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Escrito por Marinho Celestino de Souza Filho   
Qua, 14 de Março de 2012 00:00

BAKHTIN E A ESCOLA DE HOJE

MARINHO CELESINO DE SOUZA FILHO [1]

Resumo: Nesse trabalho, pretendo fazer um breve comentário sobre a Filosofia da Linguagem proposta por Bakhtin e, ao mesmo tempo, relacionar essa Filosofia com a Escola de Hoje.

 

Palavras-Chave: Filosofia da Linguagem. Bakhtin. Escola de Hoje.

 

Abstract: In this work, I want to comment briefly on the Philosophy of Language proposed by Bakhtin and the same time, to relate this with the School Today.

Keywords: Philosophy of Language. Bakhtin. School Today.

 

 

  1. Introdução

 

Tratarei nesse trabalho, ainda que sumariamente, de um dos maiores filósofos da linguagem humana que o Ocidente e o Oriente já conheceram: Mikhail M. Bakhtin.

Nesse sentido, abordarei brevemente parte de sua biografia e as principais contribuições que ele deixou no que tange à linguagem humana e, ao mesmo tempo, espero confrontá-lo com a atual realidade escolar brasileira.

 

2. Breve comentário sobre a vida e a obra de Bakhtin

Sabe-se que Bakhtin nasceu em 1895 em Oriol numa família de antiga nobreza mal sucedida.

Estuda na Universidade de Odessa e de São Petesburgo, onde se forma em História e Filologia em 1918.

Após a sua formatura, muda-se para Vitebsk, casa-se e ingressa na carreira do magistério. Além disso, frequenta um pequeno círculo de intelectuais dos quais participam entre outros: Marc Chagall, P.N Medviédiev e V. N. Volochínov.

Esses dois últimos estudiosos amigos e a posteriori discípulos de Bakhtin é que assinaram suas primeiras obras.

Dentre elas, O Freudismo, publicado em Leningrado em 1925 e Marxismo e Filosofia da Linguagem também publicado em Leningrado, em 1929. Essas obras aparecem com a assinatura de Volochínov.

Já O Método Formalista Aplicado à Crítica Literária (Leningrado, 1928) surge com o nome de Medviédiev. E em 1929, Bakhtin publica com sua própria assinatura, Os Problemas da Criação em Dostoievski.

Contudo, nos anos trinta, desaparecem Volochínov e Medviédiev devido às pressões stalinistas e Bakhtin muda-se. Dessa forma, reside entre a Fronteira da Sibéria com o Casaquistão.

Em sua nova residência, continua a lecionar e começa a escrever seu trabalho sobre Rabelais. Desse modo, em 1946 defende sua tese, no Instituto de Literatura da Academia das Ciências da U.R.S.S., publicando-a em 1965 em Moscou com o título Rabelais e a Cultura Popular da Idade Média e do Renascimento. Infelizmente, falece em 1975.

 

3.0 Concepções de Linguagem e Breve comentário sobre a Filosofia da Linguagem proposta por Bakhtin: Teoria da Interação Verbal

Nesse momento, discorrerei sobre três das muitas concepções de linguagem criadas no transcorrer da História da humanidade, após o quê, tentarei tecer um breve comentário sobre uma das partes da Filosofia da Linguagem proposta por Bakhtin (1997): Teoria da Interação Verbal e ainda pretendo relacionar essa Teoria com a Escola de Hoje, semelhanças (se é que existem) e diferenças.

Assim, segundo Koch (1997), foram construídas no decorrer da História humana três concepções distintas de linguagem, a saber: como representação (“espelho”) do mundo e do pensamento; como instrumento (“ferramenta”) de comunicação; como forma (“lugar”) de ação ou interação.

Dentre as três concepções acima mencionadas, a que mais interessa para este trabalho é a terceira, apesar de a primeira e a segunda serem muito defendidas, atualmente.

