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Escrito por Márcia Cristina Fassbinder Zonatto   
Qua, 18 de Maio de 2011 00:00

Universidade do Oeste de Santa Catarina – UnoescÁrea de Ciências Humanas e Sociais
Curso de Letras Português/Inglês e Respectivas Literaturas

MONOGRAFIA : A CONCORDÂNCIA VERBAL NA TERCEIRA PESSOA DO PLURAL EM COMUNIDADE DE FALA DE ITALIANOS

 

 

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de licenciada em Letras.

Curso de Letras Português/Inglês e Respectivas Literaturas

Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc

Orientadora: Prof.ª Dirce Welchen

 

[...] as pessoas não escolarizadas falam um português "diferente" e não um português "errado”, como muitos afirmam [...].

Marcos Bagno. 

Dedico este trabalho a todos que ao meu lado estiveram e àqueles que continuam me seguindo nessa caminhada incansável.

SUMÁRIO

SÃO MIGUEL DO OESTE - SC

1

INTRODUÇÃO

6

2

A SOCIOLINGÜÍSTICA QUANTITATIVA: DEFINIÇÃO E FATORES SOCIAIS

 

9

3

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA TERCEIRA PESSOA DO PLURAL

14

4

ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS EM Lª GAÚCHA, MUNICÍPIO DE DESCANSO/SC, EM UMA COMUNIDADE DE ITALIANOS

30

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

36

 

REFERÊNCIAS

38

 

APÊNDICES

 

1 INTRODUÇÃO


Ao se tratar da variação na concordância verbal na 3ª pessoa do plural, há um traço incontestável, embora pouco presente no português popular brasileiro o uso de: -EM no lugar de –AM, no final de verbos, a exemplo de: eles roubarem minha borracha, ou invés de eles roubaram minha borracha. Inicialmente, Pereira (1999 apud Jung, 2000) associou esse traço ao contato linguístico entre português e alemão, uma vez que muitos verbos, no alemão, são escritos com terminação –EM, como: sprechen, lesen, shreiben.

Jung (2000) também efetuou uma pesquisa acerca da concordância verbal na 3ª pessoa do plural, em que encontrou esse traço. Seu estudo foi realizado com 24 falantes bilíngues de Missal/PR: 16 adultos e 8 crianças.

A partir desse estudo, Welchen (2006) propôs uma reanálise desses dados, com base na fala de 16 informantes bilíngues de Missal, excluindo a fala das crianças, já que algumas fitas apresentaram problemas. Constatou que há variação de –AM para –EM, entre esses falantes, por isso, na tentativa de explicar esse traço, verificou se esses informantes utilizavam subjuntivo em contextos em que era exigido, observou que sim. Também testou a hipótese de ser influência da língua alemã, para isso, realizou pesquisa de campo com adolescentes da 8ª série de uma escola de Paraíso/SC, entre os quais não havia falantes de alemão, embora apresentassem o traço. Em função disso, sugere que sejam realizados mais estudos sobre a concordância verbal na 3ª pessoa do plural, principalmente, entre bilíngues português/alemão, português/italiano, já que Costa (1990) atesta o uso de –EM entre italianos no interior do Rio Grande do Sul.

Embora Pereira (1999), Jung (2000) tenham associado esse traço ao alemão, Iara Benquerer Costa (1990) constatou essa variável na fala de descendentes de italiano, no interior de Ijuí, RS. Ela acredita que a variação de falem x falam é idêntica à encontrada na 1ª pessoa do plural, em que a forma padrão esta em constante variação como falemo, cheguemu.

Como vimos, vários estudos de variação acerca da concordância verbal na 3ª pessoa do plural já foram realizados, mas algumas questões necessitam ainda serem estudadas. Assim, a proposta deste trabalho é analisar os fatores linguísticos e sociais relacionados à passagem do traço –AM para –EM na fala de seis informantes descendentes de italiano, de ambos os sexos, de 10 a 25 anos, de 26 a 45 anos e mais de 45 anos, em uma comunidade rural, Lª Gaúcha, município de Descanso/SC, levando em conta os fatores sociais: gênero, idade e escolaridade, conforme a metodologia sociolinguística. É importante acrescentar algo acerca da história de Descanso/SC, especificamente, de Lª Gaúcha. Conforme informações disponíveis em meio eletrônico, os primeiros colonizadores desse município chegaram lá, em 02 de fevereiro de 1935. Essas pessoas, praticamente, todos descendentes de italianos e poloneses vieram da cidade de Casca, Tuparandi e outras localidades do estado de Rio Grande do Sul.

Descanso/SC, assim, foi denominado devido à passagem da Coluna Prestes por essa região e estes terem parado para descansar às margens do Arroio Macaco Branco. Descanso emancipou-se no dia 16 de dezembro de 1956. Esse município é vizinho dos municípios de: São Miguel do Oeste, Santa Helena, Belmonte, Tunápolis, São João do Oeste, Flor do Sertão, todos do localizados no extremo oeste catarinense.

Com relação à comunidade de Lª Gaúcha, Descanso/SC, a grande maioria de sua população é  descendente de italiano e são provenientes de várias localidades do RS. Muitos moradores vieram para aquela comunidade há mais de 40 anos e ainda, cultivam a língua italiana em casa com os familiares.

Quanto à organização deste estudo, na seção 2, delinearemos algumas considerações acerca da Sociolinguística Variacionista: definição e fatores sociais, na seção 3, discutiremos alguns aspectos relevantes à concordância verbal na 3ª pessoa do plural; na seção 4, apresentaremos os resultados da concordância verbal; por último, teceremos as considerações finais.

2 A SOCIOLINGÜÍSTICA VARIACIONISTA: DEFINIÇÃO E FATORES SOCIAIS

Nesta seção, discutiremos alguns aspectos relevantes à Sociolinguística Variacionista. A Sociolinguística, de acordo com Mollica (2003), tem como objeto de estudo a língua inserida em uma comunidade de fala, que visa a verificar como os falantes adequam as formas lingüísticas à situação em que se encontram.

Conforme Dino Preti (1987), o caráter social de uma língua é compreendido como um sistema de signos convencionais, o qual faculta aos indivíduos de uma comunidade a possibilidade de comunicação/interação.

Tarallo (1994) ressalta que a Sociolinguística quantitativa surgiu na década de sessenta, com o americano William Labov, denominado o pai da Sociolinguística. Essa disciplina toma como objeto de estudo a língua vernácula, aquela usada em situações naturais de interação. Três estudos labovianos marcaram o início dessa disciplina, sendo eles: primeiro, em 1963, a centralização do ditongo na ilha de Martha´s Vineyard, Estado de Massachusetts (EUA). Três anos mais tarde, em 1966, surgiu a investigação da pronúncia do fonema /r/ pós-vocálico. O último dos três, em 1969, corresponde à ausência de cópula entre adolescentes negros do Harlem, Nova York.

Esse modelo de pesquisa sociolinguística, proposto por Labov, opõe-se à gramática gerativa, uma vez que esta não se preocupa com o componente social e real.

Tarallo (1994) diz que todos aqueles que entendem por língua um veículo de comunicação, de informação e de expressão, entre os seres humanos, podem ser chamados de sociolinguistas.

Dessa forma, para os sociolinguistas, nas comunidades de fala, frequentemente, existirão formas linguísticas em variação, ou seja, formas que estão em concorrência, uma vez que cada comunidade de fala é única e cada falante é um caso particular.

Conforme Mollica (2003, p. 10), a Sociolinguística prioriza como objeto de estudo a variação, sendo que:

A linguística volta-se para todas as comunidades com o mesmo interesse científico e a Sociolinguística considera a importância social da linguagem, dos pequenos grupos sócio-culturais a comunidades maiores. Se cada grupo apresentasse comportamento linguístico idêntico, não haveria razão para se ter um olhar sociolinguístico da sociedade.

De acordo com Dino Preti (1987), para se analisar a linguagem de um grupo social, é preciso considerar alguns fatores extralinguísticos, a exemplo de:

  • geográficos – esses fatores envolvem as variações regionais;

  • sociológicas – compreendem as variações provenientes de idade, sexo, profissão, escolaridade, classe social, etc.

  • contextuais – constam de influências alheias à linguagem do locutor.

Segundo Tarallo (1993, p. 8), “variantes linguísticas, são, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes linguísticas dá-se o nome de variável linguística”. Em se tratando de variação linguística, Paiva (2003) frisa a importância de falar, também, de mudança linguística, levando em conta a atuação da variável gênero/sexo no estudo da língua, na sociedade.

