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A (NÃO) APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IDENTIDADE E DA DIVERSIDADE NO SINAES PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Rodrigo Gabriel Moises   
Seg, 22 de Outubro de 2012 00:00

Rodrigo Gabriel Moisés

Artigo Científico apresentado como requisito para conclusão do Curso de Administração Acadêmica e Universitária

Uruaçu, Junho de 2012.

A (NÃO) APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IDENTIDADE E DA DIVERSIDADE NO SINAES

Rodrigo Gabriel Moisés

RESUMO

As diretrizes políticas da avaliação da educação superior brasileira têm como um dos princípios norteadores o respeito à identidade e à diversidade das instituições de ensino superior. No entanto, os processos utilizados, sobretudo os instrumentos desenvolvidos para avaliar cursos e instituições, são elaborados e aplicados de forma padronizada a todas as instituições, independente de seus contextos, natureza e propósitos.

Esta contradição entre os princípios e os instrumentos de avaliação elaborados pelos órgãos de regulação e supervisão do ensino superior no Brasil gera uma situação ilegal e injusta que penaliza instituições que são rigorosamente fiscalizadas independentemente de suas complexidades e complicações e beneficiam outras que poderiam ser bem mais exigidas.

O objetivo deste trabalho é interpretar o papel dos processos de avaliação do ensino superior sob a ótica dos princípios da identidade e diversidade institucional e os equívocos cometidos com a padronização contida nos manuais de avaliação, procurando, dessa forma, contribuir para o aperfeiçoamento dos processos de avaliação e de regulação da educação superior, sobretudo no que tange a efetivar uma sistema mais justo e equânime.

Este artigo é preponderantemente teórico-documental, com análise da doutrina e da legislação correspondentes.  Como conclusão, constataram-se as injustiças e ilegalidades contidas no atual Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior face ao tratamento indevido direcionado as pequenas instituições de ensino superior.

Palavras-chave: Avaliação do Ensino Superior. Identidade e diversidade das instituições de ensino superior.

  1. 1. AVALIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR: SUAS FINALIDADES E SEUS DESVIOS

A avaliação da educação é um assunto em pleno desenvolvimento no Brasil que nos últimos anos vem experimentando novas propostas e experiências relativas a avaliação do desempenho da educação.

Com relação a avaliação do ensino superior, conforme expõe Dias Sobrinho (2003, p. 54) o processo de avaliação tem ganhado destaque no atual contexto de globalização e competitividade internacional, pois deve ser entendido “como elo importante das reformas, a avaliação da educação superior transborda os limites propriamente educativos e se situa nos planos mais amplos da economia e da política”.

Avaliar o ensino superior é necessário e extremamente importante, mas é necessário saber antes para quais finalidades e como avaliar.

Entre os vários propósitos da avaliação, é de fundamental importância a sua função de averiguar até que ponto os objetivos educacionais traçados estão sendo alcançados pelas propostas pedagógicas, ou seja, a determinação do grau em que mudanças comportamentais estão ocorrendo nos alunos receptores.

Nesta perspectiva, a avaliação serve para aferir o grau de eficiência de uma instituição. “Ela se manifesta, por exemplo, na modalidade da accountability, atualmente muito praticada, que pode ser entendida como a responsabilidade de demonstrar eficiência e produtividade.” (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 21). Desta forma, deve haver uma prestação de contas das instituições e seus educadores aos usuários, aos órgãos reguladores e à sociedade em geral.

A avaliação, segundo este entendimento, deve estar centrada nos resultados a serem alcançados conforme os interesses dos alunos e da comunidade em geral.

Mas estes interesses podem variar conforme o contexto da região e da própria instituição de ensino, que possui suas particularidades e missão próprias.

Desta forma a avaliação muitas vezes além de não resolver os problemas a que se propõe, devido às várias concepções e interesses envolvidos, ”frequentemente tem servido aos propósitos de controle, fiscalização, hierarquização e exclusão” (DIAS SOBRINHO. 2003, p. 49).

E é justamente com este olhar crítico que devemos avaliar nosso atual sistema de avaliação.

