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O sistema de reserva de cotas para negros na UEMS: uma proposta de adequação a Constituição Federal PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Bruno Augusto Pasian Catolino   
Qua, 23 de Março de 2011 15:40

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

O SISTEMA DE RESERVA DE COTAS PARA NEGROS NA UEMS: uma proposta de adequação à Constituição Federal


PARANAÍBA
2009


BRUNO AUGUSTO PASIAN CATOLINO


Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Unidade Universitária de Paranaíba, como exigência parcial para bacharelado do curso de Direito.

 


Orientador: Profª. Me. Mário Lúcio Garcez Calil

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado, como requisito parcial, para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba

BANCA EXAMINADORA

Orientador (a):

_____________________________________

Prof. Me. Mário Lúcio Garcez Calil - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

_____________________________________

Prof. Me. Isael José Santana - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

_____________________________________

Profª. Me. Ângela Aparecida da Cruz Duran - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Paranaíba,____/___/_______/

 

Aos meus pais Ailton e Sueli,

E à minha irmã Daniele,

Que me deram apoio logístico e emocional

Durante todos esses anos de academia


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores da Universidade do Mato Grosso do Sul que enriqueceram meus conhecimentos jurídicos me fazendo ver o mundo de uma forma mais crítica, mais especialmente àqueles professores aos que sempre buscam o conhecimento e não permanecem estáticos, contribuindo, desta forma, para o crescimento e reconhecimento da Instituição UEMS. Agradeço aos meus velhos amigos da “República Utópica”: Fábio Vieira Scarpa, Diego Villela e Thiago André Silva Gonçalves, pela amizade confiada e por compartilharem todas as suas alegrias, tristezas, ambições e frustrações comigo. Absorvi um pouco de cada um deles em minha formação humana e intelectual. Agradeço aos amigos da “República do Xingú ao Figueirão”: Wesley Jorge da Silva, Iago Santana e Edson Rodrigues Lima Júnior, pela paciência comigo quando da elaboração deste trabalho, pelo notebook emprestado, e por serem exemplos de como se trabalhar em equipe.

Agradeço aos amigos de classe que conquistei na Universidade, em especial aos do “fundão”, sempre me ajudando nos estudos, e em tudo o que precisei. Agradeço ao meu orientador pelas valiosas informações sobre meu trabalho, sempre me direcionado em qual rumo tomar na produção deste trabalho, o qual hoje elenco no rol de amigos. Agradeço aos meus pais: Ailton Catolino dos Santos e Sueli Rosicler Pasian; e à minha irmãzinha: Daniele Naila Pasian Catolino, por serem sempre um “porto seguro”. Palavras não são capazes de expressar a minha eterna gratidão.

Agradeço ao Rock’n’Roll e a música em geral por existirem, por ser meio de alívio das minhas frustrações e forma de expressão cultural, além de financiar grande parte dos meus estudos quando de sua execução nos bares de Paranaíba.

A mais perigosa visão do mundo

É a das pessoas que jamais olharam o mundo.

(ALEXANDER VON HUMBOLDT)

 

RESUMO

A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul por meio da Lei Estadual n° 2.605/03 reserva um porcentual de 20% das vagas gerais dos cursos oferecidos para negros. O presente trabalho intenta analisar a polêmica questão da constitucionalidade ou não desta lei, cuja apreciação encontra trâmite no Supremo Tribunal Federal, porém sem uma posição definida. O objetivo do trabalho é contribuir para o aperfeiçoamento do sistema de cotas para negros na UEMS, sopesando o disposto nas Resoluções n° 430/04 e 889/04 do CEPE/UEMS, e apontando as deficiências legais no que tange a efetividade de uma igualdade material neste sistema. Com a abordagem dos direitos fundamentais, inserem-se as ações afirmativas que tem o condão de oferecer iguais oportunidades de acesso ao Ensino Público Superior a todos os cidadãos. Neste sentido é permitido ao legislador e o Poder Público discriminar licitamente os grupos sociais que são desfavorecidos – sejam por critérios históricos, sociais, políticos ou econômicos. Diante de uma análise dos sistemas de cotas raciais nas Universidades públicas brasileiras, estabelecem-se comparações com o modelo adotado pela UEMS.

Palavras-chave: Lei n° 2.605. Cotas. Negros. UEMS. Constitucionalidade.

ABSTRACT

The State University of Mato Grosso do Sul through the State Law No. 2.605/03 reserve a percentage of 20% of the general availability of courses offered to blacks. This work brings to analyze the controversial question of the constitutionality of this law, the assessment is way through the Supreme Court, but without a defined position. The objective of this study is to contribute to improving the system of shares for blacks in the UEMS, balancing the provisions of Resolution No. 430/04 and 889/04 of CEPE/UEMS, and pointing out the legal deficiencies with respect to effectiveness of an equal material in this system. With the approach of fundamental rights, are part of affirmative action that has the power to provide equal access to public higher education to all citizens. In this sense it is permissible for the legislature and the Government lawfully discriminate against social groups that are disadvantaged - whether by historical criteria, social, political or economic. Faced with an analysis of systems of racial shares in Brazilian public universities, comparisons are made with the model adopted by the UEMS.

Keywords: Law No. 2605. Shares. Black. UEMS. Constitutionality.


SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 10

1 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA........................................................................................ 11

1. 1 Conceito e Abrangência do Princípio............................................................................ 11

1.2 Histórico............................................................................................................................ 14

1.3 Igualdade na Lei (Sentido Material)............................................................................... 16

1.4 Igualdade Perante a Lei (Sentido Formal)..................................................................... 18

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS........................................................................................ 21

2.1 Conceito............................................................................................................................ 21

2.2 Titularidade dos Direitos Fundamentais........................................................................ 23

2.3 A Igualdade como Direito Fundamental........................................................................ 24

3 AÇÕES AFIRMATIVAS.................................................................................................. 26

3.1 Conceito............................................................................................................................ 26

3.2 Histórico das Ações Afirmativas (Discriminação Racial)............................................. 28

3.3 Sistemas das Ações Afirmativas...................................................................................... 30

3.4 O Regime de Cotas Para Negros nas Universidades: Quadro no Brasil..................... 32

4 POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA UEMS E CONSTITUCIONALIDADE DIANTE DA ISONOMIA................................................................................................................................................. 35

4.1 Análise das Políticas Raciais ........................................................................................... 35

4.2 Critérios de Aferição Racial: Genótipo, Fenótipo ou Histórico................................... 36

4.2.1 A Diversidade de Raças no Brasil.................................................................................. 39

4.3 A Lei Estadual N° 2.605, de 06 de Janeiro de 2003...................................................... 40

4.4 Da Necessidade de Critérios Objetivos para o Sistema de Cotas Raciais na UEMS.. 42

4.4.1 As Resoluções do CEPE/UEMS Nº 430/2004 e N° 889/2004....................................... 44

4.5 Da (In)Constitucionalidade dos Critérios Adotados..................................................... 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 52

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 53

 

INTRODUÇÃO

As ações afirmativas, no que toca ao ingresso dos cidadãos negros nas universidades públicas, apresentam um debate de grande efervescência. Os negros, nesta toada, tem a sua participação na vida social brasileira reduzida, conforme os dados estatísticos do IBGE apontam. O contingente populacional negro não condiz com sua esperada participação nos empregos melhor remunerados. A imagem do negro por diversas vezes é associada a um grupo “servente” das etnias de cor branca, a exemplo dos séculos de imposta escravidão. Visando a redução das desigualdades entre brancos e negros, inserem-se as ações afirmativas, contribuindo para que o princípio constitucional da isonomia (art.5°, caput, da Constituição Federal) conquiste a desejada materialidade e efetividade. Há opiniões trazidas no trabalho que se posicionam pela inviabilidade de tais ações, por não entenderem que os grupos de etnia negra possam ser discriminados positivamente, de forma a viabilizar sua inserção nestas políticas públicas. Existem, entretanto, opiniões contrárias a este entendimento, que pugnam pela legitimidade dos negros para concorrerem a esta ação afirmativa. Tais entendimentos entendem que o grupo de etnia negra pode e deve ser discriminados positivamente, para que seja reduzida a sua marginalização.

Neste sentido, o trabalho é focado no sistema de reserva de cotas para cidadãos negros na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Por meio da Lei Estadual n° 2.605/03, a UEMS resguarda 20% de suas vagas gerais para aqueles que apresentem o fenótipo negro. Ou seja, somente tem possibilidade de concorrer a tais vagas os cidadãos que apresentem a pele de cor negra, e os traços físicos inerentes à etnia negra. No primeiro capítulo, tem-se o estudo do princípio da igualdade, apresentado sua conceituação, a evolução histórica do princípio, e a abordagem e diferenciação entre a igualdade formal e material.

No segundo capítulo, disserta-se sobre os direitos fundamentais do homem, trazendo os conceitos, a titularidade destes direitos, relacionando a igualdade como um direito fundamental. No terceiro capítulo, apresentam-se as ações afirmativas, seus conceitos estabelecidos, o histórico destas ações afirmativas com enfoque na discriminação por raças, os sistemas destas ações afirmativas, e por fim um quadro geral de como se apresenta a reserva de cotas nas Universidades públicas para os negros. No quarto capítulo faz-se a análise constitucional destas políticas de cotas raciais nas Universidades públicas, sendo realizada uma análise a nível nacional destas políticas raciais, os critérios para se aferir a qual cor pertence os grupos sociais, e um panorama sobre a diversidade de “raças” no Brasil, conceito este ultrapassado na antropologia. Há o enfoque apenas ao regime de cotas para negros na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, observando os dispostos legais na Lei Estadual n° 2.605/03 e nas Resoluções n° 430/2004 e 889/2004 editadas pelo CEPE/UEMS. Também são apontadas as necessidades de critérios objetivos para a análise dos cidadãos que podem concorrer às vagas reservadas para negros e a constitucionalidade, ou não, destes critérios adotados pela UEMS.

1 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

1.1 Conceito e Abrangência do Princípio

O princípio da isonomia, de previsão constitucional pelo artigo 5° (BRASIL, 1988, n.p), abarca as condições da promoção da igualdade de direitos entre os cidadãos tutelados pela Carta Constitucional. Logicamente, diante desta assertiva todos devem ser tratados de forma idêntica pela lei. O princípio da igualdade (e sua desejada aplicabilidade) é o cerne do próprio senso social de justiça, e sua exata compreensão deve-se deixar clara. Porém, tal delineamento é trabalhoso, ainda mais no que diz respeito às políticas afirmativas raciais que serão objeto de nosso estudo. Pondera Celso Bastos que (1999, p.145) “a exata inteligência da sua significação remanesce difícil”, e que (1999, p.149) “é o princípio da igualdade um dos de mais difícil tratamento jurídico. Isto em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de ingredientes de direito e elementos metajurídicos”. A almejada igualdade entre os cidadãos constitui na realidade, uma ficção jurídica, visto que estes não são semelhantes no sentido biológico, social e econômico, nem nunca o serão. O princípio busca justamente dar oportunidades materiais de igualação das diferenças que surgem entre as pessoas. Nesse sentido é essencial transcrever o artigo 5º, caput, da Constituição da Federal de 1988 (BRASIL, 1988, n.p.), in verbis:

[...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

O princípio da igualdade tem característica intrínseca de um superprincípio, estando presente em diversos dispositivos da carta constitucional, tais como o inciso I do artigo 5º, o inciso XXX do artigo 7º, o parágrafo 2º do artigo 12, o inciso II do artigo 19, o inciso II do artigo 150, os parágrafos 1º, inciso II, e 2º do artigo 173, o parágrafo 5º do artigo 226 e o parágrafo 6º do artigo 227. (BRASIL, 1988, n.p.)

A isonomia, como um superprincípio jurídico, tem o condão de criar e dar forma a outros princípios constitucionais, vinculando sua interpretação, de forma que estes não podem dispor de forma contrária à famigerada isonomia. Observe-se que a aplicação do princípio da isonomia é omnidimensional, ou seja, deve ser aplicada “o tanto quanto possível na totalidade do espaço e do tempo”. A isonomia também não deve ser ponderada, já que é fundamento dos outros princípios; e configura-se como um valor jurídico, devendo ser, portanto, protegido quando de sua aplicação e interpretação. (PINHEIRO, 2008, n.p)

Considera-se de fundamental importância a promoção da igualdade como objetivo do Estado Brasileiro quando pugna o artigo 3°, IV, da Carta Constitucional que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". (BRASIL, 1988, n.p)

A abordagem do princípio isonômico, frise-se, é de fundamental importância no presente estudo, no que concerne às políticas afirmativas que o Estado Brasileiro promove para que a igualdade seja efetivada, construindo verdadeiros atalhos a efetivação de uma igualdade material. Segundo Canotilho (1993, p. 173) “tais atalhos são denominados de princípios constitucionais impositivos, impondo aos órgãos públicos e, principalmente ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas”. O princípio da isonomia centra-se no que tange ao princípio da correção das desigualdades na distribuição da riqueza, sendo que toda política afirmativa, seja étnico, sexual, ou social, busca reduzir as visíveis desigualdades na sociedade brasileira.

Estas políticas de igualação são promovidas em todas as esferas do Poder Estatal: seja pelo Poder Executivo através das denominadas Políticas Públicas, pelo Poder Legislativo através da edição de leis que objetivam a diminuição da desigualdade, e pelo Poder Judiciário, que, em vários julgados, vêm proporcionando uma igualdade material aos cidadãos que são desfavorecidos, tanto em razões econômicas, quanto ao aspecto social. A procuradora da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (2007, p.31), define o princípio da igualdade como “o conjunto de bens e direitos aos quais todas as pessoas têm que ter acesso em condições mínimas de igualdade”.