A primeira afirma que a linguagem serviria para representar o mundo e a realidade que nos cerca e ainda aquilo que pensamos sobre ela, dessa forma, a linguagem seria uma espécie de “espelho” por que perpassam nossos pensamentos e os seres vivos ou não os quais nos rodeiam.

A segunda mostra-nos que a linguagem seria centrada apenas na comunicação. A linguagem funcionaria somente para transmitir mensagens, pressupondo, desse modo, um emissor e um receptor ideal. Apesar de o processo de comunicação e a linguagem não serem tão simples assim como mostra a Teoria da Comunicação, porque as pessoas ao falarem não só comunicam o que estão falando, como também agem e reagem através da linguagem, desse modo, podem interromper quem fala e muitas vezes também são interrompidas, além de poderem produzir pausas, hesitações e ironias.

Além disso, há de se considerar o lugar de onde as pessoas falam, a imagem que elas têm umas das outras, a posição social dessas pessoas e ainda o que dizem e até o que não dizem dizendo,ou melhor, a questão dos não-ditos. Observando, ainda, principalmente; o contexto sócio-histórico e ideológico no qual esses interlocutores estão inseridos.

Na terceira concepção, percebemos que a linguagem seria fruto da interação entre enunciador/enunciatário, falante/ouvinte, autor/leitor, prestando-se não só como representação do pensamento, mas também como processo de comunicação, isto é, uma peça fundamental para a interação entre os seres humanos e, neste caso, a linguagem sofreria o que Travaglia[2] chama de “exterioridade” sócio-histórica e ideológica, ou melhor, a linguagem seria influenciada pelo contexto linguístico e extralinguístico, pela ideologia e pela História, não só a oficial, mas também a história de cada indivíduo.

Por isso, esta concepção se torna muito mais relevante para a construção desse trabalho, porque, além de contemplar muitos aspectos importantes negados pela primeira e segunda concepção de linguagem, também está inserida na teoria da Interação Verbal.

Embora diferentes, as três concepções de linguagem anteriormente citadas, não são totalmente excludentes, complementam-se, inter-relacionam-se, posto que os falantes de certa língua, ao utilizá-la, estarão, concomitantemente, comunicando-se, pensando sobre o quê e como devem falar e ainda integrando-se no meio social do qual participam.

 

3.1 Breve Comentário sobre a Teoria da Interação Verbal

 

Como afirmei em 3.0, a concepção de linguagem que norteará esse trabalho, será a terceira dentre as explanadas por Koch (1997, p.9):, isto é, “a linguagem como (forma) lugar de interação,” porque, como mostrarei depois essa concepção estará intrinsecamente relacionada com a Teoria da Interação Verbal.

Assim, em toda sua Filosofia da Linguagem, Bakhtin (1997) estabelece a primazia do diálogo em detrimento do monólogo e ainda constrói a seguinte assertiva: não é a consciência que condiciona a linguagem, mas, ao contrário é a linguagem que condiciona a consciência.

Para comprovar a afirmativa anteriormente feita embasar-me-ei primeiro em Marina Yaguelo e depois em outros autores.

Yaguelo in Bakhtin (1997: 16), mostra que [...] Se a língua é determinada pela ideologia, a consciência, portanto o pensamento, a ‘atividade mental’, que são condicionados pela linguagem, são modelados pela ideologia.

Ora se a linguagem condiciona o pensamento e este é afetado, atravessado pela ideologia, logo é a linguagem que estrutura o pensamento, uma vez que ele (o pensamento) é condicionado, subordinado à linguagem e esta à ideologia, ou seja, ambos: pensamento e linguagem são determinados pela ideologia, apesar de que é a linguagem que também determina a ideologia, porque não há ideologia sem linguagem e nem linguagem sem ideologia.

Para ratificar o que foi dito no parágrafo anterior, citarei ainda os seguintes autores: Sonia Kramer (1994), Maria Tereza de Assunção (1996) e Carlos Aberto Faraco (2001) e (2009) os quais certamente confirmarão o que afirmei anteriormente acerca da linguagem, da consciência e da ideologia.