No Brasil, no contexto da avaliação o primeiro elemento a ser percebido é a profunda diversidade de instituições de ensino superior que se diferenciam conforme seus objetivos, tamanho, estrutura e realidade social, prestação de serviços educacionais, graus de autonomia, funções, diversidade econômica, social e cultural.

A avaliação não deve ser reduzida simplesmente a resultados quantificados a partir de instrumentos padronizados ou testes aplicados aos estudantes e utilizados de forma comparativa entre as instituições, criando uma indevida forma de hierarquização entre elas, desconsiderando as diversidades e o papel individual de cada uma em seu contexto.

Neste sentido, é pertinente a seguinte lição: “uma medida comum não é garantia de justiça. Convertida em indicadores do tipo testes normalizados de rendimento, ela pode vir viciada do ponto de vista social e econômico, não levando  em conta as diferenças individuais, a medida comum pode então ser utilizada, como historicamente tem ocorrido em larga escala, como instrumento explícito e ‘científico’ para – com as devidas justificações técnicas – selecionar e discriminar indivíduos, grupos ou instituições” (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 101).

De acordo com o Censo da Educação Superior de 2010 (INEP/MEC)[1], o ensino particular brasileiro tem 2.378 instituições de ensino superior, das quais 88,3% são privadas, 4,5% estaduais, 4,2% federais e 3,0% municipais.  Quanto à organização administrativa, 85,2% são faculdades, 8,0% são universidades, 5,3% são centros universitários e 1,6% são institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFs) e centros federais de educação tecnológica (Cefets). Estes números já comprovam o quanto é complexo e heterogêneo o nosso sistema, desta forma não se pode utilizar um processo avaliativo padronizado, medindo as IES com uma mesma régua, utilizando os mesmos critérios.

O próprio SINAES, desde sua concepção já admitia a necessidade deste tratamento mais equânime.  A Lei n° 10.861, editada em 14 de abril de 2004,criou o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – SINAES e prescreveu os seus seguintes objetivos e finalidades:

Art. 1º Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, com o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII e IX, da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

§ 1o O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional (sem grifo no original).

Ou seja, a legislação pertinente determina que, em especial, deve prevalecer na avaliação o cumprimento dos compromissos e responsabilidade social da instituição, respeitando sua missão, valores, peculiaridades e identidade.

Contudo, esta concepção não foi efetivada na prática. O SINAES contempla esta questão mas, na operacionalização, a preocupação com estas diferenças não está presente nas avaliações e todas as IES são tratadas de forma semelhante, ou seja, os instrumentos utilizados conferem tratamento igual para entes desiguais, na forma, características e finalidades.

  1. 2. PRINCÍPIOS DA IDENTIDADE E DA DIVERSIDADE INSTITUCIONAL NO SINAES

Sobre o princípio da identidade, recorremos aos estudos de filosofia que nos ensina que este princípio afirma que uma coisa, seja ela qual for, só pode ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade. O princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a partir de suas definições.

               Já o princípio da diversidade é bastante citado no campo da pedagogia, sobretudo quando é discutida a questão da educação inclusiva. Em documento editado pelo Ministério da Educação sobre o tema, encontramos que “o respeito à diversidade, efetivado no respeito às diferenças, impulsiona ações de cidadania voltadas ao reconhecimento de sujeitos de direitos. Suas especificidades não devem ser elemento para a construção de desigualdades, discriminações ou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de políticas afirmativas de respeito à diversidade, voltadas para a construção de contextos sociais inclusivos”. (ARANHA. 2004, p. 6). 
            Tais princípios são essenciais na interpretação e avaliação de fatos e situações sob pena de causar distorções e injustiças. 
               Neste sentido, aplica-se a lição de Rui Barbosa em sua famosa Oração aos moços: “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”. 
               Ou seja, para efetivar-se a justiça, deve-se tratar por igual modo os iguais, e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. 

Cabe ressaltar que para o ordenamento jurídico, os princípios constituem um conjunto de posições que alicerçam ou embasam um sistema e lhes garantem validade. Estes princípios devem guardar uma relação de unidade compondo realmente um sistema harmônico e coerente.