Analisa Luis Roberto Barroso (1999, p. 165), a respeito do princípio da isonomia que:

[...] é de praxe invocar-se a máxima aristotélica de que o princípio consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam. A beleza filosófica de tal asserto não contribui, contudo, para desvendar o cerne da questão: saber quem são os iguais e os desiguais e definir em que circunstâncias é constitucionalmente legítimo o tratamento desigual [...]

Questão premente faz-se abordar o conceito de igualdade em todas as suas vertentes. O preceito isonômico estampa-se como conseqüência e exigência primordial do regime social-democrático, conciliando os postulados essenciais da democracia liberal em prol dos tutelados pelo Estado para que se promova a igualdade de condições para que haja a paridade de direitos.

O mestre Sahid Maluf (1972, p. 283) divide a igualdade em quatro categorias:

a) Igualdade Jurídica, no sentido de afastar qualquer tratamento discriminatório, motivos de raça, cor, religião, ideologia, posição social ou outros que possam afetar a dignidade humana; b) Igualdade de sufrágio, que se traduz no valor unitário do voto, seja do chefe de família ou do celibatário, do rico ou do pobre do patrão ou do operário, do letrado ou do ignorante; c) Igualdade de oportunidade, isto é, idêntica possibilidade a todos de acesso à cultura universitária, às funções públicas e às conquistas da ciência; d) Igualdade econômica, consistente no estabelecimento de um padrão mínimo de vida que corresponda com as necessidades normais do homem, levando-se em conta os seus encargos de família.

O princípio da igualdade deve ser visto como priorado básico do senso comum de Justiça, uma vez que está arraigado nos costumes das sociedades democráticas. Quando não se faz presente a legalidade em prol da igualação dos indivíduos, ocorre uma disfunção social; sendo que a lei dispõe sobre as formas discriminatórias de tratamento dos indivíduos. Moraes (2006, p.32) melhor elucida a desigualdade legal no que tange ao princípio da igualdade:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

São vedadas, por meio deste princípio, todas as formas de discriminação que confrontam com o animus do legislador em proteger os cidadãos que dispõem de poucos meios para ascender socialmente e economicamente. Dessa forma acontece aos deficientes físicos, que tem garantido um determinado número de vagas para o ingresso em concursos públicos; os de baixa condição financeira, que tem a isenção nas inscrições dos exames vestibulares das universidades públicas; e agora, com os cidadãos de cor negra. Assim, cada grupo, em determinada circunstância de desigualação, tem de preencher os requisitos especificamente demandados para usufruírem das regalias legais. Nesse último item, destacam-se os negros que apesar de não serem uma “minoria” étnica – pois sua composição perfaz grande percentual dos brasileiros – é a parcela menos abastada economicamente, motivado tal fato por diversos fatores, tais de ordem histórica, cultural e econômica.

A conceituação do termo minoria é tormentosa, mas essencial para a delimitação da política afirmativa em relação aos negros, sendo tratada adiante em nosso trabalho.  Francesco Capotorti define minoria desta forma:

[...] Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado - possuem características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua [...] (apud MONTEIRO, 2009, n.p).

Observa-se então, que os negros não são inferiores numericamente no Brasil, mas se encontram em uma posição “não-dominante”. Fábio Konder Comparato (apud MORAES, 2006, p.31) analisa que “as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”. Todavia, o princípio da igualdade carece de efetividade, apesar de há muito tempo buscado o fim igualitário na maioria das sociedades conhecidas. Conforme serão tratados nos itens sobre a igualdade material e formal, a norma constitucional, por vezes, auxilia o desigual para que, por meio desse auxílio, o mesmo seja impulsionado a ser efetivamente igual aos outros. Ou seja, quando os casos desiguais são tratados de forma desigual, faz-se presente a justiça e realiza-se o objetivo do princípio da isonomia.

1.2 Histórico

Segundo confirma o professor Elvis Oliveira (2009, n.p), o princípio da igualdade tem suas raízes históricas na Grécia Antiga, sendo preocupação dos grandes filósofos como Péricles, Eurípedes, Heródoto e Aristóteles. A escola helênica objetivou a denominação atual de princípio da isonomia. Apesar dos postulados filosóficos dos gregos, a própria Grécia Antiga não seguia a igualdade como princípio norteador (ao menos espelhada nos paradigmas atuais), já que aceitava a escravidão e primava pela divisão da sociedade em castas, como a exemplo ocorre com a Índia dos tempos modernos. Sob a admissão da escravatura, Aristóteles a considerava como conseqüência das desigualdades que existem entre os homens, sendo que alguns homens possuem a qualidade de “guiar” outros homens, concluindo que seria vantajosa para ambos a reunião da força material do escravo com a inteligência de seu Senhor. (ARISTÓTELES, 2002, p.09)

Na Idade Média, cuja característica era a grande influência católica, o princípio da isonomia, agora de conteúdo humano e espiritual teve difundida divulgação pelas Encíclicas do Vaticano. Entretanto, o que se pode apreender desse período é que a Europa medieval sempre foi embebida de desigualdade social, tanto pela política inquisitória da Igreja que castigava a plebe e vendia o perdão aos ricos, quanto pela própria divisão social das relações feudais (CRUZ, 2005, p.04).

No século XVIII com advento da Revolução Francesa, e toda a doutrina humanista em efervescência, assentaram as bases do postulado básico do princípio da isonomia. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 teve como premissa básica o ideal de que “os homens nascem e se conservam livres e iguais direitos, e as distinções sociais só podem ter por fundamento o proveito comum” (SILVA, 2002, p.205). Celso Bastos (1999, p. 145) disserta sobre o período revolucionário francês e a queda dos privilégios das classes mais abastadas:

Historicamente, sabemos que a proclamação fática deste princípio da igualdade de todos perante a lei data da época da Revolução Francesa. Mas naquela ocasião conhecia-se à perfeição o endereço do preceito. Tratava-se de abolir a sociedade estamental então vigorante. O que se pretendia era fazer ruir um castelo de privilégios erigido a partir da inserção do indivíduo numa dada classe social. Era todo um sistema de valores sendo contestado quer quanto à sua legitimidade, quer quanto à sua legalidade. Assim, quando se dizia que todos são iguais perante a lei, não havia dúvidas de que a intenção era impedir que alguém se beneficiasse, por exemplo, de um tratamento mais benévolo, sob o fundamento de ser ele um nobre, como seria o caso de um integrante desta casta social que, tendo matado alguém, pretendesse subtrair-se à prisão, invocando para tanto sua posição nobiliárquica. Ora, a derrubada da sociedade estamental foi, de certa forma, absoluta, a tal ponto que seria hoje inconcebível, diante dos princípios democráticos vigentes, que alguém pretendesse, com seriedade, ser discriminado em função da sua ascendência.

No período imperial, houve a outorga da primeira Carta Constitucional brasileira em 1824, e pela influência dos ideais revolucionários franceses foi inserida a igualdade entre os cidadãos como um objetivo do recém formado Estado Brasileiro independente. Com o advento da República, o princípio é alargado nas Constituições seguintes de 1891, 1934, e em 1937 no Estado Novo getulista (SAMOGIN, 2009, p.03-10). No século XX, no período após 2ª Guerra Mundial, ocorre uma mudança dos paradigmas que norteavam os governos totalitários, a exemplo dos governos Alemanha e Itália. No Brasil, a Constituição Federal de 1946 absorveu uma nova concepção de igualdade, primando por uma efetividade material da igualdade na formulação dos Estados pós-guerra (MARQUES, 2009, n.p).

Importante frisar a Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em 1948, criando o ente máximo das relações de estabilidade entre as nações. Esta Declaração, após as variantes propostas, formula o seguinte conceito sobre a igualdade em seu artigo 1°: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência, e devem agir em razão uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, 1948, n.p). Com o advento do Estado Democrático de Direito, e as garantias fundamentais que foram asseguradas aos cidadãos por meio das históricas gerações de direitos, observa-se que a igualdade não assegura a efetividade destes direitos a todos os cidadãos. A predisposição do homem é a desigualdade em função de suas características e virtudes pessoais intrínsecas, devendo sempre tratar os cidadãos de maneira igualitária – ao menos no texto legal.

1.3 Igualdade na Lei (sentido material)

A isonomia, para fins de estudos, pode ser classificada, de acordo com postulados kelsenianos, em igualdade na lei e igualdade perante a lei. Em relação a esta “personalidade dupla” deste princípio temos que a igualdade na lei diz respeito à ordem dirigida ao legislador, ou seja, no momento em que cria a norma, este está obrigado a observar que a isonomia deve cingir, factualmente, a todos. A igualdade na lei, material, ou como aponta ilustre Celso Bastos (1999, p.147), substancial, tem como objetivo a criação de condições mínimas de igualdade no campo da promoção da redução das desigualdades sociais, econômicas e políticas.

A respeito da igualdade na lei disserta o ilustre jurista (1999, p.145):

A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida. Essa igualdade, contudo, a despeito da carga humanitária e idealista que traz consigo, até hoje nunca se realizou em qualquer sociedade humana. São muitos os fatores que obstaculizam a sua implementação: a natureza física do homem, ora débil, ora forte; a diversidade da estrutura psicológica humana, ora voltada para a dominação, ora para a submissão, sem falar nas próprias estruturas políticas e sociais, que na maior parte das vezes tendem a consolidar e até mesmo a exacerbar essas distinções, em vez de atenuá-las. No campo político-ideológico, a manifestação mais acendrada deste tipo de igualdade foi traduzida no ideário comunista, que procura ainda tradução na realidade empírica, na vida das chamadas democracias populares. Ainda aqui, entretanto, a procura da igualdade material não foi de molde a eliminar as efetivas desigualdades existentes na vida das sociedades sujeitas a tal regime.

O jusfilósofo Hans Kelsen prescreve que o sentido do princípio da isonomia está no comprometimento de se fazer cumprir a igualdade na referida lei. Ainda, Kelsen ao raciocinar sobre a igualdade na lei, estabelece:

[...] as leis não podem – sob pena de anulação por inconstitucionalidade – fundar uma diferença de tratamento sobre certas distinções muito determinadas, tais como as que respeitam à raça, à religião, à classe social ou à fortuna. (apud MELLO, 2006, p. 16). Assim, a igualdade na lei, é a igualdade material dentro da perspectiva dogmática, leva a igualdade fática. Esta compreensão do direito à igualdade fática abre espaço para a consideração dos demais princípios e regras constitucionais, bem como os limites da realidade social em determinado momento histórico.

Observam Galuppo e Basile (2006, p.103) que o princípio isonômico apenas será substancial se, concomitantemente, for material também. Os autores vislumbram:

[...] tratar diferentemente os negros, criando, por meio dos direitos fundamentais, condições de inclusão social, significa tratá-los de modo juridicamente adequado, o que é necessário para assegurar a legitimidade, pois, conforme afirmamos, a legitimação do direito só pode se dar se houver uma igual possibilidade de participação real nos discursos de formação da opinião e da vontade, o que exige, muitas vezes, um tratamento diferenciado daqueles que são faticamente excluídos, implementando-se uma igualdade produtora e produzida pelo Estado Democrático de Direito [...]

Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2005, p.141) observa com lisura que há a consolidação desta perspectiva de tratamento aos cidadãos desiguais, ou que dispõem de menores chances de ascender socialmente e economicamente, quando há um paradigma social destes direitos que asseguram formas de igualação. Sobre o princípio da igualdade em sua acepção material, Uadi Lammêgo Bulos discorre brilhante exposição:

[...] Os homens nunca foram iguais e jamais o serão no plano terreno. A desigualdade é própria da condição humana. Por possuíram origem diversa, posição social peculiar, é impossível afirmar-se que o homem é totalmente idêntico ao semelhante em direitos, obrigações, faculdades e ônus. Daí se buscar uma igualdade proporcional, porque não se podem tratar igualmente situações provenientes de fatos desiguais. O raciocínio que oriente a compreensão do princípio da isonomia tem sentido objetivo: aquinhoar igualmente os iguais e desigualmente as situações desiguais. Dessa maneira, atribui-se ao princípio sentido real e não nominal, igualdade integral e não incidental ou particular, porquanto a igualdade consiste em assegurar aos homens que estão equiparados os mesmos direitos, benefícios e vantagens, ao lado dos deveres correspondentes. O mesmo ocorre em relação àqueles que estiverem desequiparados, os quais deverão receber o tratamento que lhes é devido à medida de suas desigualdades [...] (2007, p.120).

Desta forma, a isonomia abandona seu viés meramente formal para assumir uma concepção inovadora, atingindo – como conseqüência – a máxima: “tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. A determinação conceitual da igualdade material (igualdade na lei), e sua devida compreensão são essenciais no que toca as ações afirmativas, pois almejam o aperfeiçoamento do conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Ao prescrever que todos são iguais perante a lei, o constituinte dirigiu o princípio da igualdade não apenas ao legislador e aos cidadãos, mas também ao aplicador do Direito. Razão esta que reside na diferenciação entre a igualdade na lei e igualdade perante a lei.

1.4 Igualdade Perante a Lei (Sentido Formal)

Sob o prisma da igualdade perante a lei como diretiva dirigida ao aplicador da lei, faz-se necessário apontar primeiramente o caráter auto-aplicável da mesma, visto que é obvio que o aplicador da lei (julgador/magistrado) ao cumpri-lá, deve intentá-la com o máximo de efetividade. O princípio da igualdade material é trazido por meio de normas programáticas, sendo que sua essência remonta ao período iluminista francês, no século XIX, permanecendo na maioria dos ordenamentos jurídicos das democracias atuais. Nesse sentido, calha trazermos o enunciado por José Afonso da Silva, senão vejamos:

Nossas Constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciando que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos (2002, p. 213). Da forma como a norma é redigida, o aplicador está constrito a cumprir. O Supremo Tribunal Federal mantém o entendimento da dimensão da igualdade material embasado nos paradigmas do Estado Social Democrático de Direito. Nesse entendimento, é valido transcrever trecho do explicitado no seguinte acórdão proferido (BRASIL, 2009, n.p):

MANDADO DE INJUNÇÃO - PRETENDIDA MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDOR PÚBLICO (INCRA/MIRAD) - ALTERAÇÃO DE LEI JA EXISTENTE - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - POSTULADO INSUSCETIVEL DE REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA INOCORRENCIA DE SITUAÇÃO DE LACUNA TECNICA - A QUESTÃO DA EXCLUSAO DE BENEFICIO COM OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - MANDADO DE INJUNÇÃO NÃO CONHECIDO. O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não e - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório.