Ainda, salienta que nem toda variação na fala, necessariamente, representa mudança linguística em progresso. Além disso, afirma que determinadas variações desaparecem com a mesma intensidade com que surgiram. As pesquisas sociolinguísticas têm buscado traçar um perfil da mudança linguística em tempo aparente, pois, postula-se que a variação observada, sincronicamente, em um determinado ponto da estrutura de uma gramática de uma comunidade de fala pode refletir um processo de mudança em curso na língua, no plano diacrônico. Desse modo, busca-se apreender o tempo real, onde se dá desenvolvimento diacrônico da língua, no chamado tempo aparente. Assim, o tempo aparente constitui uma espécie de projeção.

Paiva (2003) declara que, conforme a hipótese clássica, o processo de aquisição da linguagem se encerra no início da puberdade por volta dos 15 anos, a partir de então, a língua do indivíduo torna-se estável, ou seja, não sofre mais transformações.

Dessa forma, o estado da língua de um falante com 60 anos, hoje, representaria a língua adquirida quando tinha 45 anos. Para facilitar a compreensão da hipótese clássica que sustenta os estudos em tempo aparente, vejamos a escala de Paiva (2003, p. 45), a seguir:

Idade atual                                              Estado da língua

(em anos)                                                 (anos atrás)

70                                                                    55

60                                                                    45

50                                                                    35

40                                                                    25

30                                                                    15

20                                                                     5

 

Com base nessa escala, em uma gravação feita em 1990, a fala de um indivíduo de 70 anos de idade corresponderia à língua adquirida, em 1942. Segundo Paiva (2003), é importante anotar o estudo realizado por Labov, 1972, em uma ilha de Martha´s Vineyard próxima a Massachusetts, EUA. Esse estudo visava a analisar a centralização do ditongo /aw/, como nas palavras now, round, entre outras. Verificou-se a mudança da pronúncia desse ditongo em tempo aparente através de duas gerações. Os resultados dessa pesquisa revelaram que, realmente, tratava-se de uma mudança linguística em progresso, sendo que as pessoas com idade mais avançada preservavam sua forma original, enquanto os mais jovens centralizavam cada vez mais.

Ainda, essa autora diz que seria interessante um pesquisador poder voltar a uma comunidade de fala, em torno de 25 anos depois da primeira análise de um aspecto linguístico, para verificar se ocorreram mudanças na fala desses indivíduos entrevistados, naquele período e, também, dos jovens que no momento presente lá se encontram, mas frisa que isso, nem sempre, é possível, por isso, em sociolinguística, costumam fazer estudos em tempo aparente.

Quanto à variável gênero/sexo, Paiva (2003) comenta que, em estudos sociolinguísticos, o gênero engloba sexo biológico, papéis sociais, expectativas, capital. Segundo Fischer (apud Paiva, 2003) as mulheres preferem variantes linguísticas mais prestigiadas socialmente. Mas é importante ter em mente que essa propensão das mulheres para as formas de maior prestígio é limitada àquelas sociedades em que as mulheres desempenham um papel na vida pública.

Outro fator a ser mencionado é a classe social do informante, pois quanto mais altas as classes sociais e maior nível de escolaridade, há uma maior frequência de uso das formas de prestígio do que entre os falantes da classe média, e estes, por sua vez uma maior frequência que os da classe baixa, isso aponta para uma situação de variação estável; enquanto os processos de mudança tendem a ser liberados pelos indivíduos mais integrados à classe média baixa, ou, das seções mais elevadas da classe operária.

Conforme Paiva (2003), para a análise da variável classe social, são usados inúmeros fatores para ranquear as pessoas em classes sociais, como: educação, salário, ocupação, família, clubes que frequenta, amigos íntimos, maneiras de falar e comportamento, em geral.

Para Votre (2003), a variável escolaridade é, extremamente, importante na vida de um indivíduo, uma vez que a escola gera mudanças na fala e na escrita, contribuindo para o maior uso de formas de prestígio.

É bom destacar que as conclusões apresentadas por Paiva (2003), referem-se a processos de variação/mudança ocorridos nos grandes centros urbanos de países com alto grau de industrialização, como Estados Unidos e a Inglaterra. É preciso que se faça uma análise crítica desses parâmetros, evitando a sua aplicação à realidade sócio-cultural, totalmente, diferente, como a de comunidades rurais, em um país com um desenvolvimento industrial tardio e dependente como o Brasil.

3 A CONCORDÂNCIA VERBAL NA 3ª PESSOA DO PLURAL

Pretendemos, nesta seção, discutir alguns aspectos relacionados à concordância verbal na 3ª pessoa do plural. De acordo com Luersen (2004, p. 43) o fenômeno da concordância:

Não é somente como um sistema de regras ou princípios gerais que regem fenômenos da singularidade e pluralidade verbais, mas também como resultado de variação do sistema padrão, adequando-se a contextos sociais ou semânticos, apesar de fazerem-no de maneira superficial.

Essa autora comenta que poucas gramáticas tradicionais são capazes de observar que o sistema de concordância verbal é variável. Naro e Scherre (1998 apud LUERSEN, 2004, p. 46) ressaltam que, para o estudo da concordância verbal na 3ª pessoa do plural, no português brasileiro, alguns aspectos devem ser analisados sob a ótica das teorias linguísticas:

Entram em jogo variáveis linguísticas como: saliência fônica do verbo na posição singular/plural, paralelismo no plano oracional, posição e distância do sujeito em relação ao verbo, presença/ausência do que é relativo e presença/ausência de pausa entre o sujeito e o verbo. Comentam, também, que há dois aspectos fundamentais que interferem na concordância entre sujeito e verbo, que são: o traço humano e a evolução diacrônica entre o traço de número e o traço humano.

A respeito da evolução diacrônica do português brasileiro, Naro e Scherre (1998 apud LUERSEN 2004, p. 47) afirmam que:

Estágios antigos da língua portuguesa também têm mostrado certas áreas de variação, embora mais limitadas. Para sujeito simples morfologicamente plural, os textos de meados do século XVI em diante mostram o comportamento quase categórico de concordância verbal. Todavia, a maioria dos textos mais antigos mostra algum tipo de variação, especificamente para os verbos de baixa saliência fônica, nos quais a única diferença entre o singular e o plural é a nasalização final.

Convém ressaltar que vários estudos acerca da concordância verbal na 3ª pessoa do plural já foram realizados, sendo os pioneiros os de Naro e Lemle (1997), os quais propuseram a escala da saliência fônica. Eles estudaram a regra de concordância verbal entre o sujeito e o verbo, baseados no corpus composto por 20 mobralenses, naturais da cidade do RJ, estes foram distribuídos conforme os fatores extralinguísticos, sexo e idade: 9 mulheres e 11 homens; 6 com mais de 40 anos e 14 com menos de 30 anos, a fim de medir a influência do nível de formalidade sobre a utilização das regras de concordância.

Naro e Lemle (1997 apud SILVA, 2003, p. 42) concluíram que:

[...] quanto menos saliente for a diferença entre o singular e o plural, mais provável será a falta de concordância. [...] a categoria desfavorecedora da concordância é aquela em que o sujeito segue ao lado de seu verbo, ou seja, a menos saliente. Neste caso, o elemento determinante da concordância segue ao elemento determinado, fazendo com que a falta de concordância seja menos óbvia.

Assim, a saliência fônica é requisito primordial utilizado por pesquisadores Sociolinguistas para analisar a frequência na aplicação da regra geral de concordância no PB. Outro estudo elaborado dentro dessa temática, é o de Rodrigues (1987 apud CASTILHO, 1997, p. 252), em que foi verificado que as formas verbais na 3ª pessoa do plural, em São Paulo, pouco são usadas e quanto maior a saliência fônica entre a oposição singular e plural, mais há o uso de concordância verbal, como já afirmaram Naro e Lemle (1977).

Naro e Lemle (1997 apud CASTILHO, 1997, p. 252) constataram que a regra da concordância verbal está submetida a certas variáveis: (i) variável morfológica: quanto maior a saliência fônica da oposição entre a forma verbal do singular e do plural, tanto maior a ocorrência da regra de concordância; (ii) variável posicional: o sujeito imediatamente anteposto ao verbo favorece a concordância; (iii) variável semântica: o sujeito indeterminado desencadeia a concordância com freqüência maior que o sujeito determinado; (iv) variável estilística: as situações de maior formalidade favorecem a regra de concordância.