Segundo a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nelas esforçada”. (BANDEIRA DE MELLO,  2009, p.   )

Nesta linha, os princípios da identidade e da diversidade das instituições de ensino superior foram assegurados na legislação sobre a avaliação da educação superior, estando fortemente enunciados na política de avaliação instituída através do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES - Lei nº 10.861, de 14 abril de 2004). Conforme exposto anteriormente, o SINAES foi concebido com “o objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º, VI, VIII e IX, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (art. 1º)”. As diretrizes do novo sistema de avaliação foram definidas no art. 2º, o qual reafirma em seu inciso III “o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos” presente nas diretrizes da política educacional brasileira.

               O SINAES prevê a avaliação das instituições de educação superior (art. 3º), a avaliação dos cursos de graduação (art.4º) e a avaliação do desempenho dos estudantes; sendo este através do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE (art.5º). Todas as modalidades de avaliação deverão ser realizadas sob a responsabilidade do INEP (art. 8º).

Sobre a avaliação das IES, o SINAES define que o objetivo é identificar o perfil e o significado de sua atuação, por meio de suas atividades, cursos, programas, projetos e setores, considerando as diferentes dimensões institucionais.

É importante ressaltar que o § 1º do art. 3º determina que “Na avaliação das instituições, as dimensões (...) serão consideradas de modo a respeitar a diversidade e as especificidades das diferentes organizações acadêmicas, devendo ser contemplada, no caso das universidades, de acordo com critérios estabelecidos em regulamento, pontuação específica pela existência de programas de pós-graduação e por seu desempenho, conforme a avaliação mantida pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES”.

O SINAES foi regulamentado pela Portaria MEC nº 2.051, de 09 de julho de 2004 (Portaria revogada pela Portaria 40/2007). A Portaria reafirma, em seu art. 1º, a finalidade da avaliação como instrumento para “a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social, e especialmente a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional”.

A Portaria nº 2.051/2004 reitera os objetivos, já estabelecidos na lei que instituiu o SINAES, de identificar o perfil e “o significado da atuação destas instituições, pautando-se pelos princípios do respeito à identidade e à diversidade das instituições, bem como pela realização de auto-avaliação e de avaliação externa” (art. 9º).

A concepção, os princípios e as dimensões do processo de avaliação do SINAES foram sistematizados no documento “Diretrizes para a Avaliação das Instituições de Educação Superior”, elaborado pela Comissão Nacional da Avaliação de Ensino Superior. O documento enfatiza, novamente, o objetivo de respeitar a identidade e a diversidades das IES no novo modelo de avaliação ao afirmar que “as características fundamentais da nova proposta são: a avaliação institucional como centro do processo avaliativo; a integração de diversos instrumentos com base em uma concepção global e o respeito à identidade e às diversidades institucionais. Tais características possibilitam levar em conta a realidade e a missão de cada IES, ressalvando o que há de comum e universal na Educação superior e as especificidades das áreas do conhecimento”. (CONAES. 2004, p. 2)

O próprio documento de apresentação do SINAES expõe que “cada instituição tem sua história e constrói concretamente suas formas e conteúdos próprios que devem ser respeitados. No desenho da regulação e da avaliação, cada instituição deveria submeter-se ao cumprimento das normas oficiais e aos critérios, indicadores e procedimentos gerais, porém, ao mesmo tempo, exercitar sua liberdade para desenvolver, no que for possível e desejável, processos avaliativos que também correspondam a objetivos e necessidades específicos. Além disso, a avaliação deve servir de instrumento para aumentar a consciência sobre a identidade e, portanto, as prioridades e potencialidades de cada instituição em particular”. (SINAES, 2004, p. 87).

Pelo exposto, em tese os instrumentos utilizados deveriam refletir os princípios norteadores da avaliação, já que devem se constituir na efetivação da política expressa nas normas orientadoras superiores.

Contudo, o que se vê na prática é o total desrespeito a estes princípios, tornando os processos de avaliação ilegais e injustos.

