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Edições Anteriores 278 O exercício do poder disciplinar pela instituição de ensino e a prática do “trote”
O exercício do poder disciplinar pela instituição de ensino e a prática do “trote” PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Guilherme Perez Cabral   
Qua, 22 de Junho de 2011 00:00

Introdução

No início dos períodos escolares, são comuns notícias em jornais sobre a ocorrência de “trotes”: atos de zombaria, constrangimento, humilhação e mesmo de violência física praticados, numa espécie de “rito de passagem”, por alunos veteranos, em ingressantes de instituições de ensino superior. Entre elas, destacou-se, em 1999, a trágica história do estudante Edison Tsung Chi Hsueh, encontrado morto em piscina da Associação Atlética Acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, após evento de “recepção dos calouros”.



Ressurgem, assim, com tal periodicidade, debates sobre os diversos aspectos – psicológicos, sociológicos, históricos, etc. – envolvidos em tal prática agressiva. E são apontados, então, na esfera específica do direito das obrigações, deveres e responsabilidades dos dirigentes das instituições de ensino.

Nesse sentido, em reportagem publicada em 15/02/2009, pelo Jornal Folha de São Paulo, intitulada “Universidade deve punir trote violento, afirmam reitores”, após a menção dos “casos de queimaduras na caloura grávida Priscilla Muniz, 18, e coma alcoólico e chicotadas em Bruno Ferreira, 21”, afirma-se que “A universidade tem, sim, a obrigação de prevenir e punir trotes violentos com suspensões e até expulsões”. Complementa, porém: “A principal controvérsia é o fato de os casos mais graves ocorrerem geralmente fora do campus. Nesse ponto, as opiniões sobre a responsabilidade da universidade diferem”.

Acompanhando esse debate e posicionando-se sobre a matéria, o Ministério Público Federal divulgou, no 2o semestre de 2009, a Recomendação no 04/2009, por meio da qual orienta as instituições públicas e privadas de ensino superior do Estado de São Paulo a promover “medidas de segurança necessárias no sentido de concretamente coibir a prática do trote estudantil com caráter violento, humilhante, vexatório ou constrangedor aos alunos, não apenas nas dependências da instituição de ensino mas, também, fora dela” (grifo nosso).

Recomenda, também, que promovam “a punição disciplinar das pessoas envolvidas com as práticas violentas, agressivas, vexatórias e constrangedoras ocorridas tanto nas dependências da instituição de ensino como fora dela” (grifo nosso).

Emerge, assim, desse debate acerca das obrigações da instituição de ensino em relação a atitudes violentas entre alunos, em especial os aludidos “trotes”, questão extremamente importante, porém pouco aprofundada em termos jurídicos, referente ao significado, finalidades e limites do poder disciplinar a ser exercido pelos dirigentes dessas instituições.

Com efeito, embora seja patente a atribuição da escola de garantir a segurança e a incolumidade física e psíquica de seus alunos, aplicando, quando o caso, sanções acadêmicas e administrativas aos estudantes transgressores das normas de convivência, é indispensável a atenção especial às normas jurídico-educacionais que informam tal poder disciplinar, de modo a evitar arbitrariedades e excessos e assegurar a consecução de suas finalidades precípuas.

Nesse sentido, o objetivo do presente texto é refletir, no âmbito da direito educacional, sobre o sentido, os fins e os limites do exercício, pelas instituições de ensino, do poder disciplinar em relação ao corpo discente. Dessa forma, pretende-se, ainda, verificar a esfera de atuação dos estabelecimentos escolares no que se refere especificamente à prática do “trotes” e aos agressores nele envolvidos.

1. O significado e os objetivos do poder disciplinar

1.1. Valendo-se das lições do Direito Administrativo (MEIRELLES, 2001, p. 116), o poder disciplinar, atribuído à instituição de ensino, pode ser definido como a prerrogativa institucional de organizar, dirigir e supervisionar o desempenho das atividades e a conduta interna dos membros da comunidade escolar, responsabilizando-os por eventuais faltas cometidas.