Sendo assim, Kramer (1994, p. 73) afirma que:

 

[...] Nesse sentido, para Bakhtin não é a atividade mental que organiza a expressão, mas a expressão que organiza a atividade mental. Dessa forma, ele se opõe a uma concepção mecanicista que aparta a língua da história e se opõe também, ao   racionalismo que não capta a língua nos seus fatos vivos. Supera, então, de um   lado, o subjetivismo idealista que só leva     em consideração a fala e que tenta    explicá-la a partir da vida psíquica   individual do falante, mas ultrapassa, de   outro lado, o objetivismo abstrato que rejeita a enunciação por ser individual. Para Bakhtin, o ato de fala – e seu produto, a  enunciação – não pode ser explicada  a  partir das condições do sujeito falante, mas também não pode dele prescindir. A   enunciação é de natureza social, sendo  pois determinada pela situação e pelo  meio mais amplo. Assim, a atividade mental  só existe a partir de uma orientação social  de caráter apreciativo. O pensamento não existe, portanto, fora de sua expressão  potencial, nem fora da orientação social dessa expressão.

 

Dessa forma, Kramer (1994) é enfatizada por Freitas (1996, p. 138), quando afirma que:

 

O centro organizador e formador da atividade mental não está no interior do sujeito, mas fora dele, na própria interação verbal. Não é atividade que organiza a expressão, mas é a expressão que organiza a atividade mental, modelando e determinando a sua orientação.

 

Nesse aspecto, confirmo por meio de Faraco (2001, p. 118) o já afirmado:

 

A esse propósito e diante das considerações feitas acima, gostaríamos de dizer que não nos incluímos entre aqueles que entendem o dialogismo como uma weltanschauung, como um olhar compreensivo e abrangente do ser do homem e de seu fazer cultural. Um olhar que não está mirando apenas aspectos desse real, mas pretende captá-lo numa perspectiva de globalidade; que pensa a cultura como um vasto e complexo universo semiótico de interações axiologicamente orientadas, e entende o homem como um ser de linguagem (e, portanto, impensável sob a égide do divórcio homem/linguagem), cuja consciência, ativa e responsiva (e não mero reflexo do exterior, nem origem absoluta da expressão, mas lócus dinâmico do encontro dialógico do externo e do interno), se constrói e se desenvolve alimentando-se dos signos sociais, em meio às inúmeras relações sociointeracionais, e opera internamente com a própria lógica da interação sociossemiótica, donde emergem seus gestos singulares.

 

Percebe-se que Faraco (2001) reafirma o que mostro até o momento e a única ressalva que faz é a de que: não se pode deixar de considerar a linguagem, a consciência e o sujeito destituídos do meio social do qual são participantes.

Faraco (2009) ainda no que se refere ao diálogo afirma:

 

Voloshinov, particularmente, é quem mais se ocupa com o evento do diálogo face a face. [...] Em todas suas discussões, ele alerta sempre o leitor para o fato de que tudo o que ocorre no diálogo face a face é de caráter intrinsecamente social, isto é, a interação face a face não pode, em nenhum sentido, ser reduzida ao encontro fortuito de dois seres empíricos isolados e autossuficientes, soltos no espaço e no tempo, que trocam enunciados a esmo.

 

Assim, dessa citação, deve-se deduzir que o diálogo é o espaço social de indivíduos social e historicamente localizados, ou seja, é o espaço do embate, da réplica e da tréplica, por isso, o diálogo não deve ser entendido apenas como o lugar em que os indivíduos se interagem pacificamente ou se interagem a esmo.