 

  1. 3. O UNIVERSO DIVERSIFICADO DE INSTITUIÇÕES NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

Entre as inúmeras classificações constantes no ensino superior do Brasil, quando se tem em vista as categorias do público e do privado, uma instituição pode diferenciar - se de outra em vários aspectos formais. Quanto à natureza institucional ou administrativa, as IES podem classificar-se como universidades, centros universitários, faculdades integradas ou estabelecimentos isolados. Quanto à sua dependência administrativa, podem ser públicas (federais, estaduais e municipais) ou privadas, conforme art. 19 Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Quando privadas, e com relação à constituição jurídica de sua mantenedora, classificam-se como fundações, associações civis ou sociedades civis de direito privado. Quanto aos fins das instituições privadas, elas podem ser lucrativas ou não. Quanto à composição dos membros das instituições (LDB, art. 20), são particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais ou filantrópicas. As IES são laicas quando não atendem à orientação confessional. Quanto à organização acadêmica, podem ofertar cursos superiores, graduações e pós-graduações, possuindo ou não atividades de extensão e pesquisa.

Este é o espírito da LDB que em seu art. 45 estabelece que a educação superior será fornecida em IES, “com variados graus de abrangência ou especialização”.

Sobre o atual sistema de classificação das IES no Brasil, é pertinente a crítica constante do documento de trabalho elaborado pelo Observatório Universitário, sob organização de Edson Nunes:

“Essa classificação, no entanto, não reflete adequadamente a real situação do sistema de ensino superior, que tende a ser bastante diversificado em termos de suas funções, objetivos, características e estruturas. Embora a classificação legal defina a organização formal da educação superior brasileira, ela não oferece uma taxionomia baseada nas características objetivas do sistema de ensino. Para isso, seria necessário que o processo de classificação das instituições partisse de aspectos objetivos da educação superior, tais como as características institucionais das IES, suas estruturas organizacionais, os tipos de graus concedidos, a variedade de cursos disponíveis, os perfis de seu alunado, a qualificação do seu corpo docente, a presença ou ausência de pesquisa, a vocação ou não para qualificação profissional, os recursos materiais e financeiros disponíveis, além da própria infraestrutura existente, entre outros aspectos”. (NUNES. 2009, p. 10)

Conforme já exposto, o Censo da Educação Superior/2010[2], identificou que das 2.378 instituições, 85,2% são faculdades, 8,0% são universidades, 5,3% são centros universitários e 1,6% são institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IFs) e centros federais de educação tecnológica (Cefets).

Considerando-se que 85,2% das IES são faculdades (2.025 instituições), pode-se dizer que as IES no Brasil, são, em sua grande maioria, de pequeno porte, uma vez que  1.744 instituições possuem menos de 10 cursos e 1.469 possuem até 1.000 alunos.

Ainda segundo o Censo, em 2010 o Brasil contava com 6.379.299 matrículas em cursos de graduação, esse total representa mais que o dobro das matrículas de 2001, o que representa, sendo que o setor privado atende a 74,2% das matrículas.

Das faculdades de pequeno porte, 82% estão localizadas no interior. As que estão situadas nos grandes centros atendem, na sua grande maioria, às populações da periferia, com exceção de poucas, as chamadas faculdades de excelência, que atendem a um nicho da população de alta renda, até pelo alto valor das mensalidades de seus cursos.

Estas faculdades têm a missão de formar cidadãos e profissionais qualificados em nível superior para o mercado de trabalho. Elas não se propõem a ser centros de pesquisa ou de altos estudos, como devem ser as universidades e os centros universitários.

Já as universidades, segundo o art. 207 da Constituição Federal, obedecem ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que se caracterizam, nos termos do art. 52 da LDB – Lei nº 9.394/96 –, por: “I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral”.

Os centros universitários, de acordo com o Decreto nº 5.786/06, devem desenvolver ensino de excelência, abrigando, pelo menos, um terço do corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado e vinte por cento de professores em regime de tempo integral.