Anthony Naro (1981 apud SILVA, 2003) pioneiro dos estudos quantitativos acerca da concordância, no Brasil, publicou um artigo na revista Language intitulado: The social and structural dimensions a syntatic change, o qual aborda o papel da saliência fônica no condicionamento da concordância verbal. Nesse artigo, Naro apresenta evidências de perda de marca de 3ª pessoa do plural nas formas verbais do português falado. Ressalta que essa situação de variabilidade na aplicação de regra de concordância é um traço específico da fala popular e da língua oral, uma vez que, na escrita, essa aplicação é, praticamente, categórica. Dessa forma, “variantes populares tendem, a ocorrer mais na fala das classes socioeconômicas menos favorecidas, enquanto que as variantes padrões são encontradas mais, frequentemente, na fala das classes mais favorecidas” (NARO, 1981 apud SILVA, 2003, p. 143).

Nessa perspectiva, Naro realizou uma pesquisa com 17 estudantes do MOBRAL, inicialmente, todos analfabetos e provenientes de classes menos favorecidas. Todos os entrevistados são nativos do Rio de Janeiro ou para lá se mudaram, ainda, quando crianças. Assim, distribuídos: 9 homens, entre 16 a 20 anos e 37 a 54 anos; 8 mulheres, entre 15 a 26 anos e 43 a 45 anos. Constatou que informantes provenientes de subúrbios, as mulheres e pessoas mais velhas tendem a não aplicar a regra de concordância. Também analisou a saliência fônica, que se mostrou eficiente na análise da aplicação da regra de concordância. Vejamos a divisão feita por Naro quanto à saliência não-acentuada e acentuada:

Tabela 6: Saliência fônica (Naro)

Não-acentuadas

Forma verbal

Frequência

Classe a

Come/comem

0,11

Classe b

Fala/falam

0,26

Classe c

Faz/fazem

0,35

Acentuadas

Forma verbal

Frequência

Classe a

Dá/dão

0,68

Classe b

Comeu/comeram

0,78

Classe c

Fala/falaram

0,85

Fonte: Naro (1981 apud SILVA, 2003, p. 147).

Outra variante linguística verificada por Naro (1981) é a posição do sujeito relacionada ao núcleo do predicado. Quanto a essa variante, o autor diz que em situações mais salientes (sujeito anteposto) a frequência foi maior que nas outras: “eles falam”, 0,71; eles...falam, 0,41 e quanto ao sujeito não realizado, há um fenômeno de caráter funcional agindo em confluência à saliência: ...falam, 0,65.

Embora Naro (1981 apud SILVA, 2003) tenha, inicialmente, afirmado que a variação na concordância é um fenômeno típico do PB, mais tarde, esse autor, ao lado de Scherre (2000), buscaram provar que esse fenômeno já possuía suas raízes no português arcaico. Esses autores voltaram às origens, analisaram oito textos pré-clássicos e constataram que, as evidências de variação foram bastante reduzidas, em menos de 1%. Também verificaram que a posposição do sujeito em relação ao verbo, o uso é mais frequente das formas verbais singulares em contextos plurais. Salientam que não puderam testar todas as variáveis independentes quanto ao português moderno e medieval, devido à restrição de material.

No entanto, Naro e Scherre (1993 apud SILVA, 2003, p. 32):

Reconhecem que em Portugal os linguistas acusam não existir variação de número no sintagma verbal e no sintagma nominal, portanto, para os linguistas portugueses a aplicação da regra é categórica. [...] encontraram alguns exemplos de variação na literatura especializada e ouvindo fitas gravadas na década de 80. Os exemplos enumerados podem ser perfeitamente ouvidos no Brasil o que leva os pesquisadores a concluírem que a diferença na variação entre os falares do Brasil e de Portugal é uma questão de frequência e não de princípio. Tanto os autores que defendem a influência dos africanos na formação do português popular brasileiro e como os crioulistas nunca negaram que fenômenos que ocorrem nas línguas crioulas lhe são privativos. A diferença está no grau da mudança e no tempo em que ela ocorre.

Tarallo (1993 apud SILVA, 2003) declara que a história social do Brasil mostra claramente que na segunda metade do século XIX ocorreram mudanças linguísticas de “baixo” para “cima” quanto ao contato entre classes populares e classes cultas devido ao processo de imigração, o qual propiciou a ascensão dos imigrantes que vieram integrar a pirâmide social do Brasil.

Ao contrário desses autores, Gregory Guy (1981) reinterpreta a situação descrita por Naro, demonstrando que não há perda e, sim, aquisição de marcas de concordância verbal no português popular contemporâneo.

Ao efetuar essa reanálise dos dados de Naro, Guy postula três fatores sociais como responsáveis pela frequência na aplicação da regra de concordância: estilo do discurso (casual ou cuidado), gênero e idade do informante. Os resultados a que chega apontam para um processo de aquisição da regra de concordância e não de perda como Naro e Scherre concluíram em seus estudos.

Guy (1981 apud SILVA, 2003) também afirma que a frequência da aplicação das regras pelos adolescentes é maior do que adultos 0,55 e 0,50, respectivamente. E os dados mostram que as mulheres tendem à aplicação da regra. Esse autor acredita na existência de crioulos na formação do português popular brasileiro, pois:

"Um Padrão de variação de concordância dependente da saliência da oposição singular/plural é exatamente o que se esperaria encontrar em uma população descrioulizante, que tem mudado de um suposto padrão proto-crioulo de não concordância em direção ao padrão standard de concordância categórica (GUY, 1981 apud SILVA, 2003, p. 24)".

Ao explicar o processo de descrioulização, Guy declara que nos casos dos verbos, a aquisição se daria nos elementos mais salientes, ou seja, aqueles em que as distinções entre singular e plural são mais perceptíveis.

Assim, esse autor assume:

[...] não só a crioulização como formadora do português popular, mas a descrioulização como formadora de um português que se aproxime mais da variante do português urbano. No curso da mudança, os fatores sociais seriam os desencadeadores do processo de aquisição, no nosso caso, das marcas de concordância. É o que podemos ver quando os falantes mais novos da zona rural realizam mais concordâncias do que os falantes mais velhos, mas, mesmo assim, estão distantes dos índices de concordância dos falantes cultos urbanos (GUY, 1981 apud SILVA, 2003, p. 28).

Naro e Scherre (2000 apud SILVA, 2003) não creem nessa hipótese, uma vez que a língua portuguesa não-padrão não seria resultado de pidginização/crioulização. De acordo com Amaral (apud NARO e SCHERRE, 2003), esse fenômeno de não uso de concordância não é somente encontrado na língua de africanos, europeus, alemães, etc., mas em, praticamente, todas as localidades rurais do Brasil. Conforme esse autor, na Bahia, São Paulo e Mato Grosso, há comunidades rurais isoladas de pessoas brancas, as quais apresentam essa mesma estrutura associada, por Amaral, à crioulização.

Também há o estudo de Silvia Rodrigues Vieira (1985 apud SILVA, 2003, p. 150), a qual efetuou “um estudo de concordância em dialetos rurais fluminenses”. Essa pesquisa teve como população alvo pescadores de 12 comunidades, localizadas no norte fluminense. Essa autora investigou:

72 inquéritos e foram encontradas 2.252 ocorrências. Todos os pescadores eram homens e foram divididos por faixas etárias: A (18 a 35 anos), B (36 a 55 anos) e C (56 a 70 anos). Os informantes são analfabetos ou pouco escolarizados, não realizaram longas viagens nem viveram mais de três anos fora da comunidade. [...] Vieira trata da variação da concordância em P6 (3ª pessoa do plural). Um dos pontos importantes da posição de Vieira é que ela considera como variante inovadora a não-concordância e acaba concluindo, após a analise dos dados, que é justamente a aquisição da regra de concordância que é a inovação.

Essa pesquisadora, ainda, conclui que os índices de não-concordância estejam relacionados ao material fonético e à acentuação tônica da desinência. Enfim, Silva (2003) afirma que esse fato não invalida o princípio, uma vez que além da saliência fônica devam ser conjugados outros fatores, pois essa não é o único determinante do nível de cancelamento da regra de concordância verbal.