Dessa forma, a afirmativa registrada no parágrafo anterior é ratificada por Faraco (2009):

 

Para Bakhtin, ao contrário, a consciência individual se constrói na interação, e o universo da cultura tem primazia sobre a consciência individual. Esta é entendida como tendo uma realidade semiótica, constituída dialogicamente (porque o signo é, antes de tudo, social), e se manifestando semioticamente, i.e., produzindo texto o fazendo no contexto da dinâmica histórica da comunicação, num duplo movimento: como réplica ao já dito e também sob o condicionamento da réplica ainda não dita, mas já solicitada e prevista, já que Bakhtin entende o universo da cultura como um grande e infinito diálogo. [...]

 

Apesar de Faraco (2009) ratificar a relevância do diálogo para o universo da cultura, muito antes dele, Bakhtin (1997) já estabelecia a primazia do social, do diálogo e do outro em toda a sua obra.

Do exposto, faz-se necessário, neste momento, tratar dos elementos que, conforme Bakhtin (1997) e Faraco (2009) constituem uma autêntica Teoria da Interação Verbal.

Desse modo, é com Bakhtin (1997, p. 112-113), que veremos como se dá a Teoria da Interação Verbal e quais elementos estão contidos no bojo desta teoria, portanto, observemos:

Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata. Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.).

[...] Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância muito grande. Na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade.

Sendo assim, Bakhtin (1997) mostra que os elementos participantes da Teoria da Interação Verbal são: a enunciação, a situação social, os participantes imediatos, o signo ideológico manifestado através da palavra (esta orientada em função do locutor) e o diálogo.

A enunciação seria o ato ou efeito de enunciar, ou melhor, apropriação da língua por dois interlocutores, estes inseridos em um determinado contexto social, ou seja, não há enunciação sem dois interlocutores e ainda sem que estes estejam inseridos num meio social do qual são participantes, por isso, a enunciação depende, a priori, de dois fatores: dois interlocutores e do meio social, sem os quais não haveria enunciação, porque, como assevera Benveniste (1989): o sujeito deixa pegadas, rastros, marcas de si mesmo nos enunciados por ele produzidos.

A situação imediata ainda, segundo Bakhtin (1997) seria a característica de que todo enunciado para ser plenamente realizável estaria imanentemente relacionado com a realidade social. E ainda, conforme Bakhtin (1997) os participantes imediatos pressupõem os interlocutores envolvidos no processo da Interação Verbal. E a palavra ideologicamente marcada é orientada em função do locutor. Por conseguinte, toda palavra comporta em seu bojo duas faces, a saber, ela se determina pelo fato de proceder de alguém e de se dirigir a alguém.

Já o diálogo constitui uma das formas mais importantes da Interação Verbal. Aliás, sem ele não haveria Interação Verbal. Portanto, é a Interação Verbal que, realmente, fundamenta a linguagem.

Dessa forma, é bom enfatizar ainda que a linguagem só se realiza plenamente através de sua expressão verbal, visto que a expressão verbal determina a consciência e a atividade mental, e não o oposto. Sendo assim, a atividade mental estaria, intrinsecamente, relacionada com a tomada de consciência, ou melhor, a tomada de consciência seria a ação de duas atividades distintas; a atividade mental do eu e a do nós, as quais serão retomadas  a posteriori, uma vez que,  neste momento, interessa-nos mais descrever como se daria a interação pela expressão verbal.

Em sua filosofia sobre a expressão, Bakhtin (1997, p.12) nos mostra que:

 

A teoria da expressão que serve de fundamento à primeira orientação do pensamento filosófico-linguístico é radicalmente falsa. O conteúdo a exprimir e sua objetivação externa são criados, como vimos, a partir de um único e mesmo material, pois não existe atividade mental sem expressão semiótica.

 

Desse modo, a primeira orientação do pensamento filosófico-linguístico surge com Ferdinand Saussure (1995), um dos mais importantes estudiosos da linguagem, que confere à Linguística o status de Ciência da Linguagem humana. Sua doutrina influenciou sobremaneira todo o pensamento científico no século XIX. A influência foi marcante, tanto no campo das Ciências Humanas, quanto no das Ciências Naturais.