Tal disciplina das atividades acadêmicas deve efetivar-se, evidentemente, em vista de determinados fins. No âmbito escolar, é possível identificar, desde logo, como objetivo precípuo da disciplina, a promoção da educação.

Por educação, entende-se, aqui, à luz do quadro jurídico-constitucional democrático brasileiro pós 1988, o processo amplo de desenvolvimento das potencialidades intelectuais, físicas e morais do educando, preparando-o para a convivência pacífica, solidária e tolerante e para a participação efetiva, crítica e responsável na vida política (cidadania) e econômica (trabalho) da sociedade. Trata-se de leitura enriquecida do termo, que fugindo às concepções que a reduzem à mera instrução, adestramento para o mercado de trabalho, interpreta-a em conformidade com o Direito Internacional dos Direitos Humanos – destacando o Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem; o Art. 13 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e o Art. 13 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, do qual sobressaem os Artigos 206 e seguintes da Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/1996).

Nesse contexto, o poder disciplinar não deve ser considerado como um elemento limitador da liberdade de pensamento e de aprender, mas sim como um meio pedagógico disponível para a organização do processo de ensino-aprendizagem: corresponde a um instrumento à disposição da escola que lhe permite organizar as atividades e os espaços acadêmicos, para a construção e transmissão dialógica e crítica do conhecimento e, por conseguinte, para a formação do aluno, com rigor metodológico e reflexivo. Trata-se, enfim, de um conceito que vai de par com a liberdade, permitindo sua concretização e extensão no âmbito escolar.

1.2.  A partir da aludida leitura enriquecida da educação e no âmbito da legislação brasileira que regulamenta a prestação de serviços educacionais, em especial o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Diretrizes e Bases, é necessário complementar o referido objetivo de promoção da educação, atribuído ao poder disciplinar, conferindo-lhe os seguintes predicados:

a) Qualidade:

Entende-se por qualidade da prestação dos serviços educacionais sua aptidão para a consecução dos objetivos que lhe são próprios, trazidos na legislação internacional e nacional. Deve, assim, ser compreendida no mencionado quadro enriquecido da educação como processo de atualização das potencialidades humanas e preparação para a vida social, política e econômica.

A “garantia do padrão de qualidade” constitui princípio constitucional com base no qual a educação deve ser ministrada (Art. 206, inciso VII, Constituição Federal). Apresenta-se, diante disso, como requisito para o funcionamento de cursos e instituições de ensino, conforme indicam o Art. 209 da Constituição Federal e os Artigos 7o e 46 da Lei de Diretrizes e Bases.

b) Segurança:

Cabe à instituição de ensino, na qualidade de prestadora de serviços educacionais, assegurar aos alunos/consumidores a “segurança que o consumidor dele pode esperar” (Art. 14, Código de Defesa do Consumidor – CDC). Dessa maneira, a lei atribui-lhe o dever de segurança (CAVALIERI FILHO, 2003), em virtude do qual a escola responde “independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (Art. 14, CDC).

Configura-se, assim, “o dever basilar de vigilância e incolumidade inerente ao estabelecimento de educação que, modernamente, decorre da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor” (VENOSA, 2004, p. 82). Diante dele: Se o agente sofre prejuízo físico ou moral decorrente da atividade no interior do estabelecimento ou em razão dele, este é o responsável. Responde, portanto, a escola, se o aluno vem a ser agredido por colega em seu interior ou vem a acidentar-se em seu interior (VENOSA, 2004, p. 82).

Posto isso, a promoção da educação, assegurada com o exercício poder disciplinar, corresponde a uma educação que tenha qualidade e se mostre segura, possibilitando, dessa forma, a formação do educando. Educação com qualidade e segurança: eis o objetivo que não pode ser perdido de vista no exercício de tal poder.

1.3.  Nesse contexto, cabe salientar que a promoção de uma educação com tais predicados e, desse modo, o desenvolvimento pleno do educando, mostra-se absolutamente incompatível com qualquer modalidade de violência física ou psíquica entre os membros da comunidade escolar.