Com relação a esse impasse, Silva (2003, p. 152) mostra que:

A explicação que Vieira oferece para esse fenômeno leva em consideração um fator psíquico, envolvendo a retenção da estrutura na mente do falante, levando-o repetir a informação posteriormente, mantendo-os, portanto, paralelos. Lucchesi (2000) oferece explicação diferente para o mesmo fenômeno, crendo que existe a concorrência de duas gramáticas (na concepção chomskiana) uma tendente à realização do plural outra tendente ao apagamento (a coesão estrutural).

Vieira (1985 apud SILVA, 2003) avalia a importância de examinar o ambiente físico que envolve um indivíduo para, assim, efetuar a caracterização do dialeto. Acredita também que o desenvolvimento de distintas atividades condiciona a evolução econômica e social de uma comunidade. Nesse estudo, descreve duas realidades: uma composta por irrisórios vilarejos com reduzido comércio, contendo apenas uma igreja e algumas casas; a outra esta a frente devido ao acesso de turistas e veranistas. Declara, também, que as comunidades estudadas apresentam histórias próprias à época de colonização e povoamento. Cita algumas comunidades: Ponta Grossa dos Fidalgos, a mais antiga, manteve-se isolada de Campos, semelhantes à Barra de Itabapoana, São João da Barra e Atafona, estas foram povoadas desde o século XVI. Os falantes da comunidade de Atafona apresentaram índices altos de não aplicação à regra de concordância.

Os resultados mostram que os mais jovens aplicaram mais concordância do que os mais velhos. Esse resultado causa estranheza para a autora, pois, questiona se os jovens estão mantendo contato com os turistas e veranistas, ou se vêem televisão ou praticam esportes e participam de atividades culturais coletivas. Assim, Silva (2003) diz que a hipótese levantada pela autora não se aplica à situação estudada, uma vez que os sinais de contato exterior são provas de inovação.

Como podemos observar, os resultados de investigação de Vieira (1985) desautorizam a hipótese da deriva, já que a situação constatada pela autora é de aquisição e não de perda das marcas de flexão verbal, como já havia apontado, também, Lucchesi.

Segundo Iara Benquerer Costa (1990), a qual realizou a pesquisa intitulada: “O verbo na fala de camponeses (Um estudo de Variação)”, em que trata da fala de descendentes de italiano, localizados no interior do município de Ijuí/ RS. Constatou que há certas particularidades, algumas devido à interferência do italiano, outras, são características do próprio português popular falado, a exemplo: eles querem se compra uma moto esse ano. Também anotou a presença -emo: encontremo para encontramos. Com relação à concordância verbal de 2ª/3ª pessoas do plural, Costa (1990) declara esta ser marcada em mais de 95% através da flexão verbal.

Ao abordar a concordância em 2ª/3ª pessoa do plural no pretérito imperfeito do indicativo, encontrou a alternância de falavam/falávim. Praticamente 80,6% usam essa traço e a marca zero, apenas 12,2% dos casos, já outras variantes apresentaram baixas ocorrências. Costa (1990, p. 131) comenta que ao usar a marca de 2ª/3ª do plural no pretérito perfeito: “qualquer verbo entre os estudados, vamos encontrar um conjunto de três formas alternantes para marcar a concordância com a 3ª pessoa do plural: falaram x faláron x falaro, tiveram x tiverón x tivero, etc. A marca zero só foi usada em 1,9% dos casos”.

Quanto ao uso de –EM no final de verbos, Costa (1990, p. 121) comenta que a:

A variante [ey] está sendo analisada como uma forma distinta da padrão apenas nos casos em que essa marca está em alternância com o ditongo átono [aw]: falam x falem. Essa alternância é semelhante à encontrada na 1ª pessoa do plural, em que a forma padrão falamos está em variação com falemo. Há uma grande diferença de produtividade entre falemo e falem. Enquanto a forma falemo foi usada com uma frequência de 79,4% dos casos nesse mesmo grupo de verbos. Os índices de ocorrência são muito diferentes, mas o processo morfológico é semelhante. Tem-se nos dois casos uma anulação da diferença entre a 1ª e 2ª conjugações, em que a forma resultante é da 2ª: falemo/vendemo; falem/vendem. O uso das variantes falemo e falem revela uma preferência no dialeto pelas flexões que tenham a vogal [e] na posição de vogal temática.

Outro estudo que também registrou o uso de –EM foi Jung (2000), que analisou a fala de 24 informantes bilíngues de Missal/PR, cujo objetivo era investigar a concordância verbal de 3ª pessoa do plural. Ao estudar a concordância verbal na 3ª pessoa do plural, encontrou na fala dessas pessoas um traço pouco usado no português brasileiro, a exemplo de: Dançam bastante. É, dancem bastante, namora, e é muito, muito bonito clube dos idoso também [...]. Acredita que esse traço fonológico seja fruto do contato linguístico com a língua alemã, uma vez que Pereira (1999) já concluíra isso, também.

Dessa forma, a partir da conclusão de Pereira (1999), Jung (2000, p. 46) comenta que essa transposição pode ser entendida, a partir do lugar de origem desses descendentes de alemães que residem em Missal, ou seja:

A maioria das pessoas vieram de alguma região do Rio Grande do Sul, ou da região onde se estabeleceram os primeiros imigrantes que vieram para esse estado (colônia velha) ou da região que foi posteriormente colonizada por pessoas vindas da Alemanha como, principalmente, por pessoas que saíram das colônias velhas, formando, então, as colônias novas. Assim, esse fenômeno pode ser consequência da co-existência de dois sistemas de saliência fônica que se instauraram, ainda, no Rio Grande do Sul, sendo apenas levado para o Paraná. Atualmente, então, esse traço se encontraria em uma fase gradativa de eliminação, pelo fato de estar aparecendo mais na fala de pessoas com mais de 45 anos e na fala de crianças que ainda estariam regularizando o sistema da 2ª língua, o português, a partir da primeira gramática internalizada, a gramática da língua alemã. Essa é uma hipótese inicial, que merece ser melhor investigada.

Jung (2000) busca argumentos no estudo etnográfico, realizado na comunidade rural, bilíngue (português/alemão) de São Pedro, localizada no oeste paranaense, próximo a Missal, por Pereira (1999) para explicar a troca de –AM para –EM, assim, acredita que seja influência do alemão, pois, muitos verbos escritos na forma de plural, do alemão culto, terminam –EN, como:

Sprechen - falar (am)
Lesen – ler (am)
Hören –ouvir (am)
Studieren – estudar (am)
Shreiben – escrever (am)
Geboren – nascer (am)

A maioria dos verbos em alemão, conforme demonstrado através dos seis exemplos acima, tanto no infinitivo quanto na terceira pessoa do plural são escritos com em no final e são ditos como [sae]. De um lado, isto parece mostrar que o dialeto falado pelos informantes deste estudo guarda algumas semelhanças com o chamado alto alemão. Por outro lado, pode-se arriscar a dizer que há uma interferência fonológica (cf.Weinreich, 1974), desta forma identificando a presença de traços descontínuos que distinguem o português do brasileiro falado na comunidade (JUNG, 2000,  p. 46).

Passados alguns anos, Welchen (2006) faz uma reanálise dos dados coletados por Jung (2000), a qual pesquisou a concordância verbal na 3ª pessoa do plural, baseado no mesmo corpus. Mas Welchen (2006) deteve-se, principalmente, a estudar, a mudança da desinência /a/ para /e/ no final de verbos de 3ª pessoa do plural, uma vez que Jung, inicialmente, tenha registrado o dessa desinência no fim de verbos, mas teve que excluí-la,  devido a nocautes, por haver baixo número de ocorrências no seu corpus.

Inicialmente, Welchen (2006, p. 6) propôs-se a fazer as seguintes análises:

0 (ausência de marca); P (presença de marca padrão); Q (presença de marca não-padrão); na sequência, contrastaremos P (presença de marca, independentemente de ser padrão) versus 0 (ausência de marca); depois analisaremos formas não padrão versus formas padrão, o que não foi feito pela pesquisadora supracitada; contrastaremos, por ultimo, -EM, não padrão, com –AM, padrão.

Com relação à distribuição geral da concordância em Missal/PR, a pesquisadora constatou, na fala dos 16 entrevistados, 718 ocorrências de 3ª pessoa do plural, as quais foram, assim, distribuídas: 563 casos de desinência padrão, 79%; 60 casos de desinência não-padrão, totalizando 8% e 95 casos de ausência de desinência, 13%. Assim, Welchen (2006) verifica que em Missal/PR as pessoas falam um português com marca de concordância, reforçando os resultados de Jung (2000).

