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Escrito por Iracema Batista Torquato   
Qua, 14 de Março de 2012 00:00

Iracema Torquato (*)

Muito se fala das competências de um bom jornalista, que deve ser imparcial ao “tecer” informações. Semelhante, pois, a um super-homem que paira além da sociedade e da cultura em que vive. O mesmo se espera de um cientista, de um pesquisador. Desse modo, as informações, ou os conhecimentos transmitidos devem elucidar o leitor, preencher lacunas, ou “novas teias”, na linguagem poética de Melo Neto.

 

Mas, e você como simples leitor, ou leitor-jornalista, leitor-de-informação, leitor-nas-horas vagas, leitor-leitor? É competente em atribuir significados a um texto?

As mãos que traçam um texto também tecem idéias, num processo intermitente. “Um galo sozinho, diria o poeta, não tece uma manhã/ele precisará sempre de outros galos./ de um que apanhe esse grito que ele/ e o lance a outro; de um outro galo/que apanhe o grito de galo antes/ e o lance a outro; e de outros galos que muitos outros galos se cruzem/ os fios de sol de seus gritos de galo/para que amanhã/, desde uma teia tênue./ se vá tecendo, entre todos os galos” (João Cabral de Melo Neto, Tecendo a manhã).

Sim, sempre precisaremos de outros galos, “que apanhe o primeiro grito”, isto não significa que teremos de ser meros imitadores ou gritadores.

Na realidade, “retecemos” sempre o mesmo tecido; seja esse  a notícia, a crônica, o ensaio, o artigo acadêmico, etc. Desse modo, produzimos histórias ou defendemos pontos de vista ou simplesmente descrevemos um fato. Somos nosso primeiro leitor, logo o ato de  escrever/ler é um fazer constante.

A produção de sentidos não é fácil. Ler constitui-se numa prática que é sempre determinada por um com+texto, ou seja, o contexto. Ler é a difícil arte de compreender sem preconceitos  o que “o primeiro grito está a nos dizer”. Quem atribui sentidos a um texto é o leitor. O leitor não pode descobrir as intenções do autor gritante, porque este pode mudá-las ao longo de um livro, reportagem, entre outros gêneros artísticos ou científicos. Podemos como narradores estar querendo atenção, ou quem sabe assumimos uma postura professoral. Ou ainda, escrevemos para puxar as orelhas dos que acreditam no mito da objetividade da linguagem. Ou nada disso.

É por isso que  há leitores/editores que cortam um texto: “não entendi e/ou não ficou evidente como os fatos foram narrados”, argumentam.  Como escritores, ficamos muito aborrecidos.  Como leitores, devemos procurar o que o texto diz e como faz o narrador para dizer o que diz? Note que o narrador não é o autor de carne e osso, daí a simbologia do “galo”. Muitos confundem isto. Leram manuais, seguiram determinadas orientações e estão presos a elas de algum modo, ou estão manipulados pelas sugestões de algum escritor renomado, ainda que não tenham consciência.

Aprendemos a ler de vários modos: leitura superficial, “passar os olhos” para ler títulos e observar formatos, ilustrações; leitura rápida para focalizar determinadas informações; leitura intensiva, para extrair informações mais precisas e leitura extensiva, a que se aplica a livros ou textos de maior extensão. Quando nos detemos às duas primeiras formas, estamos a perder o hábito de ler.

O repertório do leitor, a experiência dele, não influi na interpretação, ou na recriação de novos significados? Errado. Influir, influi, mas há limites para a interpretação, mesmo que o leitor já tenha apanhado vários gritos e os guardado numa enorme teia cultural. As palavras nos enganam. São polifônicas e, ao mesmo tempo, tiranas e/ou relativizadas. Mas todas as interpretações deverão ser coerentes com o texto e passíveis de resistir ao tempo?  Elas devem ser justificadas na própria trama tecida pelo narrador e mesmo assim não deixarão de ser uma “teia tênue”.