Aludidas práticas agressivas, portanto, devem, ser objeto da preocupação constante da escola e de seus dirigentes e professores, aos quais compete, valendo-se de seu poder disciplinar, organizar os processos e espaços educativos a fim de evitar que o desrespeito ocorra e, caso ocorra, fazê-los cessar, aplicando as sanções disciplinares cabíveis. De qualquer forma, é importante preservar, mesmo nas hipóteses extremadas de aplicação de exclusão e suspensão das aulas, o necessário caráter pedagógico da sanção disciplinar. É ele que permite afirmar que “Em verdade, a função do estabelecimento de ensino nunca será a de penalizar, mas de ensinar com os métodos necessários ao aprendizado segundo sua Proposta Pedagógica” (MULLER, 2004, p. 93). Assim, nos mencionados casos extremados, a restrição ao desenvolvimento normal das atividades acadêmicas, deve ser acompanhado de medidas que exijam do aluno atividades extraclasse que compensem as faltas e promovam a aprendizagem (leituras extras, estudos em casa, atividades complementares, etc.)

Isso tudo, porém, há que respeitar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, os quais exigem a adequação entre os meios e os fins, vedando a imposição de restrições, obrigações e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do fim buscado (MELLO, 2005, p. 97-100).

2. A conexidade e os limites do exercício do poder disciplinar da escola

Sendo assim, o exercício do poder disciplinar pela instituição de ensino somente se justifica diante do escopo de assegurar o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, dentro dos padrões legais de qualidade e segurança. Isto é, para que determinado ato ou evento esteja inserido na esfera de atuação da instituição de ensino deve, necessariamente, haver uma vinculação, uma relação direta entre o aludido ato ou evento e a prestação ótima e segura dos serviços educacionais.

Deve, portanto, haver uma conexidade entre ambos – valendo-se, aqui, de termo utilizado na esfera do Direito do Trabalho, por Eduardo G. Saad, que, ao tratar do tema da justa causa, afirma que ela “deve guardar conexidade com o serviço. Com isto não queremos dizer que ela há de relacionar-se sempre com o próprio serviço ou ter, como palco, o local de trabalho” (SAAD e outros, 2009, p. 652). Enfim, a esfera de atuação disciplinar do estabelecimento educacional restringe-se aos campos diretamente conexos e necessários à prestação da educação com qualidade e segurança: espaços dentro dos quais se concretiza a aprendizagem e vigora o dever basilar de vigilância e incolumidade.

3. As esferas submetidas ao poder disciplinar

Podem ser citadas algumas esferas – consubstanciadas com a idéia de “vida escolar” – nas quais a conexidade apresenta-se fora de dúvida. Nelas, torna-se inquestionável a atuação da escola no sentido de exercer o poder disciplinar, visando assegurar o processo educativo com qualidade e segurança, e mantendo, para tanto, a integridade física e psíquica dos discentes.

3.1.  Em primeiro lugar, verifica-se a conexidade nas situações vivenciadas pelos alunos dentro dos limites físicos da instituição de ensino.

Trata-se da esfera própria da escola, incluindo as atividades acadêmicas, esportivas, culturais e recreativas – desenvolvidas em suas salas de aula, bibliotecas, espaços destinados a estudos, alimentação, práticas esportivas –, as quais devem estar permanentemente sujeitas à organização e supervisão da instituição de ensino. Assim, qualquer atitude desrespeitosa que ocorra nesses ambientes contraria a segurança e a qualidade dos serviços educacionais. São, por conseguinte, passíveis de controle, por parte dos dirigentes e professores.

3.2.  Em segundo lugar, há que se mencionar, como extensão daquela esfera própria da escola, as situações vivenciadas pelos alunos e professores fora do espaço institucional, em atividades acadêmicas sob a supervisão da instituição de ensino.

É o caso de extensão do poder disciplinar para além dos muros da escola justamente por que as atividades acadêmicas são desenvolvidas fora do ambiente escolar (estudos de campo, estudos do meio; projetos de extensão, ações solidárias, etc.).