No entanto, talvez um dos maiores equívocos de Saussure (1995) tenha sido o fato de desvincular a língua do mundo. Apesar de priorizar a fala, manifestação individual da língua, Saussure (1995) dá mais relevância, ênfase ao sistema, isto é, à língua em si, tomada como um sistema abstrato herdado pelos falantes, porque a língua, mesmo sendo um fator social, não poderia ser mudada, criada; no máximo, a língua seria apreendida vagarosamente pelas crianças, pelas pessoas que se dedicassem exaustivamente ao aprendizado de línguas.

Apesar da importância da teoria de Saussure (1995) para a compreensão da linguagem humana, Bakhtin (1997) discorda radicalmente dele, denominando a teoria saussuriana de Objetivismo Abstrato, já que Saussure (1995) (estruturalista convicto) defendia uma visão de linguagem como elemento abstrato e objetivo, herdado pelas gerações, sem qualquer possibilidade de influência do sujeito sobre esse sistema.

Por isso, esse sistema teria um caráter monológico, no que tange à enunciação, e adia a idéia de que a expressão seria determinada, estruturada pela atividade mental o que para Saussure (1995) não fazia sentido algum.

Mas, Bakhtin (1997), ao contrário de Saussure (1995), revela o oposto: é a expressão que regula, estrutura a consciência, visto que não há atividade mental sem expressão semiótica significativa previamente estabelecida. A expressão semântica-semiótica é que influencia a consciência e esta a atividade mental. A atividade mental está, portanto, diretamente relacionada com a sua orientação social que engendra os possíveis tipos de enunciação: súplica, pedido, ordem, solicitação, desejo, etc.

Além disso, a partir da relação estabelecida entre a atividade mental com um ouvinte real ou em potencial (suposto ou pressuposto) é que se distinguem dois pólos para a tomada de consciência e a elaboração ideológica intimamente interrrelacionadas com os dois pólos acima mencionados, que são os seguintes: a atividade mental do eu e atividade mental do nós.

Para o autor de Marxismo e Filosofia da Linguagem (1997), a atividade mental do eu é reducionista, dado que a enunciação, neste caso, não sofre influência do caráter social sobre o qual a expressão está inserida; seria comparado a um grito qualquer de qualquer animal, que descontextualizado socialmente, não teria valor de expressão, por isso, considerado puramente fisiológico. Não obstante, a atividade mental do nós, pode ser considerada a autêntica expressão, posto que é influenciada pela situação social da qual participa, sem esquecer que é a expressão que influencia, estrutura a consciência e toda atividade mental, principalmente, a realizada por nós.

No que concerne à segunda orientação filosófico-linguística, Bakhtin (1997) trata da teoria da linguagem proposta por Wilhelm Von Humboldt apud Ramanzini (1990), enfatizando que a linguagem deveria ser concebida como uma dinâmica e constante criação humana, por isso, talvez um dos maiores preceitos formulados por Humboldt (e depois mais tarde retomado por Chomsky), teria sido o seguinte: o falante faz uso infinito da língua, utilizando um conjunto finito de regras, ou melhor, o falante com um conjunto de regras finitas, produz um conjunto infinito de enunciados.

Afirmava ainda que não existe linguagem sem pensamento, isto é, não há linguagem sem a participação efetiva do sujeito, tinha como expoente (apesar das diferenças) Wundt, Vossler, Spitzer, Lorek e Lerck, por isso, Bakhtin (1997) classifica o tipo de linguística praticado por estes linguistas de subjetivismo idealista.

Desse modo, mostrarei como este movimento é visto pela Psicologia e depois como é abordado na linguagem.

Sendo assim, Freitas (1996, p. 61-62) revela que:

 

A Psicologia Subjetivista, partindo da concepção de homem como ser autônomo e livre, não determinado pelo ambiente social, vê como função do processo educativo a facilitação de situações favoráveis ao desenvolvimento pleno do educando, baseado em suas tendências e predisposições naturais.