Contudo, com relação às universidades brasileiras, muitas delas não vêm cumprindo suas funções de centros de pesquisa, conforme o estudo elaborado pelo Observatório Universitário:

“Grande parte das 183 universidades, atualmente existentes no país, ignoram o comando constitucional, bem como a regulamentação da LDB. Muitas delas tem nenhuma dedicação à ‘produção institucionalizada do conhecimento’. E muitas não preenchem o requisito da percentagem do corpo docente em tempo integral, nem a percentagem de professores com titulo de mestre e doutor.

Exemplificando de maneira quase caricatural, 19 universidades brasileiras sequer oferecem um curso de mestrado. Levando-se em conta que o projeto de lei da reforma universitária enviada pelo Presidente da República ao Congresso indique o ponto de corte que o governo considera como o mínimo para que uma instituição de ensino se classifique como universidade, que seria o da oferta de um curso de doutorado e três de mestrado, observe-se o precário perfil do parque universitário brasileiro, claramente desobediente das leis que o regulam”.(NUNES. 2009, p. 10)

Já as faculdades, sem o compromisso legal ou constitucional da pesquisa, não estão obrigadas, por lei, a quantitativos ou percentuais de mestres ou doutores e nem regime de tempo integral para o seu quadro docente.

Os instrumentos de avaliação in loco adotados pelo Inep, todavia, não levam em consideração essas características diferenciadas por lei, e o que vimos é a penalização das instituições pequenas que são cobradas nas avaliações pela exigência destes critérios de titulação e dedicação do corpo docente da mesma forma  que universidades que deveriam, por lei, contemplar estes critérios, mas como se vê não conseguem cumprir estes requisitos legais.

Na formulação dos indicadores e critérios de avaliação das faculdades não são atendidos os princípios constantes na Lei do SINAES e nem é considerada, pelo MEC, a função social dessas IES em “relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural” das comunidades periféricas ou interioranas, como prevê o inciso III do art. 3º da Lei nº 10.861, de 2004. Muitas destas instituições contribuem significativamente para reduzir ou eliminar as desigualdades regionais, sem qualquer reconhecimento do poder público, pelo contrário, são tratadas de forma bem mais rigorosas e até preconceituosa por parte dos órgãos reguladores do ensino superior brasileiro.

 

  1. 4. OS EQUÍVOCOS DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

DO SINAES

 

O Sistema de Avaliação instituído pela Lei n° 10.861/2004 está estruturado sob o seguinte tripé avaliativo: 1) Avaliação institucional, que se opera por meio do credenciamento e recredenciamento de Instituições de Educação Superior; 2) Avaliação de Cursos, que se divide nas autorizações de cursos, nos seus reconhecimentos e renovações de reconhecimentos; 3) Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE que avalia o desempenho dos estudantes dos cursos de graduação.

O resultado dos três tipos de avaliação do SINAES é expresso numa escala de conceitos aritméticos de cinco níveis “sendo os níveis 4 e 5 indicativos de pontos fortes, os níveis 1 e 2 indicativos de pontos fracos e o nível 3 indicativo do mínimo aceitável para os processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos e de credenciamento e recredenciamento”, conforme art. 32 da Portaria MEC n° 2.051/2004.

Ao longo deste período os instrumentos de avaliação foram constantemente modificados. Inicialmente foi aprovado o Instrumento que se aplicava a todo tipo de Avaliação Institucional e outro que se aplicava a todo tipo de Avaliação de Cursos. Posteriormente foram criados instrumentos exclusivos para os cursos de Direito e Medicina, que também foram sendo alterados. Novos instrumentos continuaram a ser criados e modificados conforme os comandos e os interesses dos órgãos reguladores da educação superior também eram modificados, demonstrando uma total falta de política de avaliação do ensino superior.

O trabalho que resultou no atual instrumento, instituído pela Portaria MEC nº 1.741, de 12 de dezembro de 2011, foi coordenado pela Diretoria de Avaliação da Educação Superior (DAES/INEP/MEC), sendo o resultado de debates realizados pela Comissão Nacional de Avaliação de Educação Superior (CONAES) que avaliaram 3 instrumentos prévios propostos em junho de 2011.