Quanto à análise da rodada presença versus ausência de marca, Welchen (2006) declara que alguns fatores foram selecionados, como: posição do sujeito; traço humano do sujeito; tempos verbais; escolaridade; saliência fônica; conjugação verbal. Os resultados a que chega a pesquisadora é que a ausência de marca, em Missal/PR é baixa, 13%, em compensação há 87% de marca de concordância verbal na 3ª pessoa do plural. Comenta que essa frequência é alta se comparada com outros estudos do PPB, a exemplo de Naro e Lemle (1997) que em um estudo baseado na fala de 20 informantes do Mobral, RJ, detectaram 30% a 80% de freqüência de aplicação da regra, média geral, 50%. Welchen (2006) menciona, ainda, o estudo de outros autores, como: Guy (1996), Rodrigues (1987), Bortoni-Ricardo (1989), Silva (2003), os quais registraram, em suas pesquisas, baixa ocorrência de marca de concordância verbal de 3ª pessoa do plural, do português popular. Diz que apenas Costa (1990) em sua pesquisa de doutorado, acerca da fala de descendentes de italiano no interior de Ijuí/RS constatou uma forte tendência a  marcar a concordância verbo/sujeito, uma vez que detectou 83,4% de concordância.

Welchen (2006) ao analisar a posição do sujeito, verificou que os resultados, que a ausência de marca de 3ª pessoa do plural e é favorecida com sujeito posposto, cujo peso relativo é de 0,93 e a frequência de 66%, e com o sujeito anteposto não-contíguo, com frequência de 17% de ausência de desinência. Ao verificar o traço humano do sujeito, a pesquisadora comenta que esse fator é pouco estudado, mas que, em Missal/PR, a ausência de concordância verbal é mais forte com sujeito não humano, sendo que o traço humano inibe a ausência de marca de concordância.

Ao analisar os tempos verbais, Welchen (2006) diz que os resultados de Missal/PR mostram que a ausência de concordância verbal de 3ª pessoa do plural é favorecida  com o pretérito imperfeito do indicativo, com peso relativo de  0,74. Já os demais tempos verbais inibem a ausência: presente do indicativo, pretérito perfeito do indicativo.

Assim, Welchen (2006, p. 45) questiona:

Como, então, explicar esse favorecimento? Por que será que os informantes de Missal/PR apagam mais a marca de plural nos verbos no pretérito imperfeito do indicativo? Quem sabe, a explicação seja a saliência fônica, pois as formas verbais do pretérito imperfeito do indicativo, como iam, incentivam, tinham são menos salientes do que as do pretérito imperfeito do indicativo e conforme haviam proposto Naro e Lemle (1997), a probabilidade de marcar a concordância verbal é maior nos contextos em que a diferença entre as formas do singular e do plural é mais saliente, em sentido contrário, menor nos contextos menos salientes.

Com relação à escolaridade, na análise da rodada presença versus ausência de marca, mostrou-se significante, quanto maior o grau de escolaridade há maior propensão ao uso de marcas de terceira pessoa do plural. Os que favorecem a ausência de marca são os falantes de 0 a 4 anos de escolaridade, com 17% e os de 5 a 8 anos de escolarização perfazem 12% de ausência, bem como os de 9 a 11 e mais de 11 anos. A pesquisadora declara que esse resultado não pode ser visto como conclusivo, uma vez que os informantes não foram, igualmente, distribuídos por idade e escolaridade.

Conforme Welchen (2006) a saliência fônica, 5º fator selecionado pelo programa, pareceu não atuar em relação à concordância verbal de 3ª pessoa do plural, em Missal/PR.

Tendo em vista a conjugação verbal, sexto e último fator selecionado pelo programa VARBRUL, a autora apresenta os resultados de que as 2ª e 3ª conjugações favorecem o apagamento e a 1ª conjugação inibe a ausência de concordância verbal. Inicialmente, Welchen (2006, p. 55) declara que:

[...] o resultado da primeira conjugação pudesse ser explicado à luz da escala de saliência fônica, mas não pode, já que os informantes de Missal/PR apagam mais os verbos do tipo fala/falam do que come/comem. Assim, intriga-nos o fato de os informantes da cidade em estudo inibirem o uso de formas padrão na 1ª conjugação.

A seguir, citaremos os resultados gerais a que chegou Welchen (2006), quanto à análise da rodada padrão versus não-padrão, a qual tinha o objetivo de analisar os fatores sociais associados à concordância verbal não-padrão na 3ª pessoa do plural na fala de informantes de Missal/PR. Ela salienta que comentará os resultados de todos os grupos de fatores sociais incluídos na análise, independentemente do fato de terem ou não sido selecionados pelo programa. Nessa rodada, foram selecionados: escolaridade e zona de residência.

Ao analisar, então, o fator escolaridade, Welchen (2006, p. 56) comenta que a hipótese inicial em relação à concordância verbal na terceira pessoa do plural se confirmou, pois:

Os informantes de 0 a 4 anos de escolaridade favorecem o uso de marcas não-padrão, enquanto os de 5 a 8 anos inibem esse uso, igual ao que acontece no português popular de outras variedades do país. Entre as marcas não-padrão de concordância verbal, na 3ª pessoa do plural, encontramos a terminação –EM, em final de alguns verbos no presente do indicativo, no pretérito perfeito do indicativo e no pretérito imperfeito do indicativo, bem como –UM em final de verbos no pretérito perfeito do indicativo.

Constatou que as pessoas mais velhas e com escolaridade entre 0 a 4 anos, efetivamente, tendem a usar mais as marcas não-padrão, 20% contra 9% dos mais jovens desse mesmo nível escolar. Assim sendo, Welchen conclui que o grau de escolaridade influencia os falantes de Missal/PR a empregar as marcas de concordância verbal padrão. Afirma também que  estudos já têm mostrado que, quanto maior o grau de escolaridade de um indivíduo, mais este tende a usar a concordância verbal padrão. Como o programa selecionou o fator local em que residem os informantes, Welchen (2006, p. 59) diz que os resultados são surpreendentes, uma vez que a zona urbana de Missal/PR, com 10%, favorece o uso de marcas não-padrão e não a zona rural com 9%. Com relação a esse resultado, a pesquisadora comenta que:

Praticamente, não há diferenças quanto ao uso de marcas não-padrão, na concordância verbal de 3ª pessoa do plural, entre os moradores das zonas rural e urbana. Essa proximidade, provavelmente, pode ser decorrente das relações inter-varietais em construção, em função do contato alemão-português, mais presente na zona rural do que na urbana, em conformidade com Jung (2000). Referente aos resultados para a variável gênero/sexo, Welchen (2006) apresenta os resultados de que as mulheres utilizam mais as marcas de concordância verbal na 3ª pessoa do plural, não-padrão, com 11%, enquanto os homens perfazem 8%. Afirma que esses resultados fecham com os achados de Bortoni-Ricardo, a qual analisou a fala de imigrantes recém chegados do Alto Paranaíba e Minas Gerais em Brazlândia, a qual anotou que os homens mudaram sua fala em relação à das mulheres, pois saíam para trabalhar e mantinham contato com outras redes. Ao passo que as mulheres ficavam em casa e o reflexo em sua fala é que mantinham o dialeto original.

Ao cruzar gênero/sexo com escolaridade, Welchen (2006) diz que o fator escolaridade apresentado em Missal/PR é igual ao da literatura sociolinguística, atua mais sobre as mulheres, sendo que, quanto mais escolarizadas, utilizam mais marcas padrão de concordância verbal de 3ª pessoa do plural. Welchen (2006) comenta que, embora não tenha sido selecionado o fator faixa etária, em Missal/PR, observou que as pessoas com mais idade usam mais as marcas de concordância verbal não-padrão: 25 a 40 anos, com frequência de 7%; com + de 45 anos, frequência de 12%.

Quanto à análise da rodada –AM versus -EM, de Missal/PR, Welchen (2006) diz que foram escolhidos os seguintes fatores: tempo verbal, escolaridade e zona de residência. A pesquisadora declara que o grupo tempo verbal mostra que o presente do indicativo favorece o emprego de –EM, ou seja, 29% de uso desse traço, enquanto os outros tempos verbais o inibem. O segundo fator selecionado, escolaridade, apresenta os resultados de que, em Missal/PR, as pessoas de 0 a 4 anos de escolarização favorecerem o uso de –EM, com frequência de 17% e os de 5 a 8 anos o inibem.