Desta forma, a igualdade perante a lei é a forma com a qual os aplicadores da lei (magistrados ou juristas de qualquer ordem) estão adstritos ao texto legal. O aplicador da lei deve, então, se ater, logicamente, à interpretação devida no caso concreto. Valendo-nos dos postulados da Teoria Pura do Direito, Kelsen defende que a igualdade perante a lei não possuiria acepção típica alguma se as formas de diferenciação dos diferentes indivíduos não vierem especificadas legalmente, promovendo, de fato, a igualdade (MELLO, 2006, p.10).

Nesse ínterim, é justo transcrevermos o explanado (apud MELLO, 2006, p. 16):

Se a Constituição contém uma fórmula que proclama a igualdade dos indivíduos, mas não precisa que espécies de distinções não devem ser feitas entre estes indivíduos nas leis, tal igualdade constitucionalmente garantida, não mais poderá significar outra coisa senão que igualdade perante a lei. O princípio da igualdade é consagrado no Direito Constitucional Brasileiro, pela Carta Magna de 1988 no art. 5°, caput, disposto como direito individual em que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988, n.p). Igualmente, faz-se a ressalva estabelecida por Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p.09) quando garante que não apenas perante a norma posta se equiparam os cidadãos, mas ainda, à sua edição (igualdade na lei) há de ser notado o tratamento equânime.

João Mangabeira (apud PINTO FERREIRA, 1983, p.771) entende que a igualdade em seu sentido formal não é suficiente para determinar as contradições originárias do modo de produção capitalista, sendo que somente a efetivação das iguais oportunidades é que virão a atingir os objetivos concernentes à dignidade da pessoa humana. Para que haja iguais oportunidades são necessárias iguais condições de ascensão social. Entre os cidadãos desiguais, devem ser priorizadas iguais oportunidades e iguais condições devido à capacidade pessoal de ação e direção. A igualdade social não implica em um nivelamento entre os homens naturalmente desiguais. O que o princípio isonômico deve estabelecer é a redução das desigualdades criadas pelos privilégios econômicos. Observa-se que na estrutura social moderna, na qual o trabalho é social, e, por conseguinte social a produção dos bens, entretanto o lucro é individual e permanece restrito às camadas mais abastadas da sociedade.

Galuppo (2002, p.152), discorre sobre o princípio isonômico em sua concepção aritmética:

[...] No direito moderno, que pressupõe uma política cujas decisões são tomadas quantitativamente, e não qualitativamente, e que pressupõe uma sociedade que não se estrutura hierarquicamente, mas isomorficamente, a igualdade tem que ser concebida como igualdade aritmética, pois qualquer outra forma de igualdade implicaria reconhecer maior ou menor importância às pessoas. A igualdade aritmética, estendida pela universalização dos direitos a todos os homens, é um conceito inclusivo de igualdade, que exige que o maior número possível de pessoas (idealmente, a humanidade, mas, pelo menos, os cidadãos) seja incluído pela proteção jurídica. Conseqüentemente, a igualdade tem que ser concebida como um procedimento de inclusão formal e material nos discursos de justificação e aplicação das normas, e o Direito só pode ser tido como legítimo se garantir essa igualdade nos discursos que realiza [...]

O legislador constitucional recomenda ao aplicador da lei que a faça valer de fato, e não meramente como norma programática. Uma vez que reconhecida a igualdade entre os tutelados a maior garantia fundamental do Estado Moderno, ensejadora de todos os outros direitos; sejam políticos, individuais ou sociais que advieram posteriormente. Portanto, deve-se visualiza-lá, desta forma, efetivamente como magno princípio constitucional.

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Conceito

O Estado Constitucional de Direito é regido pela sua submissão às leis gerais e abstratas, e pela atual garantia do acesso à justiça, da liberdade, e da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Em filiação a doutrina de José Joaquim Gomes Canotilho (1993, p.62), o mesmo estabelece que a expressão “Estado Constitucional” refere-se às várias etapas de determinados estados constitucionais modernos. O autor, primeiramente, estabelece o chamado Estado de Legalidade Formal que é assinalado pela vinculação do Estado através de leis gerais e abstratas, elaboradas em acordo com determinados procedimentos. Os direitos fundamentais e a adstrição de sua defesa pelo legislador são requisitos observados no Estado de Direito Material. O Estado de Justiça, período atual no estágio das constituições promulgadas democraticamente, onde há um controle judicial para a aplicação dos princípios materiais e formais do Estado Constitucional de Direito, sendo estabelecidos os princípios de procedimento e processo para a solução dos litígios (CANOTILHO, 1993, p.63).

José Afonso da Silva (2002, p.175) aponta para a problemática da definição de direitos fundamentais, entendendo que o alargamento dos ditos direitos fundamentais do cidadão no processo histórico dificulta a definição de um conceito sintético e preciso. Esta dificuldade é aumentada devido à circunstância de se empregarem várias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.

O  doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 89), estabelece ser

[...] pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material [...]

A consagração das normas jurídicas que asseguram a efetividade dos direitos fundamentais se dá no momento em que as mesmas são inseridas fora do bojo das constituições meramente formais. Ao garantir a respeitabilidade aos direitos fundamentais, e a elevação desse respeito à categoria de princípio, ocorre o nascimento de um status jurídico-material aos cidadãos tutelados pelas garantias fundamentais.

O conceito de direito fundamental na Carta Magna de 1988 foi abrangido em sua forma material, já que há referência expressa a uma qualificação dos direitos fundamentais, motivada não apenas pelo fato de virem escritas na carta constitucional ou por constarem em título próprio, mas também pelo conteúdo, sendo que os direitos fundamentais estão espalhados não apenas no título respectivo, mas também diante todo o texto constitucional. Tal entendimento é consolidado pelo STF na ADIn 939/07-DF (BRASIL,1993, p.68-69), quando entendeu que os direitos fundamentais não constam somente no bojo do art.5°, e incisos, sendo que as disposições fundamentais estão disseminadas em outros artigos da Carta Constitucional.

Robert Alexy (2002, p.65) já previra justamente isso – ou seja, que os direitos fundamentais não necessariamente encontram-se veiculados no título a que são referidos, uma vez que os mesmos podem ser visualizados em outras seções da carta constitucional. Nesta linha de consideração Canotilho (1993, p.561), afirma que a conceituação dos direitos fundamentais alude a conteúdos e valores humanísticos, preservando os ditos valores básicos (fundamentais), qualificando determinados direitos como fundamentais ou não. Em uma conceituação formal, abraçamos o entendimento de Alexy (2002, p. 62), quando entende que os direitos fundamentais advêm das normas postas na Carta Constitucional. O conceito de direitos fundamentais é de difícil delimitação, sendo que se a definição se delimitasse a uma ou outra geração destes direitos, esta seria muito mais fácil. Outro obstáculo diz respeito ao fato da Constituição Federal adotar uma diversidade de terminologias para se referir aos direitos fundamentais.

Alexandre de Moraes delimita o conceito dos direitos e garantias fundamentais:

[...] O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais (2006, p. 21)

A UNESCO (United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization), braço institucional da Organização das Nações Unidas (ONU), considera desta forma os direitos fundamentais:

[...] por um lado uma proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado, e por outro, regras para se estabelecerem condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (apud MORAES, 2006, p. 22) [...]

Diante de todas as conceituações postas sobre os direitos fundamentais, podemos concluir que os mesmos garantem os direitos ditos indispensáveis para a manutenção da dignidade dos cidadãos, e para o necessário desenvolvimento dos outros direitos; sempre visualizando a igualdade e a liberdade da pessoa humana. Tais direitos não devem ser apenas reconhecidos, mas também efetivados materialmente.

2.2 Titularidade dos Direitos Fundamentais

A positivação dos direitos fundamentais assentou sobre a pessoa humana o centro da titularidade de direitos. Conforme Canotilho (1993, p.555) expõe, o princípio da universalidade dos direitos fundamentais prega pela observação desses direitos a todas as pessoas, já que são direitos humanos e não apenas direitos dos cidadãos nacionais. Ou seja, todos aqueles que estiverem no território nacional, sejam brasileiros natos ou não, terão a garantia de terem resguardados os seus direitos fundamentais. Celso Bastos (1999, p.146) comenta tal disposição constitucional no que toca aos destinatários dos direitos fundamentais:

[...] A nós sempre nos pareceu que o verdadeiro sentido da expressão brasileiros e estrangeiros residentes no País é deixar certo que esta proteção dada aos direitos individuais é inerente à ordem jurídica brasileira. Em outras palavras, é um rol de direitos que consagra a limitação da atuação estatal em face de todos aqueles que entrem em contato com esta mesma ordem jurídica. Já se foi o tempo em que o direito para os nacionais era um e para os estrangeiros outro, mesmo em matéria civil. Portanto, a proteção que é dada à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade é extensiva a todos aqueles que estejam sujeitos à ordem jurídica brasileira. É impensável que uma pessoa qualquer possa ser ferida em um destes bens jurídicos tutelados sem que as leis brasileiras lhe dêem a devida proteção. Aliás, curiosamente, a cláusula sob comento vem embutida no próprio artigo que assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]

Estas garantias apenas trarão exceções nos casos em que a Constituição dispuser expressamente de forma contrária, como no caso dos direitos políticos e nos direitos sociais relativos ao trabalho. Contudo, observa José Afonso da Silva (apud MENDES; COELHO; BRANCO, 1982, p.165-167) que há normas infraconstitucionais que visam proteger posições subjetivas dos estrangeiros, sem consideração ao fato dos mesmos não residirem no país. Hoje, a doutrina é pacífica no sentido de que as pessoas jurídicas também têm a titularidade dos direitos fundamentais. Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco asseveram que (2000, p.165):

[...] não haveria por que recusar às pessoas jurídicas as conseqüências do princípio da igualdade, nem o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo de correspondência, a inviolabilidade de domicílio, as garantias do direito adquirido, do fato jurídico perfeito e da coisa julgada. Há mesmo casos de direitos dirigidos diretamente à própria pessoa jurídica, tal o direito de não interferência estatal no funcionamento de associações (art.5º, XVIII) e o de não serem elas compulsoriamente dissolvidas (art.5°, XIX). Celso Bastos (1999, p.147) também corrobora o entendimento:

É de pequeno alcance, a nosso ver, a discussão em torno do ponto de saber se estes direitos são deferidos às pessoas físicas, ou, também, às jurídicas. Mais uma vez, aqui, quer-nos parecer que o Texto disse menos do que pretendia. A tomá-lo na sua literalidade seria forçoso convir que ele só beneficiaria as pessoas físicas. Mas, novamente, estaríamos diante de uma interpretação absurda. Em muitas hipóteses a proteção última ao indivíduo só se dá por meio da proteção que se confere às próprias pessoas jurídicas. O direito de propriedade é um exemplo disto. Se expropriável uma pessoa jurídica, ela há de o ser mediante as mesmas garantias por que o são as pessoas físicas. Ressalvado o caráter de especificidade dos direitos fundamentais é lógico demonstrar que alguns deles podem ser referidos unicamente a algumas categorias de pessoas. Desta forma se faz por conceber que os titulares dos direitos fundamentais podem o ser apenas em determinada fase da vida, a exemplo do serviço militar obrigatório aos 18 anos de idade como perfaz o disposto no art.143 da Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988, n.p).

Conquanto, vale mencionarmos que Canotilho (1993, p.557) prega que no âmbito dos direitos fundamentais, há direitos que não necessitam estritamente de um grau de amadurecimento para serem praticados, pois encerrariam a sua titularidade atrelada às exigências de idade, fixadas na legislação cível.

2.3 A Igualdade como Direito Fundamental

As garantias constitucionais fundamentais têm como objetivo básico preservar aqueles direitos ditos indispensáveis ao desenvolvimento adequado do ser humano. Neste ponto, o princípio da igualdade tem status de direito fundamental dada à devida proteção oferecida pelo Estado de Direito aos cidadãos tutelados no sentido de dar oportunidades de igualação a todos dadas as visíveis diferenças de ordem política, social, jurídica ou econômica entre os indivíduos. Nas relações privadas, em uma relação de igualdade fática, as partes ficam obrigadas a respeitarem os direitos fundamentais. Em assertiva sobre a igualdade como direito fundamental, Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco afiançam:

[...] No Brasil, os direitos fundamentais são protegidos nas relações entre particulares por meios variados. Eles o são por via de intervenções legislativas – basta notar a pletora de atos legislativos assegurando a formação livre da vontade dos economicamente mais fracos e prevenindo a discriminação, no âmbito das relações civis, em especial nas de consumo e nas de trabalho [...] (2007, p. 272)

Os direitos fundamentais, hoje, têm atingido um prestígio social tamanho que se tornaram indispensáveis nas sociedades democráticas, representando uma garantia do acesso à justiça. Várias batalhas sociais foram travadas e vidas foram perdidas para que homens e mulheres atualmente contassem com este mínimo essencial de direitos resguardados pelas Cartas Magnas dos Estados. Conquanto o não aprofundamento na teoria do mínimo essencial neste trabalho, vale ressaltar que o mínimo essencial simboliza o ponto central das garantias fundamentais, visto que tais direitos vislumbram a defesa destas liberdades conquistadas pelos cidadãos de forma, também, a contribuir para o desenvolvimento de toda a sociedade.