3.3.  Por derradeiro, é importante destacar, como esfera na qual, embora não haja a supervisão da escola, a conexidade se faz presente, duas situações de violência e desrespeito vivenciadas fora do ambiente escolar, envolvendo os membros de sua comunidade. São elas:

a) Situações em que o desrespeito se dá após a retirada do aluno da escola, contra sua vontade, mediante constrangimento, por outros alunos.

b) Situações em que a condição dos envolvidos (agressores e agredidos) de membros da mesma comunidade escolar é fator determinante de sua ocorrência. Assim, embora se trate de evento sem qualquer relação com as atividades acadêmicas, está diretamente relacionado ao fato de serem, autores e vítimas, membros da comunidade escolar.

Nessas duas hipóteses, ante a violência e o desrespeito envolvendo membros da comunidade escolar e com vista à preservação do processo de educação com qualidade e segurança, o estabelecimento educacional deve atuar, fazendo valer seu poder disciplinar. Evita-se, assim, que se prejudique o processo educativo, por meio de atos que, embora realizados fora da escola, tem consequência direta no desenvolvimento das atividades escolares.

4. A inibição e a punição do “trote”

4.1.  A partir da definição acima das esferas de exercício do poder disciplinar, verifica-se a possibilidade de atuação da escola a fim de inibir e coibir a prática de violências correspondentes ao “trote”, independentemente do local em que tenha ocorrido o fato – dentro ou fora do espaço institucional.

Com efeito, ainda que a violência tenha ocorrido fora dos espaços sob a supervisão direta da escola e sem a retirada forçada do aluno do interior da escola, a conexidade far-se-á ainda presente, ante a motivação de sua prática, ligada à condição de aluno: o agressor escolhe a vítima e pratica contra ela os atos violentos e humilhantes pelo fato desta ser ingressante na instituição de ensino da qual ele é estudante veterano.

O ato violento, por conseguinte, tem como o fator determinante de sua ocorrência a condição dos envolvidos de membros da comunidade escolar. Torna-se, então, indispensável, para a qualidade e segurança das atividades formativas, a intervenção da escola.

4.2. Dessa forma, é plenamente válida a orientação do Ministério Público Federal (2009) para que as instituições promovam medidas preventivas de “trote” “não apenas nas dependências da instituição de ensino mas, também, fora dela”, bem como para que punam as pessoas envolvidas em práticas agressivas e vexatórias “ocorridas tanto nas dependências da instituição de ensino como fora dela”.

Do mesmo modo, não merece reparo a Lei Estadual no 10.454/1999 – aplicável, apenas aos estabelecimentos de ensino vinculados ao sistema estadual de ensino de São Paulo – quando: i) veda, de modo genérico, sem fazer menção ao espaço em que ocorre, “a realização de trote aos calouros de escolas superiores e de universidades estaduais, quando promovido sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos” (Art. 1o) e ii) na sequência, no Art. 2o, estabelece como competência das direções das instituições públicas de ensino superior:

1 - adotar iniciativas preventivas para impedir a prática de trote aos novos alunos, segundo disposto no artigo 1º e respondendo a mesma por sua omissão ou condescendência;

II - aplicar penalidades administrativas aos universitários que infringirem a presente lei, incluindo expulsão da escola, sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis.

Trata-se, de qualquer modo, de orientações e normas que apenas repetem o que foi afirmado, em conformidade com a legislação educacional e de defesa do consumidor, como regra geral referente ao exercício do poder disciplinar da escola para prevenção e punição do “trote”.

5. A extrapolação dos limites e a ineficácia do poder disciplinar da escola

5.1.  Se, por um lado, como visto, o poder disciplinar da escola estende-se para além do espaço institucional, por outro, é importante salientar que tal atuação não é ilimitada, não devendo estender-se para além daquelas esferas conexas com a educação de qualidade e segurança.

Nesse sentido, devem ser afastados posicionamentos que, amparando-se em fundamentos para o exercício do poder disciplinar distintos da conexidade supramencionada, atribuem ao estabelecimento educacional amplíssima margem de responsabilidades e deveres em relação à disciplina e convivência dos membros de sua comunidade escolar. Dessa forma, extrapolam os limites da esfera de influência da escola, e acabam avançando-a sobre âmbitos distintos da vida social, sob a responsabilidade de outras instâncias da sociedade e do Estado.