Ainda foram cruzados os fatores escolaridade e idade, os resultados mostram que, realmente, o traço –EM é mais saliente entre as pessoas com mais de 45 anos e escolaridade de 0 a 4 anos. Welchen (2006, p. 68) ressalta que:

O traço –EM está mais intrinsecamente ligado à baixa escolaridade do que à idade, pois, comparando o desempenho dos falantes de 0 a 4 anos de estudo com os de 5 a 8 anos, entre os da faixa etária superior a 45 anos de idade, observamos que há frequências de uso de –EM bastante distintas: de 21% e 11%, respectivamente; também há diferenças entre os de 25 a 40 anos, embora menos discrepantes entre os falantes dos dois níveis escolares, ou seja, 14% para os de 0 a 4 anos de estudo, e 11% para os de 5 a 8 anos de estudo.

Ela, também, realizou o cruzamento entre escolaridade e gênero e os resultados a que chega são de que as mulheres com pouca escolaridade, ou seja, de 0 a 4 anos, apresentam 26% de emprego de –EM e as que têm 5 a 8 anos: 6%, assim, à medida que o nível escolar aumenta esse índice de uso de -EM decresce. Já os homens que possuem pouca escolaridade, de 0 a 4 anos, apresentam 5% de tal traço e os com 5 a 8 anos de escola, 13%.  Dessa forma, fica comprovado mais uma vez que as mulheres são mais sensíveis à influência da escola do que os homens, em Missal/PR. E com relação à zona de residência, Welchen (2006) salienta que a zona urbana favorece o uso de –EM, com 12% e zona rural, 10%.

A fim de verificar a hipótese de que o uso do traço –EM está ligada à língua alemã, Welchen (2006) pesquisou, ainda, a fala de 13 alunos: 7 meninos e 6 meninas, da 8ª série da escola do Distrito de Grápia, Paraíso/SC. Entre esses alunos, havia descendentes de alemães, italianos, mestiços. A pesquisadora encontrou essa marca na fala de 5 alunos, sendo que as meninas o apresentaram mais do que os meninos: 3 meninas contra 2 meninos. Ressalta que apenas um não é descendente de alemães, os outros 4 são.

Welchen (2006) com relação ao traço –EM, no fim de verbos, com base na sua pesquisa em Paraíso/SC, igualmente ao que Jung (2000) havia constatado, afirma que é mais empregado no presente do indicativo. Mas discorda de Jung (2000), quando o associa à língua alemã, dado que o encontrou entre pessoas de diversas origens, e entre os adolescentes de Paraíso não haver um que falasse alemão, e até pelo fato de Welchen ser de origem alemã e somente tê-lo ouvido pela primeira vez ao dar aula de língua portuguesa, numa escola de assentamento de sem-terras, nos quais havia alunos de origens diversas. Por isso, conclui que não é possível afirmar que o traço –EM seja uma interferência do alemão, embora:

[...] tenha sido associado ao falante dessa língua, no imaginário popular, tanto que, em São Miguel do Oeste/SC, uma rádio FM local, aos sábados, apresenta o programa Top Show, um programa bem humorado de música e “bobagens”, em que imitam um gaúcho de Porto Alegre, um gaúcho da fronteira, um italiano: o nono Ernesto, um fanho; entre esses, um alemão chamado seu Haníbal, que se caracteriza, principalmente, por transformar o –AM em final de verbos em –EM. [...] ligarem tudo errado os fios; enlouquecerem lá; eles gostem de mim; fiquem enrolando; as crianças fiquem rindo de mim; vocês não liguem; eles mandem [grifos nossos]. (WELCHEN, 2006, p.)

Por isso, a autora salienta que são precisos mais estudos acerca da origem de –EM, em comunidades de fala bilíngues, alemão-português, italiano-português e em comunidades sem contextos bilíngues antes de afirmar que esse traço seja influência de uma determinada língua.

4 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS EM Lª GAÚCHA, MUNICÍPIO DE DESCANSO/SC, UMA COMUNIDADE DE DESCENDENTES DE ITALIANOS.

Para o fim que pretendia nosso estudo, realizamos, primeiramente, pesquisa bibliográfica acerca da sociolinguística, bem como da concordância verbal de terceira pessoa do plural. Feito isso, com o intuito de analisar a concordância verbal na 3ª pessoa do plural, especificamente, o traço –EM, no fim de verbos que deveriam terminar em –AM, em uma comunidade de fala de italianos, elaboramos um roteiro de entrevista (Apêndices), o qual foi aplicado em pesquisa de campo na comunidade de Lª Gaúcha, município de Descanso/SC, localizada no extremo oeste catarinense. Os informantes foram aleatoriamente escolhidos, conforme a metodologia sociolinguística.

Embora tenhamos elaborado um roteiro de entrevista, no momento em que ela ocorria, tentamos obter narrativas a partir do que os informantes, também, falavam, pois, nestas, os informantes se envolveram mais com o fato que estavam relatando, produzindo uma fala mais espontânea, mais próxima de sua fala cotidiana. Como diz Tarallo (1993, p. 23), “ao narrar suas experiências pessoais mais envolventes, ao colocá-las no gênero narrativo, o informante desvencilha-se praticamente de qualquer preocupação com a forma”.

Convém salientar que para a coleta dos dados, gravamos as falas e as entrevistas duraram, em torno de, 30 a 45 minutos. Deixávamos claro aos informantes que, caso, no fim da gravação, quisessem a fita, nós a entregaríamos, mas ninguém a exigiu, apenas um senhor pediu para ouvir toda gravação, então, o deixamos ouvir. Muitos informantes se sentiram constrangidos com a presença do gravador, mas nós dizíamos que esse objeto era como se não estivesse ali, assim, primeiramente, conversávamos com as pessoas sem o uso do gravador, para amenizar o impacto desse. Segundo Tarallo (1993, p. 21):

O pesquisador, ao selecionar seus informantes, estará em contato com falantes que variam segundo classe social, faixa etária, etnia e sexo. Seja qual for o tópico central da conversa, seja quem for o informante, o pesquisador deverá tentar neutralizar a força exercida pela presença do gravador e por sua própria presença como elemento estranho à comunidade. Tal neutralização pode ser alcançada no momento em que o pesquisador se decide a representar o papel de aprendiz-interessado na comunidade de falantes e em seus problemas e peculariedades. Seu objetivo central será, portanto, aprender tudo sobre a comunidade e sobre os informantes que a compõem. A palavra “língua” deverá ser evitada a qualquer preço, pois o objetivo é que o informante não preste atenção a sua própria maneira de falar.

Também é importante mencionar que uma pessoa, moradora de Lª Gaúcha, Descanso/SC nos guiou até a casa dos informantes, pois, assim, não causaríamos tanta estranheza do que se chegássemos sozinhos nas residências. Foram entrevistados, inicialmente, 10 informantes descendentes de italiano, mas devido a problemas no momento da gravação, apenas 6 restaram para análise, os quais, assim, ficaram distribuídos: 4 informantes do gênero feminino,  2 com idade entre 10 a 25 anos; 1 com idade entre 26 a 45 anos e a outra com mais de 45 anos; e os do gênero masculino restaram 3, 2 com idade entre 10 a 25 anos e 1 com mais de 45 anos.

Podemos conferir essa distribuição no quadro que segue:

Quadro 1: Distribuição dos Informantes de Lª Gaúcha/Descanso

INFORMANTE

IDADE/GENERO

ESCOLARIDADE

1ª LÍNGUA

ETNIA

Poliana

10 a 25 anos/ Fem.

+ de 11 anos

Português (praticamente não usa o italiano)

Pais bilíngues (falam italiano, raramente)

Paola

26 a 45 anos/ Fem.

8 anos

Português (mas se comunica, fluentemente, em italiano)

Pais bilíngues (falam italiano, raramente)

Mônica

Mais de 45 anos/ Fem.

9 anos

Italiano (em casa com a família, apenas usam o italiano)

Pais bilíngues (falam italiano no dia a dia com a família)

Silvia

10 a 25 anos/ Fem.

10 anos

Português (comunica-se em italiano fluentemente)

Pais bilíngues (falam italiano no dia a dia com a família)

Pablo

Mais de 45 anos/ Mas.

3 anos

Italiano (na família somente usam o italiano)

Pais bilíngues (falam italiano no dia a dia com a família)

Gustavo

10 a 25 anos/ Masc.