O direito à igualdade de condições de vida e as oportunidades oferecidas para se atingir tais condições para ascensão social simbolizam a isonomia constitucional consagrada no art.5º, caput, (BRASIL, 1988, n.p) do nosso diploma legal magno, sendo que a igualdade entre os cidadãos – dentre os direitos de segunda dimensão – visam proporcionar os subsídios materiais imprescindíveis à concretização destes direitos fundamentais. A isonomia como direito fundamental, ícone das democracias modernas, significa que o legislador e magistrado em nenhum momento podem levar em conta predicados individuais para restringir os direitos de uma pessoa quando tal discrímen não justifique uma diferenciação satisfatória. A abordada diferença pela razão étnica (discorrida no próximo capítulo) significa o não-reconhecimento desta pessoa pelas suas individualidades. Este não-reconhecimento de grupos humanos que são faticamente desiguais, e não pertencem a classe dominante, não tem sido combatido veementemente pelo princípio isonômico.

3 AÇÕES AFIRMATIVAS

3.1 Conceito

O termo ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos da América na década de 60, no governo do então presidente John Fitzgerald Kennedy, que propunha medidas que visavam acabar com a discriminação que os negros sofriam, para que estes pudessem concorrer de forma igual com os brancos no mercado de trabalho (CRUZ, 2006, p.143). O legislador constituinte deu prioridade de proteção aos grupos que diante de um histórico de marginalização social, seja por quaisquer fatores, foram negadas iguais oportunidades de participação política se comparados a outros grupos de pessoas que não sofreram as mesmas espécies de restrições.

O Ministro Joaquim Barbosa (2001, p. 137) oferece a seguinte definição sobre as ações afirmativas: Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e emprego.

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (2007, p.59) conceitua ação afirmativa da seguinte forma:

[...] Entendemos as ações afirmativas como um conjunto de ações públicas, que pode ser diretamente implementadas pela legislação ou incentivado a partir de um programa estabelecido e que visam o rompimento de desigualdades históricas ou sociais no acesso ao efetivo exercício de direitos, bens e serviços considerados essenciais para uma vida digna. Desigualdades que não conseguem ser rompidas com os mecanismos tradicionais de inclusão social, como a expansão do mercado de trabalho ou o acesso universal à saúde e á educação. É importante destacar que iniciativas no âmbito das empresas privadas também podem ser classificadas como ações afirmativas, por exemplo, uma instituição financeira que adote um programa de responsabilidade social baseado na concessão de bolsas somente para meninas em local no qual as mulheres tenham dificuldade no acesso à educação ou somente para jovens afro-descendentes em um país no qual estes sejam sub-representados nas universidades públicas em relação ao percentual que representam na população como um todo [...]

Lima Junior (2001, p.139) delimita o conceito de ação afirmativa:

[...] A Ação Afirmativa tem a finalidade justamente de possibilitar, por meios mais ágeis, a igualação formalmente pretendida pela Constituição. Tratar desigualmente os desiguais, enquanto durar a desigualdade, é a fórmula para chegar a uma igualação prática sem para isso ser preciso esperar séculos de desenvolvimento social e cultural [...]

Na mesma linha de consideração, Paulo Lucena de Menezes (2001, p.27) traz o seu conceito:

[...] Ação afirmativa, nos dias correntes, é um termo de amplo alcance que designa o conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição em qualquer sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações negativas, sejam elas presentes ou passadas. Colocando-se de outra forma, pode-se asseverar que são medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados, o que se realiza por meio de providências efetivas em favor das categorias que se encontram em posições desvantajosas [...]

Álvaro Ricardo Souza Cruz (2005, p.143) entende as ações afirmativas como sendo “medidas públicas e privadas, coercitivas ou voluntárias, implementadas na promoção/integração de indivíduos e grupos sociais tradicionalmente discriminados em função de sua origem, raça, sexo, opção sexual, idade, religião, patogenia físico-psicológica, etc”.

Silva (apud SANTOS; LOBATO, 2003, p.72) ressalta, em sua obra:

[...] As Ações Afirmativas e as cotas são apenas dois dos principais meios que podem ser utilizados como instrumentos capazes de propiciar mobilidade social aos afro-descendentes, a fim de integrá-los economicamente e socialmente aos demais membros da sociedade inclusiva, sem olvidar outras formas fecundas de obter justiça social. Porém, é importante enfatizar que essas propostas deverão vir acompanhadas de outras medidas de cunho social, universalistas, tais como: melhorias na qualidade de ensino público; políticas de redistribuição de renda; aumentos e reajustes reais de salários e vencimentos; reforma tributária, reforma agrária e etc [...]

Estes grupos socialmente marginalizados que não dispõem de meios suficientes para ascender socialmente, vêm sendo incluídos socialmente com as ações afirmativas, demonstrando que a isonomia vem deixando seu caráter formal de lado para efetivamente oferecer um tratamento diversificado, consagrando, desta forma, a igualdade material. Porém, há um alerta para que não confundamos os conceitos de ações afirmativas como de o de cotas raciais:

[...] Atualmente no Brasil existe uma confusão entre o conceito de ações afirmativas e de cotas raciais ou sociais. Ações afirmativas podem ser compreendidas como ações públicas ou privadas, ou ainda, como programas que buscam prover oportunidades ou outros benefícios para pessoas pertencentes a grupos específicos, alvo de discriminação. Tais ações têm como objetivo garantir o acesso a recursos, visando remediar uma situação de desigualdade considerada socialmente indesejável. Para isso, instituem um tratamento preferencial que pode ter diferentes perfis. A instituição de metas ou cotas é um dos recursos de correção ou compensação aos mecanismos de discriminação. Nesse sentido, ações afirmativas no ensino superior correspondem ao estabelecimento de dispositivos que promovam o acesso e a manutenção, nas universidades, de estudantes pertencentes a grupos sociais que historicamente têm sido objeto de discriminação. Tais ações têm se desenvolvido por meio de diferentes instrumentos, organizados ou não pelo sistema de cotas [...] (BRASIL, 2008, p.217).

O Estado conhecendo das desigualdades históricas, enraizadas na cultura e nos costumes populares, que culminam na discriminação de certos grupos, deve desenvolver formas de estímulo e políticas públicas, até mesmo emergenciais, para que venham a minimizar os efeitos desta desigualdade. As ações afirmativas, portanto, são vislumbradas como medidas especiais promovidas pelo Poder Público que tem por intuito acelerar a efetivação da igualdade – como princípio constitucional que é – entre os ditos grupos desiguais.

3.2 Histórico das Ações Afirmativas (Discriminação Racial)

Desde o século XVIII, quando da Independência dos Estados Norte-Americanos e da Revolução Francesa, foram pregadas as bases para a luta contra qualquer forma de discriminação racial, uma vez que observado o ideal democrático e a luta do homem por seus direitos basilares. O lema “igualdade, fraternidade, e liberdade” da Revolução Francesa de 1789, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão propugnavam que todos os homens eram iguais perante a lei (MORE, 2009, n.p). Os negros vindos das colônias africanas no século XVI para trabalharem como escravos a serviço de Portugal, fizeram com que houvessem diversas revoltas organizadas, tais quais: a Revolta dos Malês, na Bahia e a República de Palmares, em Alagoas (SIQUEIRA, 2009, n.p).

Com o fim da escravidão negra no papel, mas não de fato, os negros buscaram eliminar todas as formas discriminação que sofriam. Para isso foi estabelecida, na década de 40, a Frente Negra de Combate ao Racismo (ALBERTI; PEREIRA, 2009, n.p). No Brasil, no que tange ao período ditatorial militar, houve por parte do governo militar uma violenta repressão contra qualquer movimento negro que se organizasse, já que à época qualquer movimento organizado que reivindicasse algo ao governo era considerado um lugar de políticas subversivas comunistas (DOMINGUES, 2009, n.p).

Conforme balizado no início do capítulo, as ações afirmativas tiveram início nos Estados Unidos, quando promulgada a Carta dos Direitos Civis de 1964, devido às manifestações pelos direitos civis dos americanos negros liderados por Martin Luter King. Os ideais das lutas raciais nos EUA foram disseminados para todo o restante do mundo, de forma sempre a buscar a igualdade das classes (SILVA apud CARDOSO, 2009, p.04). No ano de 1968, a ONU sob a ratificação de 157 países – inclusive o Brasil que a ratificou em 1969 por meio do Decreto-Lei n° 65.810 –, aprovou a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Desde então a ONU vem se esforçado no sentido de abolir qualquer forma de racismo, ou práticas xenófobas – tão comuns nos países europeus (BRASIL, 1969, n.p). Na década de 70, ainda na vigência da ditadura militar, o movimento negro que voltou a se articular, cultural, política e ideologicamente para lutar não apenas contra o “preconceito racial”, mas também contra qualquer forma de “discriminação racial”, impulsionando o renascimento de uma imprensa negra. A divulgação destes ideais abriu caminho para nos anos seguintes pudessem ser criados de Conselhos de Estado, ONGs, e acessorias especializadas (DOMINGUES, 2009, n.p).

O retorno ao regime democrático em 1985, e a posterior promulgação da Carta Constitucional em 1988, permitiram uma reestruturação econômica brasileira – seriamente abalada pela política do crescimento a todo custo. Todavia, tal avanço não se fez acompanhar nas áreas da educação e acesso ao mercado de trabalho, tendo mais uma vez o Poder Público renegado a questão da desigualdade racial a segundo plano, e mantendo a margem do avanço econômico e institucional os grupos menos favorecidos economicamente, que em sua maioria são compostos pelos negros e pardos (LUZ, 2009, n.p). O movimento negro percebeu deste ponto em diante que sua luta necessitava ultrapassar as barreiras de combate aos crimes de racismo. As camadas mais organizadas do movimento negro se mobilizaram em relação ao governo, exigindo a implementação de políticas afirmativas em nosso país de forma a concretizar a fama internacional brasileira de democracia racial (GONZALEZ, 2009, n.p).

Como demonstra Guimarães (2003, p.252), a partir de 1996, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi organizado um seminário internacional sediado em Brasília, que discutiu o racismo no Brasil e o papel das ações afirmativas, sendo convidados pesquisadores brasileiros e norte-americanos, bem como várias lideranças negras nacionais. Tudo culminou com a participação brasileira, em 2001, na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, realizada em Durban na África do Sul. O Brasil participou desta conferência e assinou uma plataforma de compromissos, e de adoção de políticas de redução das desigualdades perante uma audiência global (GUIMARÃES, 2003, p.254-256). Assim sendo, como resta demonstrado pelo histórico das ações afirmativas, houveram várias lutas para que os grupos socialmente marginalizados pudessem de fato ser inseridos no círculo social a que pertencem. No Brasil, esta luta ainda está em sua fase inicial, sendo que o Poder Público começa a elaborar políticas de inserção destes grupos – as chamadas ações afirmativas.

3.3 Sistemas das Ações Afirmativas

Os sistemas de ações afirmativas dizem respeito aos modos e métodos que o Estado tem o dever constitucional de desenvolver, sob o prisma do princípio da isonomia, conforme o exposto no art.3°, e incisos, da Constituição Federal, in verbis:

[...] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa, e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação [...] (BRASIL, 1988, n.p)

As ações afirmativas, portanto, tem como alvo minimizar a discriminação de qualquer grupo; sejam os indígenas, pessoas com qualquer tipo de deficiência mental ou física, mulheres, negros, estrangeiros, homossexuais, idosos, etc. As formas de viabilização das políticas afirmativas podem pela discriminação lícita, incentivada pelo Poder Público em todas as suas esferas de atuação. Cruz (2005, p. 133) discorre que a discriminação ilícita pode ser vista em todas as sociedades modernas e o Estado tem o dever de eliminar. A teoria marxista atribui que a origem comum da discriminação é o elemento econômico da sociedade. Não haveria correlação em promover políticas públicas e privadas ligadas ao fator raça, por exemplo, já que não seria o negro o discriminado, e sim a classe proletária em geral.

As teorias compensatórias surgiram como fundamento de validade para as ações afirmativas, de forma que as discriminações realizadas no passado seriam convertidas em indenizações aos descendentes destes grupos que sofreram discriminação. Na Conferência Mundial da ONU sobre racismo na África do Sul em 2001, foi aprovada a tese de que os países que lucraram com a escravidão deveriam indenizar os mais de 300 anos da escravidão negra, da mesma forma em que a Alemanha pós-nazismo indenizou as vítimas do holocausto (CRUZ, 2005, p. 135-138). Entretanto, as teorias compensatórias sofreram críticas, uma vez que qualquer legislação sobre reparação indenizatória prescreve que esta deve recair apenas sobre aquele agente que os praticou, e apenas este pode ser acionado judicialmente. Ainda, no caso da Alemanha observa-se que o lapso temporal foi curto, já que houve o julgamento de Nuremberg logo após a guerra em 1946, e ainda houve a reparação pela própria reinserção da Alemanha no convívio com as demais nações do mundo. (CRUZ, 2005, p. 140).