 

Apesar de Freitas (1996) desvelar a relação do subjetivismo abstrato com a educação na Psicologia, importa mais para este trabalho apenas o que diz sobre a teoria acima mencionada, ou melhor; o subjetivismo idealista que considera tão somente a relação do sujeito com a linguagem, a saber, o mais importante nesta relação é que o sujeito age e reage através da linguagem, há uma ilusão do sujeito, que nesse caso, seria totalmente livre para pensar e agir.

Porém, Japiassu (1982, p. 182-183), mostra, justamente, o oposto:

Marx viu nesta doutrina do sujeito pensante, simbolizada no Cogito de Descartes, mas que também foi retomada pela filosofia de Hegel, a manifestação da ideologia burguesa clássica. Ao criticar a filosofia idealista clássica inaugurada pelo  Cogito, Marx quer conduzir o espírito a uma atitude   de convicção relativa à realidade do sensível,  mas depois da experiência de uma despossessão ilusória da convicção elementar. Ele não é nem pré-cartesiano nem pré-idealista, mas pós-hegeliano e, consequentemente, pós-idealista. Sua convicção realista não é mais ingênua. Para ele, é o idealismo que constitui uma aberração e uma ingenuidade. Daí passar a criticá-lo. E o resultado da crítica do ‘eu pensante’ filosofia idealista, apresenta-se de dois modos: como resultado dogmático e como resultado crítico:

a) Em primeiro lugar, o ‘eu’ do Cogito não pode ser reduzido ao simples ‘eu’ abstrato de um ato puro de pensamento, ao qual corresponderiam às realidades exteriores. Sem dúvida, ele é o eu pensante, consciente de si, embora solidário a um corpo individual e a um universo natural e social. A determinação da consciência não é apenas a atualização da vida mental. Tampouco se reduz à atualização do “pensamento” , como afirma Descartes, cortado do enraizamento efetivo no universo e no corpo vivo do ser consciente. Pelo contrário, a “determinabilidade” da consciência é a totalidade dessa atualidade condicionada, de fato, e determinada pela vida, e numa conexão com o universo natural-histórico de que podemos separar-nos sem tornar-nos filósofos abstratos. Não há autarquia do sujeito pensante, a não ser que a filosofia faça comédia. Eis o resultado dogmático da operação crítica do sujeito pensante;

b. Ao mesmo tempo, porém este sujeito pensante também é um sujeito vulnerável a essa ilusão de autarquia, ilusão que se produz naturalmente em virtude de suas pertenças afetivas e de sua educação prévia. Essa ilusão é tanto maior quanto mais se torna inconsciente e se incorpora à consciência de si do filósofo. O resultado consiste em convencer o “eu pensante” de ilusão, mais ou menos imbuído de autarquia idealista, e em demonstrar publicamente o mecanismo de sua ilusão. Eis o resultado crítico da mesma operação.

 

De acordo com esta citação, percebe-se que o sujeito está condicionado ao universo natural, histórico e social do qual participa, por isso, Kramer (1994, p. 72) reafirma o que fora anteriormente dito por Japiassu (1982):

 

Para o subjetivismo idealista, o fenômeno linguístico é ato significativo da criação individual: a língua é atividade ininterrupta, as leis da linguística são as leis da psicologia individual e a criação linguística é análoga à artística. A linguística seria, assim, no entender de Humboldt, Wundt, Vossler, Croce (em que pesem as diferenças entre eles) uma ciência da expressão. Dicotomizadas vida interior – vida exterior, a primazia é do interior do pólo subjetivo.

 

Por conseguinte, das duas correntes anteriormente mencionadas, pode-se inferir que o objetivismo abstrato nega totalmente o sujeito, isto é, nega a participação do sujeito na linguagem, porém, o subjetivismo idealista afirma a participação desse mesmo sujeito na linguagem, dando-lhe lugar de destaque, deiviticando-o, ou seja, a linguagem se dá, exclusivamente, pelo e no sujeito, já que para esta teoria a linguagem seria considerada uma superestrutura, completamente diferente da visão bakhtiniana, porque, para Bakhtin o discurso estaria ligado à palavra e a palavra à enunciação.