Supra-interpretarão

Umberto Eco, em Os limites da interpretação, diz que a capacidade interpretativa do leitor passa sempre pelo o que ele pensa saber; acredita saber; sabe mesmo; deseja saber e, sobretudo, pode e quer fazer. Propõe que o leitor não deforme um texto. Por isso adverte que não devemos ser arbitrários, ou supra-intérpretes. A leitura, no entanto, a meu ver, deve ser plural, como o mundo o é. Muitos leem um texto e lhe atribui sentidos que o enunciador nem imaginou transmitir, ou, conforme os próprios interesses. E nós, escritores, ficamos perplexos.

Admitir sentidos, segundo propósitos e saberes encomendados lhe parece correto? Pois é, somos, então, escrivinhadores dignos de zombarias.

Devemos considerar que há tipos de informações diferentes num texto, as implícitas e as explícitas. As primeiras costumam ser logo reconhecidas. As segundas apresentam um modo de circulação mais complexo, porque podemos supor que o prezado leitor, conheça as informações que pretensamente estão subentendidas.

É possível repor ou avaliar as informações não ditas. Ou o leitor, acha que há um autor de carne e osso que é dono da verdade?  O narrador pode ser um mero copista e mesmo assim precisa de vários recursos, além dos lingüísticos, para passar ao leitor (quanto muito) efeitos de “realidade”.

O bom leitor é exigente. Sabe fazer inferências. É aquele que lê essas linhas como se tivesse vendo/lendo os olhos do narrador, porque antecipa o que vai ser dito/escrito. Sim, o leitor fala aos ouvidos do escritor. Fazemos uma imagem de quem é nosso público-alvo. Esta nos faz propor estratégias. Traçamos o nosso leitor ideal, aquele que todo escritor quer ter: o leitor que busca a coerência e o sentido que falhamos em tecer, (lembrem-se, eles, os sentidos, não estão em nós, nem no texto; está aí, no  contexto de quem nos lê, em busca de interpretação). Não há textos incoerentes. Tudo depende do contexto e das finalidades que estabelecemos, dos “gritos” que selecionamos.

Posso supor que temos um conhecimento de mundo com-partilhado, Também posso inferir que o leitor  tem habilidades/competência de leitura, que tem nível superior, ou não. Sim. Mas somente vamos tecer uma manhã, com o canto dos galos que muitos nos legaram sobre teorias textuais, semióticas, pragmáticas (entre outras) se conseguirmos suprir uma falta, uma lacuna, que o leitor tinha e que esperávamos elucidar. Se conseguirmos, tornamo-nos “comuns”. Comunicamo-nos (verbo que deveria ser sempre reflexivo). Nem que o ato comunicativo seja tênue. A compreensão não surge como manifestação divina, surge na interação. Entre o contexto de nosso leitor e o nosso texto (e contexto) há um vácuo que deve ser preenchido por um diálogo, ainda que utópico.

Quem é o “eu” que  está tentando dialogar com o leitor?

O leitor não precisa saber quem somos. Somos apenas um narrador-galo, sem corpo material. Não creia que pretendemos esgotar idéias, nem mesmo todas as lacunas de possíveis leitores. Nem creia que possamos dialogar e chegar a uma única conclusão lógica, como na matemática. Nem que vivêssemos mais dois mil anos, apanhando gritos e reconstruindo teias. Há muitas teorias sobre leitura e leitores e também muitas “bobagens ou modismos”. Precisamos aprender a ler com autonomia. Isto é o que é o que chamamos de Leitura com a letra maiúscula. Escrever como se pudéssemos ser o primeiro galo. “Difícil, apenas um Gênio o conseguiria”, diria o nosso crítico. Sim, concordo. Mas não é impossível, porque fazemos parte da criação; de uma grande teia é tecida a nossa história e esta é única.

 

(*) Professora. Pesquisadora. Graduação em Letras (USP), mestrado em Comunicação Midiática e doutorado em Educação, Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira (ambos pela UNESP).

 

Bibliografia Básica

ECO, U. Os limites da Interpretação. 2ª ed. São Paulo Perspectiva, 2004.

 

_________. Interpretação e Superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

 

KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas (SP): Pontes, 2000.

ORLANDI, Eni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 2001.

SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.14-33.

FARACO, Carlos Alberto. Escrita e alfabetização. São Paulo: Contexto, 1997.

NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Edunesp, 2002.

PESSOA, Fernando. A Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

 

 

 

 

Autor deste artigo: Iracema Batista Torquato - participante desde Dom, 23 de Agosto de 2009.

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