No caso brasileiro, questiona Cruz (2005, p.142), como viabilizar esta indenização, se não há meios de se identificar as raças? O autor faz uma comparação interessante quando diz que nesses casos resta prejudicada tal justificativa indenizatória, pois seria o mesmo que cobrar da Itália uma indenização pelos prejuízos cometidos contra as nações mediterrâneas pela expansão do Império Romano. Sempre que percebida uma desigualação entre as pessoas, o legislador deve procurar efetivar meios de promover a igualdade material entre estes desiguais. Desta forma o fez o legislador pátrio diversas vezes, tais quais temos como exemplos: Decreto-Lei 5.452/43 (art. 354 da CLT), que prevê o mínimo de dois terços de brasileiros empregados nas empresas individuais ou coletivas; (art. 373 da CLT) que estabelece a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres; Lei 8.112/90 (art. 5°, § 2°), que prescreve cotas de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da União; Lei 8.213/91 (art. 93), que fixa cotas para deficientes no setor privado; Lei 8.666/93(art. 24, XX) que preceitua a inexigibilidade de licitação para a contratação de associações filantrópicas de portadores de deficiências; Lei 9.504/97 (art.10, § 2°) que prevê cotas para mulheres nas candidaturas partidárias. (RIBEIRO; SOARES, 2009, n.p)

Outro exemplo de ações afirmativas realizadas que dizem respeito à minimização das desigualdades entre brancos e negros são os sistemas de bonificação para alunos egressos das escolas públicas e/ou negros a exemplo do modelo da Universidade de São Paulo e os cursinhos preparatórios para o vestibular destinados a jovens negros que operaram na década de 80, e ainda operam até os dias atuais, tais quais o Educafro em São Paulo, e o Pré-Vestibular para Negros e Carentes no Rio de Janeiro (MAGGIE apud GUIMARÃES, 2003 p.259). A inclusão social dos negros significa também o acesso à cidadania, ao conhecimento das obrigações civis e políticas que toda a sociedade deveria possuir, não apenas formalmente, mas dentro de uma perspectiva real do cotidiano. A política de cotas para os cidadãos de cor negra, quando assume o compromisso social minimizar as desigualdades que advém, há tempos, de um extenso processo de marginalização social, carece de buscar neste esforço um completo conjunto de políticas públicas.

Delimitando desde já o tema de nosso estudo, nos focaremos no sistema de cotas raciais para negros no exame vestibular da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, como forma de adequar o intuito real das ações afirmativas que visam efetivamente à inclusão de todos, ampliando o acesso ao Ensino Público Superior no Mato Grosso do Sul, e por conseqüência oportunizando através da formação profissional acesso a iguais oportunidades de trabalho.

3.4 O Regime de Cotas Para Negros nas Universidades: Quadro no Brasil

As políticas de ação afirmativa no que tange a área educacional é atualmente um tema de extrema polêmica na agenda pública em nosso país. Desde a adoção das cotas para negros na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade de Brasília, muitos estudiosos e os próprios cidadãos se posicionaram contra ou a favor do sistema de cotas (IRINEU, 2005, p.50). Podemos visualizar com isto que os meios utilizados para o ingresso dos cotistas no ensino superior vão desde os critérios históricos de desigualdade, dado todo o sofrimento causado a raça africana que veio ao Brasil como escravos, até o debate antropológico sob o questionamento se hoje existem “raças” exatamente definidas no Brasil, dada a elevada miscigenação física e cultural de nosso povo, o que justificaria a proteção aos grupos marginalizados.

O sistema de cotas é a modalidade de ação afirmativa que tem demonstrado os resultados mais expressivos na tentativa de inserir o negro no mercado de trabalho, e reduzir a desigualdade em comparação às etnias de cor branca no Brasil. Entretanto, Cruz (2005, p.141) discorre sobre a dificuldade de se implementar uma eficaz política afirmativa:

[...] Admitir a discriminação, especialmente quando ela se faz de modo não consciente, fundada em tradições socioculturais, não é coisa simples. Envolver a maioria em favor de ações afirmativas geradoras, de custos socioeconômicos e políticos, é uma tarefa espinhosa e que certamente envolve riscos de erros e desacertos. Contudo, este risco somente é assumido quando admitimos sua indispensabilidade na configuração de uma sociedade democrática. [...] Nesse sentido, o principal risco é o do paternalismo do Estado Social. Dito de outro modo, medidas afirmativas que se iniciam “apenas” para atender ao “politicamente correto”, ou de cunho puramente eleitoreiro. Incluem-se aqui também medidas sem qualquer planejamento, ou seja, que não tenham perspectiva da provisoriedade da mesma [...]

As cotas raciais nas universidades públicas brasileiras operam em 48 universidades[1], garantindo o acesso do grupo negro ao ensino superior público. É conveniente expor ainda que a maioria das 27 instituições estaduais implementaram a política de cotas raciais seguindo determinações criadas por leis estaduais. As federais, cujas experiências já atingem 21 instituições, o fizeram em decorrência de deliberações dos Conselhos Universitários Superiores (BRASIL, 2008, p.215; 218).

Existem hoje no Brasil quatro tipos de modelos de ações afirmativas que envolvem os jovens negros para ingressarem no ensino superior público. O primeiro diz respeito ao modelo das cotas raciais simples, representado pela experiência desenvolvida na Universidade de Brasília (UNB); o segundo remete às cotas raciais e sociais independentes, como ocorre na Universidade Federal do Paraná (UFPR); o terceiro modelo refere-se à experiência de cotas raciais e sociais coligadas como o faz a Universidade Federal da Bahia (UFBA); e o quarto modelo, é o corrente na Universidade de Campinas (UNICAMP), elucidando o sistema de bonificação (BRASIL, 2008, p.221).

No ano de 2004 a UnB inaugurou o sistema de reserva de cotas para alunos de cor negra (20% das vagas são reservadas a alunos que se declararem negros no ato da inscrição do exame vestibular), por meio de uma auto-declaração dos cidadãos que pleiteiem o ingresso na Universidade por meio das cotas (BRASIL, 2008, p.221). Porém, o sistema da UNB não se limitou apenas na adoção das cotas. Todavia, trabalhou de modo a desenvolver nesse sistema um conjunto vasto de ações que atuassem em variadas esfera desta instituição. Com este escopo, foi criada a Assessoria de Diversidade e Apoio aos Cotistas, que tem por objetivo coordenar o Centro de Convivência Negra. Este último tem a função de sediar encontros e práticas políticas de formação para estes estudantes negros que ingressaram nesta universidade.

Segundo Maria Clareth Gonçalves Reis, o Programa Políticas da Cor na educação brasileira da UERJ, na maioria das universidades a auto-declaração é utilizada como forma de identificação dos candidatos a este sistema (LOPES; BRAGA, 2007, p.274). No Congresso Nacional há o projeto de lei (n° 73/99) em trâmite que pretende a obrigatoriedade das cotas para todas as instituições de ensino superior, sendo que conforme exposto anteriormente, 48 universidades públicas brasileiras adotaram ações afirmativas, inseridas as de cotas para negros, no ensino superior. Neste ínterim, é visível a tendência do aumento do número destas universidades aderirem ao sistema de cotas (PACHECO; SILVA, 2007, p.48).

4 POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NA UEMS E CONSTITUCIONALIDADE DIANTE DA ISONOMIA

4.1 Análise das Políticas Raciais

Conforme exposto no primeiro capítulo deste trabalho, o princípio da igualdade abrange tanto sua conceituação formal ou material, sendo que o formal colaciona uma perspectiva de isonomia jurídica, e o material coteja aspectos fáticos, econômicos e sociais em vista da capacidade de se efetivar estes aspectos. A Constituição Federal de 1988 rechaça qualquer forma de racismo, sendo tal prática um crime “inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão” conforme prescreve o inciso XLII do art.5°. Ross (2003, p. 319) expõe que “[...] a exigência formal de igualdade não exclui uma diferenciação entre pessoas que se acham em circunstâncias distintas. O único requisito á que a diferença deve atender ao fato de que à luz de certos critérios relevantes as pessoas que pertencem a classes diferentes [...]” Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que os negros e pardos compreendem 47% da população do país, enquanto a população de cor branca abarca 52% dos cidadãos do país. Entretanto, entre os estudantes que tem acesso ao ensino superior, há uma visível diferença que se reflete em números: 14,1% dos negros contra 46,4% dos brancos têm oportunidade de se graduar em nível superior (CARDOSO, 2009, n.p).

Portanto, nada mais legítimo que o Estado use de meios de igualação para permitir aos negros que ascendam socialmente de forma a se equiparar aos brancos. Nesse meio insere legitimamente as ações afirmativas raciais, e mais especificamente, a política de garantia de cotas no ensino superior. A idéia de “democracia racial”, e do Brasil como um país multicultural e sem preconceitos sempre se mostrou uma falácia, a exemplo dos negros, conforme dados estatísticos, que sempre ocuparam os cargos de trabalho onde a remuneração é menor. Ana Maria Lúcia Valente (1994, p.38) expõe a falácia da democracia racial no Brasil:

[...] O mito da democracia racial busca esconder os conflitos raciais existentes e diminuir sua importância, passando uma idéia mais ‘bonitinha’ para a sociedade. Também é propriedade desse mito o controle eficaz sobre a população negra, sem que se exerça uma violência visível como acontece nos Estados Unidos e na África do Sul. No Brasil, a violência é ‘invisível’[...] Segundo os dados do IBGE, revela-se a existência de um desnivelamento social gigantesco no Brasil, sendo que esta agressão social contra a raça negra, evidenciada na desigualdade racial e no preconceito disfarçado, deve passar por um processo para que se busque uma efetiva igualdade social e, sobretudo, racial. Outrossim, há muitos anos há uma preocupação governamental em inserir o negro na conjuntura social brasileira, utilizando para isso medidas políticas públicas que contrafaçam a discrepância educacional, social e financeira vivenciada pelos afro-descendentes. Esta forma de “discriminação positiva”, que abraça ideais e objetivos sinceros, libera um ambiente de contemplação constitucional das ações afirmativas diante do princípio da igualdade.

A igualdade, elevada à categoria de princípio na Constituição Federal, não tem o poder de fazer com que os cidadãos se sintam iguais, ou seja, a titularidade do direito ao reconhecimento como semelhantes não depara manifesta coincidência na área fática da vida cotidiana. O clássico jurista Rui Barbosa disserta sobre a correta acepção do princípio da igualdade:

[...] A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem [...](2003, p.19)

A própria constituição resolve o debate sobre o princípio da igualdade e as ações afirmativas, quando em seus dispositivos legais resta evidente a vontade de promover uma igualdade que vai aquém do mérito substancial, visto também que a igualdade formal revela-se em uma necessidade de neutralidade processual. É justamente neste ponto que o Estado, visando a isonomia material, atua de forma a buscar a concretização da igualdade positivada nas cartas constitucionais.

4.2 Critérios de Aferição Racial: Genótipo, Fenótipo ou Histórico

Entre os critérios para se definir, de fato, quem é negro ou não, está o critério genético (genótipo ou fenótipo) e o critério histórico. Tal questão nos remete a uma análise antropológica para saber quais são os titulares legitimados a concorrer com os benefícios das políticas afirmativas para os negros, dentre estas a política de reserva de cotas nas universidades públicas. Na visão de Kabengele Munanga, professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP não é fácil definir quem é negro no Brasil:

[...] a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a pessoa pode se declarar como negro. No contexto atual, no Brasil a questão é problemática, porque, quando se colocam em foco políticas de ações afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra em jogo também o conceito de afro-descendente, forjado pelos próprios negros na busca da unidade com os mestiços. Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-se de uma decisão política [...] (MUNANGA, 2004, p.53)

Todavia, a opinião do renomado professor não é uníssona. Vale transcrevermos o exposto por Guimarães (2003, p.263-264), que utilizando uma pesquisa realizada na USP sobre a classificação de raça dos alunos, finaliza por apontar para uma bipolarização das raças, sabendo as pessoas se autoclassificarem como pertencentes ao grupo negro ou branco:

[...] quando fizemos a pergunta: Usando as categorias do censo do IBGE, qual a sua cor?, oferecendo como respostas possíveis as cinco alternativas censitárias (branco, preto, pardo, amarelo e indígena), dos 14.794 alunos de graduação que responderam ao censo, apenas 0,1% recusou-se a responder ou escolheu mais de uma opção. Quando selecionamos uma amostra aleatória, independente do censo, composta por 1.509 alunos, o percentual de não-resposta se elevou para 1,7%. Ou seja: está claro que a população brasileira, em particular a universitária, cultiva identidade de cor. Serão essas identidades tão fluidas a ponto de impedir políticas de cor? Creio que não. Mesmo os autores que ressaltam a ambigüidade do sistema de classificação racial brasileiro, como Peter Fry, reconhecem que este se assenta sobre uma polaridade básica entre branco e preto. Historicamente, é para esses pólos que convergem as reivindicações políticas [...]

Da simples observação dos critérios para a admissão dos concorrentes as vagas para negros, O critério direto para a admissão dos vestibulandos negros – em grande parte das universidades públicas – no sistema de cotas, inclusive a UEMS, é o fenótipo racial do negro (FERREIRA; ANDRADE, 2006, p.02). Ou seja, não importa se existe uma forte ascendência negra na estrutura genética do concorrente à vaga reservada aos cotistas. O que importa mesmo é se o candidato apresenta o biótipo clássico do negro: cabelos encaracolados, nariz largo, lábios grossos, e pele escura. Neste sistema, como o da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, imaginemos a hipótese de um cidadão branco, que se declara negro na preleção dos candidatos concorrentes aos 20% reservados aos negros no exame vestibular de nossa universidade. De acordo com a característica de análise somente pelo fenótipo do candidato, tal como faz a UEMS por meio das Resoluções CEPE/UEMS Nº 430 e N° 889, este teria sua inscrição nas vagas para negros imediatamente cancelada (MATO GROSSO DO SUL, 2003, n.p).

A pró-reitora de Ensino da UEMS em 2004, Dr.ª Maria José Jesus Alves Cordeiro, que concluiu sua tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP), incluiu entre seus estudos o desempenho dos alunos que ingressaram na UEMS por meio da reserva de cotas para negros. Em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, em sua versão on-line, explicou que a decisão de usar foto 5x7 foi do movimento negro (CORRÊA, 2009, n.p).