7 anos

Italiano/Português, respectivamente

Pais bilíngues (falam italiano, raramente)

Ao analisar a concordância verbal na terceira pessoa do plural, foram encontrados contextos em que os verbos possuem a terminação –EM ao invés de –AM, como podemos observar na fala transcrita a seguir, a informante Poliana é nascida em Descanso/SC, com idade entre 10 a 25 anos, a qual cursa Ensino Superior, e teve como primeira língua o português, aos poucos foi aprendendo a língua italiana, apesar de não utilizá-la, seus pais são bilíngues, naturais de Ijuí/RS, também, raramente, falam a língua italiana, mas foi sua primeira língua.

Fassbinder: Quantos anos você tem?
Poliana: 22 anos

Fassbinder: Qual língua você aprendeu primeiro?
Poliana: Aprendi o português, depois aprendi o italiano, também.

Fassbinder: Os teus pais são de que origem?
Poliana: Italiano

Fassbinder: Eles praticam essa língua?
Poliana: eles falem, mas não muito....

Fassbinder: Como era aqui em Descanso nos primeiros anos de colonização, você saberia me dizer, embora não tenha vivenciado esse período?
Poliana: Olha aqui em Descanso, assim, vierem, né um total de 20 famílias né eles vierem juntos aí chegarem do RS aqui e formarem, então, uma pequena comunidade ali começarem a trabalhar com a lavoura e plantava só o que era necessário [...] que eles vierem pra cá por achar que iam construir um futuro melhor.

Fassbinder: Você participa da política e o como você vê a política?
Poliana: sim, né, gosto, eu acho que é preciso, né no mundo todo, mas que eles fazem uma política justa.

Fassbinder: Você acharia interessante que fosse ensinado italiano nas escolas aqui de Descanso?
Poliana: eu não acho que só o italiano, mas todas as línguas, mesmo que a maioria das famílias daqui são de origem italiana e polonesa.

Com base nesse trecho, observamos que o uso de –EM em quase todos os contextos está no pretérito perfeito do indicativo, com exceção apenas de falem, presente do indicativo. Na fala de Paola, com idade entre 26 a 45 anos, que estudou até o oitavo ano aprendeu, primeiramente, a língua portuguesa, mas aos poucos aprendeu a língua italiana com os pais, os quais são bilíngues e provenientes de Nova Prata/RS e, hoje, comunica-se, fluentemente, com a família em língua italiana e é natural de Descanso, conforme relata.

Fassbinder: Quantos anos você tem?
Paola: 36 anos

Fassbinder: você participa de alguma diretoria, aqui na comunidade?
Paola: sim, conselho...

Fassbinder: Que língua você aprendeu primeiro: italiano ou português?
Paola: Português, depois fui falando, aprendendo italiano com os pais, não sou tão craque, mas hoje entendo tudo e falo.

Fassbinder: Você nasceu aqui em Descanso?
Paola: sim, aqui em Lª Gaúcha mesmo, em casa com uma parteira que a mãe sempre conta.

Fassbinder: Você sabe algo sobre a colonização de Descanso nos primeiros anos?
Paola: alguma coisinha eu sei sim, essa aqui levou um livro pra casa e nós lemos porque tem a história de Descanso, que quando começou era tudo mato não tinha...as pessoas vieram, vieram.

Fassbinder: Vieram de que lugar?
Paola: lá de Casca, Nova Prata, vieram lá do Rio Grande...eles contavam que enfrentaram onça no caminho...

Fassbinder: O que eles plantavam?
Paola: há uma vez eles plantavam milho no meio da soja.

Como podemos observar os verbos, nesse trecho, os verbos com -EM encontram-se no pretérito imperfeito do indicativo, a exemplo de: eles contavem, eles plantavem em vez de eles contavam, eles plantavam. Quanto à fala de Pablo, a seguir, com idade maior de 45 anos, natural de Casca/RS, mas veio morar em L ª Gaúcha aos 15 anos de idade, o qual frequentou a escola apenas três anos, teve como primeira língua o italiano, aprendeu o português na escola, seus pais são bilíngues provenientes do sul da Itália, ele apenas se comunica em língua italiana com a família, diz que, raramente, fala em português.

O traço –EM ocorre quando Pablo relata experiências de vida e aparece no fim de verbos, no pretérito perfeito do indicativo, com exceção do uso de erem, como Welchen (2006), também, encontrou em sua pesquisa com alunos de 8ª série do Distrito de Grápia/ Paraíso, na fala de uma das informantes. Outro ponto que nos chama a atenção é o uso de tinhem, conforme contexto abaixo:

Fassbinder: Como eram as estradas aqui, quando o senhor chegou?
Pablo: ah as estradas erem uma picada..

Fassbinder: Já existia construção, como casa, galpão?
Pablo: não tinha nada não, assim eles tinhem que puxarem as telhas de lá pra cá..

Fassbinder: E a escola como que era aqui...
Pablo: primeiro tinha uns 16 aluno e depois cheguemu a uns 116 aluno aqui na comunidade...

Fassbinder: E quanto aos produtos, o senhor sempre colheu bem?
Pablo: nois nunca fiquemu sem farinha, sempre temo pra comê...

Já na fala de Sílvia, Gustavo e Lucas e Mônica, com faixa etária entre 10 a 25 anos e mais de 45 anos, com escolaridade, de 10 anos, 7 anos e 9 anos, respectivamente, não encontramos contextos em que há anulação das conjugações verbais, ou seja, o traço –EM. Quanto ao gênero de quem usa mais esse traço, constatamos que as mulheres o utilizam mais do que os homens, cerca de 70% contra 30% dos homens.

Em relação à escolaridade, verificamos que as pessoas menos escolarizadas, em torno de 75% tendem a usar mais essa marca de –EM no final de verbos, embora as com mais escolaridade, cerca de 25%, também, usam esse traço, com menos intensidade.
Percebemos que as pessoas entre 26 a 45 anos e mais de 45 anos de idade usam mais essa marca, 80% do que os de 10 a 25 anos, 20%.

Ao analisar essas falas verificamos que os resultados são semelhantes aos de Welchen (2006) relativos aos informantes de Missal/PR, bem como aos Distrito de Grápia/ Paraíso/SC. Como podemos ver, neste estudo, também, há o uso desse traço e os informantes não são de origem alemã e, sim, todos descendentes de italianos. Assim, como Welchen (2006) também, sugerimos que mais pesquisas sejam feitas em comunidades de fala bilíngues das mais diversificadas etnias, antes de se afirmar que esse traço é de determinada língua. Há indícios de que tem relação com contextos bilíngues.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao final deste estudo, apresentaremos, em linhas gerais, os resultados a que chegamos. Procuramos, ao longo deste trabalho, entender um pouco mais sobre o fenômeno da concordância na 3ª pessoa do plural, a partir de análises realizadas por Jung (2000), Pereira (1999), Costa (1990), Welchen (2006), entre outros.

De acordo com Silva (2003, p. 3):

A concordância verbal já foi o campo de estudo de gramáticos e filólogos, hoje a sociolingüística toma para si não só a tarefa de descrever as estratégias de aplicação da regra de concordância, mas o entorno linguístico e extralinguístico que impulsiona a aplicação da regra, procurando explicações na história da língua e da comunidade para justificar a variação nos índices em que ela se encontra na realidade linguística do português do Brasil.

Propusemo-nos a estudar a concordância verbal na 3ª pessoa do plural, especificamente, os fatores linguísticos e sociais associados à passagem do traço –AM para –EM, no final de verbos. Verificamos que há o uso desse traço –EM na fala de descendentes de italianos, de Lª Gaúcha, município de Descanso, assim, como Welchen (2006) encontrou na fala dos alunos do Distrito de Grápia/Paraíso, os quais eram de várias etnias e, também, Jung (2000) encontrou esse traço na fala de descendentes de alemães, em Missal/PR, bem como Costa (1990) constatou na fala de descendentes de camponeses italianos no interior de Ijuí/RS.

Ao analisar essas falas verificamos que os resultados são semelhantes aos de Welchen (2006) relativos aos informantes de Missal/PR, bem como aos Distrito de Grápia/ Paraíso/SC. Quanto ao gênero de quem usa mais esse traço, constatamos que as mulheres utilizam mais do que os homens, cerca de 70% contra 30% dos homens.

