívoca, sob muitos aspectos, devendo fluir seus conteúdos teóricos ao interior das cooperativas. Estas, precisam estar receptivas a tanto. Assim, reduzidas as restrições nos pontos de contato, entre o campo teórico e as práticas em cooperativas, constituir-se-á – espera-se - um quadro prático-social no mundo das coisas e das pessoas, que levará por diante os interesses e benefícios às partes envolvidas no contexto cooperativista e à consequente expansão do movimento social da cooperação.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Autor deste artigo: Paulo Campos - participante desde Seg, 24 de Janeiro de 2011.

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