Naércio Ferreira Fernandes de Souza, presidente do Conselho Estadual dos Direitos dos Negros (CEDIN) em 2004, expõe que é favorável ao emprego das fotos para a seleção dos candidatos que concorrem aos 20% das vagas para negros quando exemplifica, em entrevista dada a Folha on-line: “[...]quando você vai a uma agência de emprego ou a uma firma, eles pedem a foto. Por meio da foto, a pessoa é contratada. Se a pessoa é negra da pele bem escura, não olham nem o currículo [...]” (CORRÊA, 2009, n.p).

O presidente do Conselho Estadual dos Direitos dos Negros ainda expõe:

[...] A nossa vantagem aqui (na UEMS) é que a lei foi direcionada. No mínimo, 20% para negros, e não para afrodescendentes [...] [...] Garantimos [vagas] de fato às pessoas que tinham o fenótipo, ao negro preto. [...] A sociedade discrimina o negro pela sua cor. Não é pelo gene, não é pelo sangue, mas pelos seus traços físicos [...] (CORRÊA, 2009, n.p). O problema da seleção de candidatos por meio do fenótipo negro resultou em inúmeras críticas e polêmicas no meio acadêmico e pela mídia, sendo clássico o caso personificado pela UNB onde apenas um dos irmãos gêmeos idênticos teve reconhecida sua “negritude”, sendo o outro irmão considerado “branco”. (ZAKABI; CAMARGO, 2007, p.78-85)

O jornal Folha de São Paulo, em matéria intitulada “Tribunal Racial” na data de 02/05/2004, critica a acepção de raças, e o critério de autodeclaração: [...] O sistema censitário brasileiro opera por meio da autodeclaração para distribuir a população em grupos segundo a cor da pele. O recurso à autodeclaração decorre do reconhecimento de que a espécie humana não se divide em raças. A identidade "racial" reflete o racismo: é subjetiva e mutante. No Haiti, um ditado em "créole" assevera que "nèg rich sé mulat, mulat póv sé nèg" (negro rico é mulato, mulato pobre é negro) [...] (TRIBUNAL..., 2009, n.p). É incompreensível que os critérios sociais, históricos e políticos são renegados a segundo plano devido a este modelo de sistema de cotas na UEMS. Este tipo de modelo não contribui na busca pela justiça social e por seu reequilíbrio na diminuição das desigualdades entre brancos e negros.  Do modo simplório como está redigida a lei n° 2.605, com apenas quatro artigos e sem nenhuma especificidade, esta pode deixar brechas para negros de camadas mais abastadas possam ingressar na UEMS por meio das cotas, a exemplo do que já ocorreu na unidade de Dourados (Apelação Cível N. 2005.015719-1/0000-00), conforme melhor abordaremos no capítulo seguinte.

Portanto, concluímos neste tópico pelo início das contradições do sistema de cotas da UEMS. Temos uma justificativa histórica de violação dos direitos fundamentais dos negros, por serem os mesmos escravos durante séculos, e pelo descaso do Poder Público, desde quando da abolição da escravatura, para propiciar meios de ascensão e igualação social aos negros, se comparados aos brancos. Entretanto, é utilizado apenas o fenótipo do negro para a admissão dos cidadãos às vagas cotistas em contraposição à justificativa histórica para a implementação da política de cotas raciais.

4.2.1 A Diversidade de Raças no Brasil

Desde o início da República sempre foi conhecida e difundida a diversidade de raças no Brasil. Juntamente com tal idéia, o Brasil sempre era visto como modelo a ser seguido no que toca a uma democracia racial, na qual todas as raças convivem socialmente em harmonia. Em 1933, Gilberto Freyre escreveu a obra “Casagrande e Senzala”, demonstrando um Brasil de raças mestiças, e devido a isso, admirável porque àquela época o mundo todo sofria com o preconceito racial em vários países, a exemplo da busca pela raça pura ariana de Hitler (PACHECO; SILVA, 2007, p.129-130).

Pacheco e Silva (2007, p.139) comentam sobre a obra de Gilberto Freyre:

[...] A mensagem de Freyre era que os negros e brancos, apesar de pequenos contratempos, viviam em harmonia. No texto, o autor resgatava a contribuição do negro para a formação da sociedade brasileira, contrariando a corrente que afirmava que o povo brasileiro era degenerado por causa da mestiçagem. Ele pregava exatamente o contrário: a mestiçagem gerou um país mais harmônico, porque contava com a contribuição de muitos povos, mostrando a influência exercida por todos na língua portuguesa, na alimentação, no cotidiano. Enfim, Casa Grande & Senzala tornou-se a excepcional resposta, não somente para o Brasil, mas para o mundo que vivenciava os conflitos étnico-raciais. Freyre apresentava um país em que esse tipo de conflito estava praticamente ausente. No Brasil, imperava a cordialidade do povo vivenciada numa democracia racial [...] Porém, a visão de Freyre não estava correta: a democracia racial no Brasil não era real, e mostrou-se utópica. Com estudos mais aprofundados, como o do pesquisador Florestan Fernandes, apontou-se para uma desigualdade de oportunidades entre as “raças” (cores branca e negra), e tendo como principal vilão o aspecto econômico. Nesse ínterim, Fernandes e Bastide apontam:

[...] De um lado, ela (a cor) permitia distinguir os indivíduos, por meio de caracteres exteriores, de acordo com sua posição na estrutura social. De outro, funcionava como um núcleo de condensação e de ativação de uma série de forças sociais, que mantinham a unidade e a estabilidade da ordem vigente. Pensamos, assim, que não foi por acaso que a cor foi selecionada cultural e socialmente como marca racial [..]. Passou a indicar mais do que uma diferença física ou uma desigualdade social: a supremacia das raças brancas, a inferioridade das raças negras e o direito natural dos membros daquelas de violarem o seu próprio código ético, para explorar outros seres humanos [...] (apud PACHECO; SILVA, 2007, p.131)

Justamente porque a ciência jurídica tem como função realizar a mediação entre a política e a moral, entretanto, não se confundindo com ambas, observa-se que esta problemática permite uma resposta da ciência jurídica. Em que condições, então, o uso do conceito de raça pode ser juridicamente admitido? É exatamente porque o direito realiza a mediação entre a moral e a política, mas não se confunde com elas, que a questão admite uma resposta jurídica. Jocélio Teles dos Santos, Professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, disserta em artigo sobre os critérios raciais:

[...] Os dados reforçam o argumento de que os brasileiros sabem definir quem é quem no espectro racial seja pelo sistema classificatório racial do IBGE ou por uma auto-classificação. Deslocar o problema para a indagação de como definir quem no Brasil é negro é escamotear a vontade política [...]

[...] Entretanto, quando se indicam possíveis ações para uma maior inserção de negros nas universidades públicas, e em suas carreiras consideradas socialmente de prestígio, o raciocínio simplista impera e demonstra argumentos rasteiros que se reduzem a um maniqueísmo típico da Terra Brasilis: contra ou favor a utilização de cotas? [...] (SANTOS, 2009, n.p). Os formuladores das leis que reservam as cotas para negros nos exames vestibulares no Brasil têm consciência da problemática de se definir quem é negro ou não no Brasil, tanto é que não se propuseram a definir o branco ou o negro, a partir de critérios objetivos, relegando tal definição para o cidadão candidato às vagas.

4.3 A Lei Estadual N° 2.605, de 06 de Janeiro de 2003

Conforme ocorre em todas as regiões do país, Mato Grosso do Sul apresenta um cenário de desigualdade entre as raças no acesso à educação superior, se comparados os brancos com os negros, como demonstram as inúmeras pesquisas realizadas pelos institutos de pesquisa nacionais. No início desta década, os movimentos sociais organizados começaram a pressionar o Poder Público para que este tomasse medidas executivas de forma a minimizar tais indicadores entre as cores, inserindo as políticas afirmativas para os negros no processo de igualação entre os cidadãos. Sob a influência do movimento negro no Mato Grosso do Sul, houve a promulgação da Lei Estadual n° 2.605/03, de autoria do deputado Pedro Kemp, quando houve, por unanimidade, a aprovação desta lei na Assembléia Legislativa Estadual. Esta lei, juntamente com a Lei n° 2.589/03 que reserva vagas para os indígenas, tem como objetivo resguardar 20% das vagas oferecidas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul para os cidadãos de cor negra (MATO GROSSO DO SUL, 2003, n.p).

Vale transcrevermos parte da justificativa do projeto de lei (2.605/03) sendo expostos os motivos da reserva de cotas para os negros na UEMS: Na Constituição Federal está expresso o princípio da igualdade de direitos, sendo papel do Estado promover o bem-estar social sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No entanto, por mais que na Lei conste expresso o repúdio a qualquer tipo de discriminação, vimos na prática a não superação do racismo. O Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, feito em parceria com Global Exchange, afirma que ‘a população negra brasileira é a segunda maior do mundo após a Nigéria, e o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão. A imensa desigualdade racial tem sua origem no processo de colonização. [...] O quadro de desigualdade social entre negros e brancos está relacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida, o mais significativo é o componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação formal, os negros também ocupam postos de menor prestígio no mercado de trabalho. Nesse sentido, é preciso que o Estado invista em políticas públicas afirmativas, invertendo a lógica da estrutura de oportunidades, que está profundamente marcada por práticas violadoras de direitos e de discriminações baseadas na raça [...] (MATO GROSSO DO SUL, 2003, n.p)

A lei n° 2.605/03 apresenta-se redigida desta maneira na sua íntegra:

Art. 1º A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deverá reservar uma cota mínima de 20% de suas vagas nos cursos de graduação destinada ao ingresso de alunos negros.
Art. 2º O Poder Executivo, por meio da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, regulamentará a matéria no prazo de noventa dias a contar da publicação desta Lei.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário. (MATO GROSSO DO SUL, 2003, n.p)

O objetivo almejado, quando da elaboração da lei, foi realmente a busca pela redução das desigualdades entre negros e brancos, entretanto, os critérios escolhidos no exame da inscrição do concorrente cotista devem ser aperfeiçoados.

4.4 Da Necessidade de Critérios Objetivos para o Sistema de Cotas Raciais na UEMS

Observa-se que as cotas raciais foram criadas no Mato Grosso do Sul sendo influenciadas pelos sistemas da UFBA e pela UERJ. Porém, em tais estados, a diferença é gritante no que toca às disparidades sociais, sendo que os estudantes que ingressam nas universidades públicas na Bahia e no Rio de Janeiro são em sua grande maioria advindos de escolas particulares. Flávia Piovesan (2009, n.p) discorre sobre os argumentos que embasam a necessidade das ações afirmativas para os negros no acesso ao Ensino Superior:

[...] O primeiro deles refere-se à própria exigência de uma educação voltada para valores e para a promoção da diversidade étnico-racial. Se o objetivo maior do processo educacional há de ser o pleno desenvolvimento da personalidade humana, guiado pelo valor da cidadania, do respeito, da pluralidade e da tolerância, afirma-se como absolutamente legítimo o interesse da Universidade em promover a diversidade étnico-racial, o que traduziria o benefício de maior qualidade e riqueza do ensino e da vivência acadêmica, contribuindo, ainda, para a eliminação de preconceitos e estereótipos raciais.

O segundo argumento é de ordem político-social. Se se pretende uma sociedade mais democrática, com a transformação de organizações, políticas e instituições, o título universitário ainda remanesce como um passaporte para ascensão social e para a democratização das esferas de poder, com o “empoderamento” dos grupos historicamente excluídos. Para ampliar o número de afro-descendentes juízes(as), advogados(as), procuradores(as), médicos(as), engenheiros(as), arquitetos(as), dentre outros, o título universitário mostra-se essencial. Acentua-se, ainda, que os afro-descendentes constituem menos de 2% dos estudantes nas Universidades públicas brasileiras, embora sejam 45% da população brasileira, que é a segunda maior população negra do mundo, com exceção da Nigéria. A pirâmide dos estudantes universitários brasileiros aponta na sua base os negros(as) provenientes das escolas públicas, seguidos dos brancos(as) das escolas públicas, por sua vez, seguidos dos negros(as) de escolas privadas e tendo em seu ápice os brancos(as) de escolas privadas. As ações afirmativas, enquanto medidas especiais e temporárias, simbolizariam medidas compensatórias, destinadas a aliviar o peso de um passado discriminatório, que faz do Brasil um dos últimos países a abolir a escravidão. Significariam, ainda, uma alternativa para enfrentar a persistência da desigualdade estrutural que corrói a realidade brasileira, por sucessivas décadas. Além disso, permitiriam a concretização da justiça em sua dupla dimensão: redistribuição (mediante a justiça social) e reconhecimento de identidades (mediante o direito à visibilidade de grupos excluídos).

Por fim, há o argumento jurídico, pois a ordem constitucional, somada aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil (em especial a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial), acolhem não apenas o valor da igualdade formal, mas também da igualdade material. Reconhecem que não basta proibir a discriminação, sendo necessário também promover a igualdade, por meio de ações afirmativas. Além disso, a Constituição Federal de 1988 estabelece o princípio do pluralismo no campo do ensino e consagra, como objetivos fundamentais da República, a construção de uma sociedade justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais – o que vem a conferir lastro jurídico aos demais argumentos já expostos [...]

Na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, os estudantes que vieram da escola pública perfazem um percentual muito maior dos que vieram de escolas particulares. A própria Reitora da UEMS em 2003, professora Leocádia Aglaé Petry Leme, em entrevista ao Portal de Notícias on-line do deputado estadual Pedro Kemp (REGULAMENTAÇÃO..., 2009, n.p.) confirma esta informação:

[...] Temos unidades em 14 cidades do estado, e 71% dos estudantes da Uems vieram da escola pública. Muito diferente das universidades federais e estaduais das grandes cidades que verdadeiramente tem um perfil mais excludente no sentido de que abrigam percentualmente mais estudantes vindos de escolas particulares e pouquíssimos estudantes negros [...]