Em relação à escolaridade, verificamos que as pessoas menos escolarizadas, em torno de 75% tendem a usar mais essa marca de –EM no final de verbos, embora as com mais escolaridade, percentual de 25%, também, usam esse traço com menos intensidade. Ao analisar o fator idade, percebemos que as pessoas entre 26 a 45 anos e mais de 45 anos de idade usam mais essa marca, 80% em relação aos de 10 a 25 anos, 20%.

Embora Pereira (1999), Jung (2000) tenham associado esse traço ao alemão, Iara Benquerer Costa (1990) constatou essa variável na fala de descendentes de italiano, no interior de Ijuí, RS. Ela acredita que a variação de falem x falam é idêntica à encontrada na 1ª pessoa do plural, em que a forma padrão esta em constante variação como falemo, cheguemu. Como diz Welchen (2006) que não é possível afirmar que o traço –EM seja interferência de uma língua específica, alemã, italiana, embora:

[...] tenha sido associado ao falante dessa língua, no imaginário popular, tanto que, em São Miguel do Oeste/SC, uma rádio FM local, aos sábados, apresenta o programa Top Show, um programa bem humorado de música e “bobagens”, em que imitam um gaúcho de Porto Alegre, um gaúcho da fronteira, um italiano: o nono Ernesto, um fanho; entre esses, um alemão chamado seu Haníbal, que se caracteriza, principalmente, por transformar o –AM em final de verbos em –EM. [...] ligarem tudo errado os fios; enlouquecerem lá; eles gostem de mim; fiquem enrolando; as crianças fiquem rindo de mim; vocês não liguem; eles mandem [grifos nossos]. (WELCHEN, 2006, p. 74).

Gostaríamos de frisar que os nossos resultados vêm de encontro aos de Pereira (1999), Jung (2000), Costa (1990) e, também, aos de Welchen (2006), uma vez que esse trabalho, também, apresentou o mesmo traço –EM x –AM, no fim de verbos.

Enfim, esperamos que este estudo possa contribuir para a compreensão da realidade lingüística do português popular do Brasil, especialmente, a variedade rural. Gostaríamos, ainda, que nosso estudo possa servir de incentivo a outros pesquisadores, alunos de Graduação, especificamente, aos de Letras, fica o convite de aprofundar esse estudo, a fim de estudar a concordância verbal na 3ª pessoa do plural, não somente o traço –EM no fim de verbos, como nos propusemos.

REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos. A norma oculta - língua & poder na sociedade brasileira. 2 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
______________. Preconceito Linguístico. São Paulo: Loyola, 2003.
BORTONI, Stella Maris. Educação bidialetal: o que é? É possível? IN: Linguística indígena e educação na América Latina. Campinas (SP): Ed. da UNICAMP, 1993.
CASTILHO, Ataliba T. de. O português do Brasil. In: ILARI, Rodolfo. Linguística Românica. 2 ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 237-285.
COSTA, Iara Bemquerer. O verbo na fala de camponeses: um estudo de variação. 1990. Tese. (Doutorado em Letras) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, SP, 1990.
JUNG, Neiva Maria. A concordância verbal no português falado (brasileiro) no município de Missal/PR. (Trabalho de conclusão de disciplina – variação em português) –Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2000.
SILVA, Jorge Augusto Alves. A concordância verbal no português afro-brasileiro: um estudo sociolinguístico de três comunidades rurais do estado da Bahia, 2003. Tese (Doutorado em Letras) – Instituto de Letras, Salvador, UFBA, Salvador, 2003.
MOLLICA, Maria Cecília. Introdução à sociolinguística variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
NARO, Anthony Julius; LEMLE, Miriam. Competências básicas do português. Rio de Janeiro: MOBRAL, Fundação Ford, 1977.
PAIVA, Maria da Conceição. Sexo. In: MOLLICA, Cecília Maria (Org.). Introdução à Sociolinguística variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
PEREIRA, Maria Ceres. Naquela comunidade rural, os adultos falam “alemão e “brasileiro”: Na escola, as crianças aprendem português: um estudo do continuum oral/escrito em crianças de uma classe bisseriada. 1999. Tese (Doutorado em Letras) – Instituto de Estudos da linguagem, UNICAMP, São Paulo, 1999.
PRETI, Dino. Sociolinguística – os níveis de fala. São Paulo: Nacional, 1987.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1993.
VOTRE, Sebastião. Escolaridade. In: MOLLICA, Maria Cecília (Org.). Introdução à sociolinguística variacionista. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.
WELCHEN, Dirce. A concordância verbal na terceira pessoa do plural em Missal/PR. (Trabalho de conclusão de disciplina -Variação em Português. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2006.

APÊNDICE
FICHA DE CATALOGAÇÃO DE INFORMANTES

Data da entrevista: ___/___/____.

1. Identificação do Informante: __________________

2. LOCAL DE RESIDÊNCIA: (    ) Zona Rural      (    ) Zona Urbana

3. Endereço: ___________________

4. Estado Civil: ____________________________
SEXO: (    ) Masculino  (    ) Feminino

5. Profissão:_______________________________

6. Participa de alguma diretoria: (   ) Sim   (   ) Não  (   )
Função: ___________________

7. FAIXA ETÁRIA:   (    ) 6 a 10 anos    (   ) 25 a 40 anos   (   ) acima de 45 anos

8. Língua que aprendeu primeiro:   (     ) Italiano    (     ) Português (     ) As duas

9. Conhecimento atual das línguas:  (    ) monolíngue em Italiano (    ) monolíngue em português (    ) bilíngue

10. Conhecimento de línguas dos pais: (    ) pai monolíngue     (    ) pai bilíngue
(    ) mãe monolíngue   (    ) mãe bilíngue

11. Local de aprendizagem do português:
(    ) família  (    ) escola  (    ) sociedade, em contato com outras pessoas  (    )
Outro. Especificar: ____________________

12.Grau de Exposição à língua escrita:
a) Frequentou a escola durante quanto tempo: (    ) 2 a 4 anos  (    ) 5 a 8 anos  (    )
8 a 11 anos  (    ) mais de 11 anos

b) Tem hábito de leitura?  (    ) Sim  (    ) Não
Frequência: ________________________

c) O que gosta de ler?  (    ) jornal  (    ) revista  (    ) livros   (    ) outros

d) Ouve rádio?  (    ) Sim   (    ) Não
Frequência: _________________________________

f) Vê televisão?  (    ) Sim   (    ) Não
Frequência: ­­________________________________

g) Atividades sociais preferidas (lazer): _________________________

h) Vai muito à cidade? ( para zona urbana)  (    ) Sim  (    ) Não
Qual frequência:______

Entrevistador: __________________________________

Obs.: _________________________________________


ROTEIRO PARA A ENTREVISTA

  1. Como era aqui em Descanso nos primeiros anos de colonização?

  2. Como chegaram até aqui? Onde moravam antes? Por que vieram? Como ficaram sabendo da existência destas terras?

  3. Quando chegaram aqui encontraram alguma dificuldade?

  4. Lembram de alguma situação difícil pela qual passaram nos primeiros anos que moravam aqui?

  5. Como é que foram construídas a escola e a igreja? Vocês participaram dessa construção?

  6. Quantos anos possui o município de Descanso? O que mudou em Descanso, da época da colonização até os dias atuais?

  7. Como Descanso vem enfrentando a crise na agricultura? E o preço dos produtos estão bons ou ruins?

  8. A prefeitura tem participado da resolução dos principais problemas que as pessoas de Descanso têm enfrentado?

  9. Por exemplo, como estão as coisas na agricultura?

  10. O que as pessoas plantavam nos primeiros anos de colonização e o que plantam hoje?

  11. Estamos em ano de eleição para presidente, governador, deputados e senadores. Como é que estão os encaminhamentos para essas eleições? Você lembra em quem votou na última eleição?

  12. Você participa da política? O que acha da política?

  13. Como tem sido as campanhas políticas aqui em Descanso?

  14. Se o senhor (a) fosse eleito presidente do Brasil, o que faria?

  15. E a escola, como era quando estudava?

  16. O que mudou da escola do seu tempo para a de hoje?

  17. Em relação às línguas, que língua aprendeu primeiro?

  18. Como você aprendeu a segunda língua?

  19. Como as línguas, Italiano e Português, são usadas hoje em Descanso?

  20. Acharia interessante que fosse ensinado o Italiano nas escolas de Descanso?

  21. Você já correu algum risco de vid a?

  22. Já participou e/ou observou alguma cena de violência?

  23. Tem algum momento que marcou a sua vida? Qual?

 
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