Sendo assim, o autor de Marxismo e Filosofia da linguagem busca um meio termo para tratar da questão acima mencionada, ou melhor, mostra que a linguagem não é desvinculada do mundo (como quer o objetivismo abstrato) e nem o sujeito é desvinculado do meio social – onde está inserido –  (como quer o subjetivismo idealista), a saber; o sujeito age, mas age em função da linguagem e do meio social sobre o qual está inserido, por isso,  o sujeito não é assim tão independente como propalava Descartes em sua teoria do Cogito.

 

4.0 Bakhtin e a Escola de Hoje

 

Do exposto anteriormente, deve-se inferir que toda a Filosofia da Linguagem formulada por Bakhtin (1997) não tem exclusivamente nada a ver com a Escola de Hoje, por quê?

Porque simplesmente a Escola de Hoje não valoriza de verdade o sujeito, como ser atuante na sociedade, ou seja, não valoriza a história social do sujeito. E ainda essa mesma escola não prima pelas relações dialógicas entre os sujeitos, já que cerceia os dizeres, os discursos desses sujeitos, sem contar ainda que a escola de Hoje impõe um discurso dito padrão e outro dito não padrão, apregoando que só existe uma maneira dita “correta” de se expressar, sem se importar com a linguagem, a história de vida que o sujeito traz de sua própria casa, desprezando assim sua cultura, seus valores sociais, enfim, sua identidade.

Não obstante, temos certeza de que um dia a escola vai ter que dar o devido valor ao sujeito, principalmente, a escola pública. Por que justamente a escola pública? Porque esta escola é objeto primordial dessa investigação.

Mesmo com as afirmações que fiz anteriormente, não estou querendo desmerecer a escola pública, no entanto, ou ela valoriza o sujeito social, seus anseios, suas vitórias, suas derrotas, tentando a todo custo promover o diálogo de acordo com uma visão bakhtiniana, ou, certamente; estará fadada a desaparecer e, principalmente a fracassar em sua principal missão: que seria mudar o comportamento, ou pelo menos influenciar no comportamento dos seres humanos para melhor.

Entretanto, fica um questionamento para nós educadores, pais, irmãos, parentes, enfim, a sociedade em geral: como influenciar ou mudar o comportamento para melhor dos sujeitos inseridos em uma sociedade, sem antes promover, incentivar o diálogo?

 

5.0 Referências

BAKHTIN, Mikhail (1997). Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec.

 

BENVENISTE, E. (1989). O aparelho formal da enunciação. In: Problemas de Linguística Geral II. 3 ed. São Paulo: Pontes.

 

FARACO, Carlos Alberto, CASTRO, Gilberto de & TEZZA, Cristóvão. (Orgs.) (2001). Diálogos com Bakhtin. 3 ed. Curitiba: Editora da UFPR.

 

FARACO, Carlos Alberto (2009). Linguagem e Diálogo: as idéias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.

 

FREITAS, Maria Tereza de Assunção. (1996). Vygotsky e Bakhtin – Psicologia e Educação: um intertexto. 3 ed. São Paulo: Ática.

 

JAPIASSU, Hilton. (1982). Nascimento e morte das ciências humanas. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves S.A.

 

_________. KRAMER, Sônia. (1994). Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo: Ática.

 

RAMANZINI, Haroldo (1990). Introdução à Linguística Moderna. São Paulo: Ícone.


SAUSSURE, Ferdinand de (1995). Curso de Linguística Geral. 20 ed. São Paulo: Cultrix.


 

 


[1] Professor da Cadeira de Língua Portuguesa do IFRO – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – Campus Ariquemes.

[2] Para aprofundar mais a questão da “exterioridade”, ver: TRAVAGLIA, Luiz Carlos (1996). Gramática e Interação: uma proposta de gramática para o ensino de 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez.

 
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