Nesse contexto, aparecem como justificativas extremamente questionáveis para o exercício do poder disciplinar:

a)  Preservação do nome da Instituição:

A reportagem “Universidade deve punir trote violento, afirmam reitores”, mencionada na Introdução, traz manifestação do ex-Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Cláudio Lembo, no sentido de que, pelo Estatuto desta Universidade, “o nome da instituição tinha de ser preservado em qualquer lugar. Se o aluno fizesse qualquer ato não civil, poderia ser punido. Cheguei a suspender alunos após atos decorrentes de bebedeira” (Folha de São Paulo, 2009).

Observa-se, porém, que a fundamentação do exercício do poder disciplinar na aludida preservação do nome institucional, como um fim em si, foge, completamente, da finalidade escolar de promoção da educação com qualidade e segurança; perde de vista, absolutamente, a exigida conexidade com a educação com tais predicados. Nesse sentido, implica também a violação à legislação educacional, no que se refere aos requisitos para ingresso e permanência na educação superior, extraídos do Art. 44 da Lei de Diretrizes e Bases. Segundo esse dispositivo, “A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: (...) II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo”.

Isto é: os requisitos para acesso ao ensino superior são exclusivamente acadêmicos, a saber: conclusão do ensino médio e a aprovação no processo seletivo. Não importa a vida pregressa do aluno e quanto ela pode prejudicar o nome da Universidade. Não é lícito à escola recusar matrícula com base exclusivamente dos antecedentes criminais do candidato.

Nessa mesma linha, a aplicação de penalidades no decorrer do curso, inclusive, em casos extremos, a expulsão do aluno – implicando o óbice à continuidade dos estudos na instituição de ensino – não pode fugir ao mencionado aspecto acadêmico. A punição, enfim, não pode prestar-se para preservar o nome e a imagem da Instituição, com um fim em si. Deve, sempre, como elemento do poder disciplinar, ter conexão com a manutenção e promoção da qualidade e da segurança do processo educacional.

b)  Respeito e urbanidade em relação aos membros da comunidade universitária:

Outro argumento bastante utilizado para a aplicação de sanções disciplinares aos alunos, mesmo em situações completamente desvinculadas do processo de ensino-aprendizagem, é o dever de respeito e urbanidade. Implicando o patamar indispensável de civilidade e humanismo para a convivência pacífica e saudável, tal dever constitui, ao mesmo tempo, condição para a aprendizagem. Dessa forma, trata-se de elemento indissociável da segurança e da qualidade da educação. Entretanto, não pode converter-se em fundamento único, desligado da necessária conexidade, para atuação da Universidade em todas as esferas da vida do aluno, pelo só fato dele exercer tal papel social em determinado momento de sua vida.

Nesse sentido, apresenta-se extremamente questionável a atuação em relação a violências ocorridas fora dos espaços institucionais, em situações que se afastam completamente do âmbito da prestação dos serviços educacionais, motivadas por fatores que não possuem nenhuma relação direta com a condição dos envolvidos de membros da comunidade acadêmica.

Cita-se, por exemplo, a briga de trânsito ou qualquer outro tipo de desrespeito envolvendo, coincidentemente, um aluno e um professor de uma mesma instituição de ensino que não se conhecem, tampouco sabem que estão ligados a uma mesma escola. Nesse caso, a atuação institucional acabaria, em última análise, implicando intromissão indevida em situação que lhe é completamente estranha: o que se tem, aqui, é um verdadeiro caso “de polícia”, a ser resolvido pelos órgãos competentes do Poder Público e não pela instituição de ensino.

Desse modo, previsões legais, estatutárias e regimentais de dever de urbanidade e de sanções disciplinares para os casos de desrespeito ou ofensa a autoridade escolar ou membros da comunidade escolar, devem ser sempre interpretadas considerando, como pressuposto, a conexidade.