Pela análise das Resoluções n° 430 e 889 do CEPE/UEMS, as mesmas não prescrevem que o candidato apresente, tanto no ato da inscrição quando na matrícula, a comprovação de renda. Concluímos nesse aspecto que a simples presunção de pobreza pelo fato do candidato ser advindo da Escola Pública é por demais simplista e ineficaz, não atingindo o real intuito da lei que é oportunizar ao negro, hipossuficiente financeiramente, o ingresso na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. (MATO GROSSO DO SUL, 2004a, n.p).

De acordo com as justificativas históricas de desigualação entre brancos e negros, o correto seria submeter tal pessoa a um exame de DNA para perquirir o grau de “negritude” que esta pessoa tem. Mas, sabiamente, não o fizeram desta forma as Resoluções internas da UEMS, uma vez que a grande maioria dos brasileiros tem ascendência negra em algum ponto de sua árvore genealógica. Citando novamente o antropólogo catedrático da Universidade de São Paulo Kabengele Munanga, visamos que o problema das cotas tais como a da UEMS incorre na falta de critérios lógicos para uma verdadeira redução das desigualdades entre brancos e negros. O professor discorre em entrevista a revista “Estudos Avançados” sobre a reserva de cotas para negros:

[...] Para mim, as cotas são uma medida transitória, para acelerar o processo. No entanto, julgo que não somente os negros, mas também os brancos pobres têm o direito às cotas. Se as cotas forem adotadas, devem ser cruzados critérios econômicos com critérios étnicos. Porque meus filhos não precisam de cotas, assim como outros negros da classe média [...] (MUNANGA, 2004, p.53) O antropólogo da Universidade de Brasília, José Jorge de Carvalho (2005, p.244) opina a respeito da comissão organizada nas universidades públicas para verificar se o candidato pode ou não concorrer às cotas baseada somente em uma foto do candidato:

[...] Como Maio e Santos, sou contrário às fotos e minha razão por discordar delas não é “científica”, mas política: as fotos despolitizam o posicionamento do sujeito ao transferir a responsabilidade de assumir sua condição racial para a comissão. O que espero da autodeclaração é que ela se generalize especularmente, de modo a alcançar não somente os candidatos ao vestibular pelas cotas, mas também a nós, acadêmicos brancos que nunca nos assumimos como tais. No momento em que aceitarmos, sem subterfúgios, que o Museu Nacional, a Fiocruz, a UFRJ, a USP, a Unicamp, a UFRGS, a UFMG, a UnB estão entre as instituições acadêmicas mais segregadas racialmente do mundo (por excluírem quase inteiramente os representantes do contingente dos negros, que somam 45% da população do nosso país), talvez possamos refazer nosso olhar acostumado a naturalizar esse escândalo e passemos a nos sentir menos neutros ao criticar critérios de identificação de negros para, pela primeira vez em nosso país, beneficiá-los [...]

A questão não é a existência ou não das cotas. O fundamental é aumentar o contingente negro no ensino superior de boa qualidade, seja público ou particular, descobrindo os caminhos para que isso aconteça. Em outro argumento manifesto, no debate das cotas raciais, inclusive presente nos círculo dos pensadores “formadores de opinião”, é o da definição de quem é ou não negro. Se os movimentos negros dizem que basta somente perguntar a polícia, as instituições de ensino superior público nem saberiam o que responder.

4.4.1 As Resoluções do CEPE/UEMS Nº 430/2004 e N° 889/2004

As resoluções do CEPE/UEMS nº 430 de 30 de julho de 2004, e a nº 889/2009 de 16 de março de 2009 foram editadas para regulamentar o disposto no art.2º da Lei n°2.605/03 que dispõe o “prazo de noventa dias a contar da publicação desta lei”. Os artigos 7º e 8° da Resolução n° 889 do CEPE/UEMS dispõe sobre o procedimento para a inscrição dos candidatos aos 20% das vagas para negros. Os artigos citados são apresentados desta forma:

Art. 7º Para efetivação da inscrição serão exigidos do candidato:
I - ficha de inscrição devidamente preenchida;
II - 1 (uma) fotografia 5x7cm (cinco por sete centímetros) frontal, datada do ano de realização da inscrição;
III - fotocópia de documento oficial de identificação (frente e verso);
IV - fotocópia do cadastro de pessoa física (CPF)
V - comprovante original do pagamento da taxa de inscrição;
VI - requerimento para aproveitamento do ENEM e respectivo comprovante de participação, quando for o caso, nos termos do art. 6º, deste Regulamento.

Art. 8º Ao candidato que optar por concorrer no regime de cotas de 20% (vinte por cento) para negros, serão exigidos, além dos documentos estabelecidos no art. 7º, deste Regulamento, os seguintes documentos:

I - fotocópia do histórico escolar do ensino médio ou atestado de matrícula expedidos por escola da rede pública de ensino;
II - declaração da condição de aluno bolsista, fornecida por instituição privada de ensino, quando for o caso. (MATO GROSSO DO SUL, 2009, n.p)

Do inciso II do art. 7º, podemos de imediato aferir a característica genotípica negra na seleção dos candidatos. Nos incisos I e II do art. 8°, visualizamos que o candidato deve ter cursado o Ensino Médio na Rede Pública de Ensino, ou que tenha recebido bolsa de estudos em escola da rede particular (MATO GROSSO DO SUL, 2009, n.p). Com a Resolução nº 889/2009 foi perdida a oportunidade de alterar significativamente os critérios para análise dos candidatos às vagas reservadas aos negros, de forma a dar objetividade para o ingresso dos negros na Universidade.

Na esfera da UEMS foi instituída pelo Reitor, a Comissão de Análise de Cotas de Negros (CNN), com vistas a regulamentar a reserva de vagas pelo processo de cotas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, sendo composta atualmente, de acordo com a art.9° da Resolução nº 889/209, “por professores, técnicos administrativos ou alunos da UEMS, e por representantes do Movimento Negro”, senão vejamos:

Art. 9º O candidato inscrito no percentual de vagas para negros terá sua inscrição avaliada por uma Comissão de Análise de Cotas de Negros (CCN), instituída pelo Reitor e composta por professores, técnicos administrativos ou alunos da UEMS e por representantes do Movimento Negro.

§ 1º O quantitativo de membros da CCN será definida pela PROE respeitada a representatividade definida no caput deste artigo.
§ 2º Os critérios de avaliação serão definidos em conjunto pela COPESE, CCN e PROE, por meio de Edital específico, publicado em Diário Oficial do MS. (MATO GROSSO DO SUL, 2009, n.p)

Em alusão às ações afirmativas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, a Drª. Vera Lúcia Benedito expõe:

[...] no Brasil a pigmentocracia ou hierarquia da cor é uma realidade cotidiana convencionada pelas práticas sociais, onde o indivíduo embranquece ou enegrece de acordo com o seu status, classe social e realização educacional, e recebe tratamento pessoal de acordo com estes atributos. As ações afirmativas, como políticas públicas, estão mexendo com essa convenção. É interessante notar que nesse processo inicial de consciência política alguns alunos identificam-se segundo classe e não raça. Talvez seja uma questão de tempo, quando a politização dessa consciência de classe passa a se expressar como consciência racial [...] (LOPES; BRAGA, 2007, p. 129)

Observa-se, portanto, que entre os próprios acadêmicos que ingressaram na UEMS por meio da reserva de cotas há esta distinção de classe e não de raça. Isso evidencia que em Mato Grosso do Sul, a reserva de cotas raciais não supre efetivamente as desigualdades sociais entre brancos e negros já que na própria universidade as diferenças refletem justamente um disparate social-econômico e não racial.

4.5 Da (In)Constitucionalidade dos Critérios Adotados

Pelos argumentos fomentados ao longo deste trabalho, a Constituição ao elencar, em seu bojo, dispositivos que primam pela promoção de uma igualdade que rompe com o mérito formal, resolve a problemática da constitucionalidade ou não das ações afirmativas na reserva de cotas para negros no exame vestibular da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro diante da análise da constitucionalidade da lei que promove as cotas raciais na UERJ, aquele se pronunciou desta forma, em respeito as condicionantes das formas lícitas de desigualação: (RIO DE JANEIRO, 2005, n.p)

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DO WRIT. SISTEMA DE COTA MÍNIMA PARA POPULAÇÃO NEGRA E PARDA E PARA ESTUDANTES ORIUNDOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO. LEIS ESTADUAIS 3524/00 E 3708/01. EXEGESE DO TEXTO CONSTITUCIONAL. A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdades. República não combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação. Nesse cenário sócio-político e econômico, não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que lhe buscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história pelas mãos calejadas dos discriminados. É preciso ter sempre presentes essas palavras. A correção das desigualdades é possível. Por isso façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, porque, na vida, não há espaço para o arrependimento, para a acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo. Mas mãos à obra, a partir da confiança na índole dos brasileiros e nas instituições pátrias. O preceito do art. 5o, da CR/88, não difere dos contidos nos incisos I, III e IV, do art. 206, da mesma Carta. Pensar-se o inverso é prender-se a uma exegese de igualização dita estática, negativa, na contramão com eficaz dinâmica, apontada pelo Constituinte de 1988, ao traçar os objetivos fundamentais da República Brasileira. É bom que se diga que se 45% dos 170 milhões da população brasileira é composta de negros (5% de pretos e 40% de pardos); que se 22 milhões de habitantes do Brasil vivem abaixo da linha apontada como de pobreza e desses 70% são negros, a conclusão que decorre é de que, na realidade, o legislador estadual levou em conta, quando da fixação de cotas, o número de negros e pardos excluídos das universidades e a condição social da parcela da sociedade que vive na pobreza, como posto pela Procuradoria do Estado em sua manifestação. O único modo de deter e começar a reverter o processo crônico de desvantagem dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente, sobretudo naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior poder de multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema de cotas se torna inevitável. Na medida em que não poderemos reverter inteiramente esta questão em curto prazo, podemos pelo menos dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na reduzida elite pensante do país. O descortinamento de tal quadro de responsabilidade social, de postura afirmativa de caráter nitidamente emergencial, na busca de uma igualdade escolar entre brancos e negros, esses parcela significativa de elementos abaixo da linha considerada como de pobreza, não permite que se vislumbre qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3708/01, inclusive no campo do princípio da proporcionalidade, já que traduzem tão-somente o cumprimento de objetivos fundamentais da República.

Conforme noticia o portal on-line do Supremo Tribunal Federal, (STF..., 2009) a problemática constitucional da reserva de cotas nas universidades federais com a utilização de critérios raciais chegou ao Supremo Tribunal Federal, sendo que o ministro Ricardo Lewandowski convocou uma audiência pública para a data de 03 a 05 de março de 2010 para debater esta questão. Até o término deste trabalho, conforme noticiado no portal eletrônico do Supremo Tribunal Federal, tramitam no STF a ADPF 186 (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que questiona o sistema de reserva de cotas para negros adotado pela Universidade de Brasília, e o RE 597285 (Recurso Extraordinário) discute a legitimidade constitucional da reserva de vagas a estudantes do ensino público e estudantes negros instituído na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também foram colhidos pareceres Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) que em ambas as ações pugnaram pela constitucionalidade dos sistemas de reservas de vagas para negros nas universidades públicas (STF..., 2009, n.p).

Também, no STF, temos as ADIns (Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade) n. 3330, 3314 e 3379, que intentam a declaração da inconstitucionalidade do regime de reserva de cotas nas universidades quanto utilizados critérios raciais. No despacho da convocação da audiência pública que ocorrerá em 2010 afirma o Ministro Carlos Ayres Britto do STF:

[...] a questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não, o uso de critérios raciais nos programas de admissão das universidades brasileiras. Evidencia-se a repercussão social, porquanto a solução da controvérsia em análise poderá ensejar relevante impacto sobre políticas públicas que objetivam, por meio de ações afirmativas, a redução de desigualdades para o acesso ao ensino superior [...] (STF..., 2009, n.p):

Conforme veiculado no site do STF em 02 de agosto de 2008, o Ministro Carlos Ayres Britto pugnou pela legitimidade e constitucionalidade do sistema de cotas: [...] Ayres Britto disse que é pelo combate eficaz a situações de desigualdade que se concretiza a igualdade e que a lei pode ser utilizada como um instrumento de reequilíbrio social, se não incidir em discriminação. Não se pode criticar uma lei por fazer distinções. O próprio, o típico da lei é fazer distinções, diferenciações, desigualações para contrabater renitentes desigualações. Ao citar a máxima de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, Ayres Britto lembrou que a lei beneficia estudantes com carência patrimonial e de renda, uma faixa da população que tem sido alvo de ciclos repetitivos de desigualdades. A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de um discrímen que acompanha a toada de compensação de uma anterior e factual inferioridade patrimonial e de renda, concluiu [...] (STF..., 2009, n.p):

Quando remetemos o assunto ao plano infraconstitucional, no que toca às ações afirmativas no ensino superior, atualmente tramitam propostas nas casas legislativas para que seja implementada a reserva de vagas para negros e alunos egressos de escolas públicas nas universidades federais no Brasil. Temos também o PROUNI (Programa Universidade para Todos) do governo federal que oferece bolsas que financiam os estudos para alunos de baixa renda na rede privada do ensino superior, desde que tenham bom desempenho no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e sejam egressos de escolas públicas (CARDOSO, 2009, p.08).