5.2.  É importante observar, por fim, as conseqüências negativas que tais definições extensivas sobre os fundamentos e limites do poder disciplinar podem acarretar na efetividade desse poder. Com efeito, destituído do fundamento da conexidade, que lhe fornece parâmetros rígidos, o poder disciplinar pode demandar a interferência institucional até mesmo em situações de briga de trânsito entre alunos; brigas em festas; brigas ocorridas em ônibus que transporta alunos para a Instituição; ou mesmo em situações como aquela de violência sexual, ocorrida em “república”, após evento festivo, envolvendo alunos da PUC-Campinas – conforme noticiado pelo Jornal Folha de São Paulo, em 06/04/2005.

Isso implica numa extensão completamente despropositada e desmedida do campo de interferência reivindicado pela instituição de ensino.

Nesses casos, vale o questionamento no sentido da efetivação de verdadeira intromissão escolar em assuntos alheios, sem nenhuma relação direta com suas atividades: uma extrapolação dos limites de seu campo de influência e interferência e de responsabilidades, dentro do qual pode exigir o cumprimento de suas normas e determinações. Assim, ao avançar sobre espaços distintos daqueles relacionados com suas atividades-fim e sobre os quais não tem influência, a escola acaba ingressando em campos sobre os quais pouco ou nada pode fazer, no que se refere à apuração de faltas e punição de responsáveis. Dessa forma, a pretensão da ampliação desmedida da esfera de vigilância e interferência, além de discutível sob o ponto de vista jurídico, pode tornar a atuação escolar completamente ineficaz.

Considerações Finais

Como verificado, o exercício do poder disciplinar da escola deve estar diretamente conexo à finalidade de prestação de serviços educacionais com segurança e qualidade. Do mesmo modo, a esfera de influência e aplicação das medidas disciplinares, respeitado seu caráter pedagógico precípuo, restringe-se às áreas indispensáveis para a consecução do aludido objetivo. Diante disso, para que a instituição de ensino atue em relação à violência praticada por alunos contra outro aluno ou contra qualquer outro membro da comunidade escolar, deve haver clara e precisa conexidade entre o evento e a aludida realização segura e ótima da atividade-fim educacional.

É nesse contexto específico que a instituição de ensino pode efetuar a prevenção e punição por trotes: atos de violência e constrangimento que, tendo como fator determinante de sua ocorrência a condição dos envolvidos de membros da comunidade escolar (a vítima é escolhida pelo agressor, aluno veterano, pelo fato de ser ingressante na instituição de ensino), devem ser cuidadosamente diferenciados de eventos estranhos aos serviços educacionais prestados e que nada tem a ver com a atuação escolar ou com a condição de ser membro da comunidade escolar – como os exemplos já mencionados de agressões praticadas em festas, brigas de trânsito envolvendo alunos, etc.

Referências Bibliográficas
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_______________. Universidade deve punir trote violento, afirmam reitores. São Paulo, 15/02/2009, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u504230.shtml. Acesso em 16/08/2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atual. por Eurico A. Azevedo, Délcio B. Aleixo e José E. B. Filho. São Paulo: Malheiros, 2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19a ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO. Recomendação no 04/2009. 10/092009.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 2a Câmara Cível. Apelação Cível – processo no 2003.001.21834. Relator: Cavalieri Filho, data do julgamento: 15/10/2003.
SAAD, Eduardo Gabriel e outros. CLT Comentada. São Paulo: LTr, 2009.
VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2004.





Guilherme Perez Cabral
Mestre em Direito. Advogado da PUC-Campinas (especialista em Direito Educacional) e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Democracia, Justiça e Direitos Humanos – USP (Coord. Prof. Dr. Eduardo C. B. Bittar).

José Benedito de Almeida David
Mestre em Teologia. Secretário Geral, Professor e ex-Reitor da PUC-Campinas.

Mônica Heloísa Amaral
Graduada em Direito. Advogada da PUC-Campinas

 

Autor deste artigo: Guilherme Perez Cabral - participante desde Seg, 16 de Agosto de 2010.

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