O termo constitucional insculpido no artigo 5° da Carta Magna que proclama a “igualdade de todos perante a lei”, diz exatamente um exame interpretativo da norma que nos conduz a avaliar a imparcialidade processual no que tange a esta desejada promoção da igualdade entre os cidadãos (BRASIL, 1988, n.p). Conquanto, para que haja efetividade de qualquer ação afirmativa deve haver a inserção de fatores de condição para que a discriminação lícita seja devidamente justificada, a exemplo da condição social, política e econômica dos grupos envolvidos.  Segundo o entendimento do doutrinador Alexandre de Moraes (2007, p. 83), “os tratamentos normativos diferenciadores são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado”. Em pesquisa ao site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, visualiza-se seis ações que chegaram ao Tribunal de Justiça por meio de recursos interpostos contra decisões de 1° grau, e que, sinteticamente, intentam questionar a constitucionalidade da política afirmativa das cotas para negros, alegando basicamente que o sistema de cotas da UEMS desrespeita o princípio da isonomia, insculpido no art.5°, caput, da Constituição Federal, e também, o princípio meritocrático de acesso ao ensino superior insculpido no art.208, inciso V da Constituição Federal. (BRASIL, 1988, n.p)

O princípio meritocrático para o acesso ao ensino superior concerne a capacidade intelectual de cada pessoa, sendo que cabe somente a mesma os esforços necessários para sua aprovação em exame vestibular e o posterior ingresso no ensino superior, dada a característica de concurso público que o exame vestibular afere. A Constituição Federal apresenta, inclusive, dispositivo normativo que enaltece o mérito dos cidadãos para o ingresso no ensino superior. Nesse sentido é válido transcrevermos o art.208, inciso V da Carta Magna:

[...] Art.208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um [...] (BRASIL, 1988, n.p)

O princípio meritocrático alegado nestas ações judiciais, concernente a esta problemática, prima pelo merecimento dos candidatos de cor branca que não puderam ingressar no ensino superior devido à reserva das cotas para os cidadãos de cor negra. Por exemplo, imaginemos um Curso Superior oferecido na UEMS que possui o total de 40 vagas. Com a reserva de cotas para negros e indígenas as vagas, restariam 28 vagas que tem o método de ingresso comum não abrangido pela reserva de cotas.

Dentre as seis ações em trâmite no Tribunal de Justiça observamos a distribuição por comarca destas, sendo quatro delas são de Paranaíba, uma de Dourados, e uma de Maracaju[2]. O Tribunal de Justiça Estadual, nestas ações, decidiu pela constitucionalidade do sistema de cotas, e das leis n° 2.605/03 e 2.589/03, por entender justamente pela licitude das ações afirmativas no caso da reserva de cotas na UEMS (MATO GROSSO DO SUL, 2009). A única exceção posta, dentre estas ações, em que o Tribunal reconheceu alguma ilegalidade, deu-se na Apelação Cível N. 2005.015719-1/0000-00 (Dourados). O mérito desta intentava rechaçar a exigência de declaração da condição de aluna bolsista fornecida por instituição da rede privada de ensino, a qual não tem previsão na lei n°2.605/03. Tal disposição é presente somente na Resolução n° 430 do CEPE/UEMS.

Somente a Resolução nº 430 do CEPE/UEMS foi declarada ilegal, pois entendeu a Turma julgadora do recurso que a Resolução ultrapassou o limite de sua atuação quando “modificou” o alcance da lei. Observe que tal decisão ad quem não pugnou pela inconstitucionalidade da Lei n° 2.605, mas sim, somente pela ilegalidade da resolução 430/2004 do CEPE/UEMS por reconhecer que a mesma “extrapolou os limites traçados pela lei regulamentada, alterando seu conteúdo e alcance, ao exigir, além da condição racial de negro, seja o candidato possuidor de baixa renda financeira” (MATO GROSSO DO SUL, 2009). As normas da UEMS que concernem à regulamentação da forma como os cidadãos negros podem ingressar na Universidade ultrapassou os limites do que um ato normativo pode dispor legalmente. A função dos atos normativos é especificar o que foi generalizado pela lei. Apenas a lei por determinar a criação de direitos. Pela omissão legal, no que tange a lei n° 2.605/03, as Resoluções do CEPE/UEMS não cumprem sua função. Celso Antônio Bandeira de Melo (1993, p.332) dispõe que não deve haver delegação legislativa para que um regulamento possa dispor o que a lei não fez. Se desta forma fosse, o princípio da legalidade seria ofendido, pois os dispositivos constitucionais, por exemplo, teriam suas condições de validade baseadas em disposições legais infraconstitucionais. Esquecem-se os requerentes que pugnam pela inconstitucionalidade da lei n° 2.605/03 que a mesma Carta Constitucional prevê em seu bojo a discriminação lícita, para os negros possam ter o acesso a educação superior no Mato Grosso do Sul.

A constituição traz ainda em seu art.206, inciso I, que deve ser observado o princípio da igualdade de condições para o ensino, como podemos visualizar da transcrição do artigo: [...] Art.206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...] (BRASIL, 1988, n.p). O que falta ser feito, diante do apreendido, é que o sistema da UEMS promova de fato uma justiça social, fazendo com que os negros que realmente não tem condições sociais e financeiras de ingressar em uma Universidade o tenham. Do modo como as normas estão dispostas, e pelas resoluções nº 430 e 889 do CEPE/UEMS, o sistema de cotas para negros da UEMS pode favorecer negros que não são pobres, já que não utiliza o critério renda para a admissão destes alunos. Somente com uma avaliação do biótipo “negro”, e da educação obrigatória em escolas públicas, sendo estes dois critérios utilizados como epicentros que permitam identificar e justificar licitamente a discriminação positiva realizada é evidente que a lei torna-se inconstitucional, pois não faz a justiça social e não cumpre com os objetivos para que foi promulgada pela Casa Legislativa Estadual[3]. A falta de uma análise da condição social e econômica destes negros que ingressam na UEMS acaba por viciar uma iniciativa de política pública afirmativa que em sua essência é condizente com o pluralismo jurídico desejado pelo legislador na ânsia de serem prevalentes os princípios fundamentais de um Estado democrático.

Guimarães (2003, p.266) coloca questões mais importantes a serem discutidas do que a análise jurídica a respeito da constitucionalidade ou não do regime de cotas para negros nas universidades: [...] É perfeitamente possível que o estabelecimento de uma cota que beneficie os “negros”, por exemplo,acabe por limitar o acesso de “amarelos” à universidade. Como evitar esses efeitos perversos? Em primeiro lugar, é preciso que fique bem claro o objetivo das universidades públicas: elas se destinam apenas aos mais competitivos e mais capazes? Elas se destinam apenas aos estudantes mais carentes? Qual é o perfil que se deseja para o alunado dessas escolas? Como evitar uma associação perversa entre competitividade e nível de renda? Entre competitividade e identidade racial? [...]

Nesta perspectiva de alcance da norma jurídica, visando a realização de seus objetivos de realizar uma material igualação dos grupos em desigualdade alertam Galuppo e Basile (2006, p.101): [...] Em uma sociedade pluralista democrática, o Direito deve cumprir simultaneamente duas tarefas: deve realizar, na maior medida possível, o projeto de vida da maioria e deve também preservar, de alguma forma, os projetos de vida alternativos. Ademais, a auto-identidade que se atribui uma sociedade pluralista só é inteiramente compreendida se o direito que a interpreta reconhece que essa sociedade tem de querer, mesmo que paradoxalmente, realizar simultaneamente os projetos de vida distintos, ainda que tais projetos alternativos requeiram, em algumas situações, uma aplicação especial do direito, justificada pela produção de mecanismos de inclusão, como no caso das políticas de ação afirmativa a igualdade é um conceito aritmeticamente inclusivo, ou seja, sempre que o maior número de cidadãos for incluído em discursos jurídicos, estaremos criando igualdade e não desigualdade. Uma vez que isso depende da indicação de boas razões, só se pode avaliar se políticas públicas afirmativas contribuem ou não para a realização da igualdade caso a caso, não possuindo essa questão uma resposta abstrata, porque o que deve ser avaliado é se tais políticas criam ou não desigualdades no caso concreto, ou seja, se permitem maior ou menor inclusão social [...]

Portanto, no caso do regime cotista da UEMS, devemos observar o exposto acima no que concerne a verificar se o critério de admissão destes cidadãos negros está correto, e se, de fato, permite uma menor ou maior inclusão social. Da forma como atualmente estão dispostos estes critérios, tudo nos leva a crer que o sistema pode ser aperfeiçoado de forma a realizar uma eficaz justiça social, baseada nos idéias democráticos do Estado de Direito e nos postulados de uma sociedade pluralista e de oportunidades iguais a todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visualizando o princípio da isonomia como um superprincípio, e dada sua capacidade de moldar os outros princípios, é lógico conceber a idéia de que a isonomia material dever ser sempre buscada, mesmo que se tenha de se conceder “privilégios” aos grupos marginalizados socialmente. Este é o ideal que abrange das ações afirmativas. Ou seja, determinados grupos que são reconhecidamente desiguais e, por isso inferiores a maioria, tem sua legitimidade para concorrerem a estas políticas afirmativas. Concluí-se que o tratamento diferenciado aos negros, em respeito aos direitos fundamentais, é necessário para criar condições de inclusão social deste grupo. O Estado Democrático de Direito permite este tratamento jurídico diferenciado, sendo adequado neste caso, dado o fato deste grupo negro ser marginalizado socialmente. O sistema de cotas da UEMS, apesar da preocupação legislativa em dar oportunidades de igualação ao grupo étnico negro, aponta deficiências legais e aos critérios para o ingresso destes cidadãos negros. A lei n° 2.605 não regulamenta a forma e os meios como os negros podem preencher os requisitos para preencherem as vagas reservadas. Tal encargo foi destinado ao CEPE da UEMS, que por meio de Resoluções internas dispôs além do que um ato normativo deve disciplinar. A Resolução, neste sentido, tem a função somente de explicar o que lei determina. A lei n°2.605 deveria trazer ao menos postulados básicos de como os negros ingressariam neste sistema de cotas. Quando esta tarefa é delegada à Resolução, esta deve ater-se a especificar o que a lei determina. Como a lei é omissa, a exemplo dos simplórios quatro artigos que contam na lei, cria-se um empecilho a normatização por meio de ato administrativo, tal qual foi feito na UEMS por meio das Resoluções n° 430/2004 e N° 889/2004.

Apesar do sistema de cotas não suprir integralmente as desigualdades entre os cidadãos de pele branca e os de pele negra, as ações afirmativas são políticas que obtém resultados positivos na inserção dos grupos excluídos. O que deve ser levado em consideração na análise de qual candidato deve ou não concorrer às vagas reservadas da UEMS, é se o mesmo meio dispõe ou não, quando do momento da matrícula na Universidade, de condições financeiras de cursar uma Universidade, seja Pública ou não. Para isto deseja-se uma eficaz análise da condição sócio-econômica do candidato aprovado nas vagas reservadas da UEMS, pois a simples presunção da insuficiência econômica deste candidato pela análise de sua formação escolar em Escola pública ou particular por meio de bolsa de estudos é por demais simplista e desprovida de caráter científico. Nem sempre o candidato que cursou o Ensino Básico em escola pública é pobre, bem como nem sempre o candidato que cursou uma escola particular é rico.

A justificativa objetiva para a implementação do sistema de reserva de cotas nas Universidades a grupos marginalizados socialmente, é que estes tenham modos de ascender socialmente, sendo que com a formação superior, as chances deste cidadão conquistar  uma vaga no mercado de trabalho, e ser bem remunerado financeiramente, aumentam vertiginosamente. Desta forma, apontam-se as deficiências legais e estruturais do sistema de reserva de cotas para os negros na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.

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[1] As 48 universidades que aderiram a políticas afirmativas de cotas são estas: Universidade Estadual de Maringá/PR, Escola Superior de Ciência da Saúde do Distrito Federal, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Universidade Estadual de Goiás, Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, Universidade Estadual de Santa Cruz/BA, Faculdade de Tecnologia de São Paulo, Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília, Universidade Estadual de Londrina/PR, Universidade Estadual de Minas Gerais, Universidade Federal de São Carlos/SP, Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal do ABC Paulista, Universidade Federal do Espírito Santo, Universidade Federal do Maranhão, Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Paraná, Universidade Federal do Piauí, Universidade Federal do Recôncavo Baiano, Universidade Estadual de Montes Claros/MG, Universidade de Campinas, Universidade de Pernambuco, Universidade de São Paulo, Universidade Estadual da Bahia, Universidade Estadual da Paraíba, Universidade Estadual da Zona Oeste/RJ, Universidade Estadual de Feira de Santana/BA, Universidade Estadual do Amazonas, Universidade Estadual do Maranhão, Universidade Estadual do Mato Grosso, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Maria/RS, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Tocantins, Universidade Federal Rural do Amazonas/PA e Universidade Federal Tecnológica do Paraná, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual do Norte Fluminense, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.

[2] As ações judiciais citadas que o TJ/MS apreciou o mérito do sistema de cotas raciais na UEMS são:
01 – Apelação Cível em Mandado de Segurança – Lei Especial – N.2009.003055-0/0000-00 – Paranaíba.
02 – Agravo em Ação Cominatória – N.2009.005947-1/0000-00 – Paranaíba.
03 - Apelação Cível em Ação Cominatória – N. 2008.035414-1/0000-00 – Paranaíba.
04 – Agravo Regimental em Apelação Cível – N. 2007.021853-6/0001-00 – Paranaíba.
05 - Apelação Cível em ação anulatória de ato administrativo c.c declaratória de validação de inscrição e efetivação de matrícula em universidade – N.2005.015719-1/0000-00 – Dourados.
06 – Apelação Cível em Mandado de Segurança - N. 2005.010356-9/0000-00 – Maracaju.

[3] Neste sentido: Apelação Cível – Ordinário – N. 2005.015719-1/0000-00, 3ª Turma Cível do TJMS. Relator: Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.

 

Autor deste artigo: Bruno Augusto Pasian Catolino - participante desde Qua, 07 de Outubro de 2009.

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