Como resultado final, ocorreu a redução do número de instrumentos avaliativos de 12 para 1 (instrumento único), aplicável a todos os cursos de Bacharelados, Licenciaturas e Cursos Superiores de Tecnologia – tanto presencial como a Distância, esta simplificação do processo apesar de corrigir algumas falhas dos instrumentos anteriores, mais uma vez seguiu a tendência equivocada de equiparar instituições, cursos e atos autorizativos apesar de suas enormes divergências.

Ou seja, mais uma vez os princípios foram abandonados e prevaleceram as tendências de simplificar e padronizar situações complexas e distintas.

Sobre este atual instrumento, vamos nos ater apenas nos critérios de avaliação que dizem respeito à titulação e regime de trabalho do corpo docente do curso.

Com relação à titulação do corpo docente do curso, a dimensão aponta dois indicadores: percentual de stricto sensu (indicador 2.7) e específico de doutores (indicador 2.8). Para se obter conceito satisfatório, ou seja nota 3, no indicador 2.7 faz-se necessário que a instituição avaliada  possua um percentual dos docentes do curso com titulação obtida em programas de pós-graduação stricto sensu maior ou igual a 30% e menor que 50%, ou seja adotou-se neste indicador o parâmetro legal que é obrigatório apenas para as universidades, mas que passa a ser, por este instrumento, também impositivo para as faculdades que queiram ser aprovadas neste critério.

Já com relação ao indicador específico verificar a quantidade de professores com titulação de doutorado, esta é uma inovação deste instrumento, e impõem a todas instituições, indistintamente, a necessidade de terem no mínimo um  percentual de doutores no curso  maior que 10% e menor ou igual a 20%.

Pelo Censo de 2010 as faculdades apresentaram os seguintes números relativos à qualificação de seu corpo docente: 57.026 professores com o título de especialização, 49.364 mestres e 12.946 doutores, ou seja, em termos gerais menos de 10% dos professores de todas as faculdades do Brasil possuem o título de Doutor. Mas este índice é ainda menor quando dependendo da região geográfica, como é o caso da região Centro-Oeste, onde apenas 7,1% dos professores das faculdades são doutores, e no Norte onde este índice chega a apenas 5,5%.

Também no indicador voltado para avaliar o regime de trabalho do corpo docente do curso, adotou-se o parâmetro das universidades para todas as instituições, pois para se obter o conceito 3 é necessário que  o percentual do corpo docente previsto/efetivo com regime de trabalho de tempo parcial ou integral seja maior ou igual a 33% e menor que 60%.

Mais uma vez recorrendo à realidade demonstrada pelo Censo de 2010, os números mostram que apenas 15,5% (17.314 de um total de 111.601) dos professores das faculdades privadas possuem regime de dedicação integral.

Estes critérios, elaborados ao total arrepio dos princípios da identidade e diversidade, desconhecem por completo a realidade das pequenas faculdades instaladas principalmente em regiões distantes das grandes metrópoles. Estas instituições que atendem a um público de baixa renda, por isto devem praticar mensalidades acessíveis, não são obrigadas e nem possuem recursos ou financiamento para a pesquisa e mesmo que queiram não encontram professores capacitados em mestrados e doutorados, em quantidade suficiente para atender aos padrões exigidos pelo MEC. Por outro lado, as faculdades passam a ser equiparadas às universidades e aos centros universitários somente no cumprimento de indicadores, mas não podem gozar da autonomia a estes assegurada por norma legal.

 

CONCLUSÃO

 

Pelo que se percebe, a bela concepção do SINAES não se efetivou na realidade, pois “na prática avaliativa, notas técnicas e até mesmo algumas resoluções , ‘passam a régua’ para nivelar universidades públicas, privadas, centros universitários e faculdades, de Norte a Sul, tudo padronizado pelo sistema avaliativo. Uma avaliação concebida na lógica da burocracia industrial? Isso não parece ser o que estabelecem as diretrizes do bem concebido Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído pela Lei 10.861, de 14 de abril de 2004.” (MURIEL. 2011, p. 8)

É preciso retomar os rumos para que a avalição passe a ser realmente um instrumento de fortalecimento da educação superior, nas várias missões a que se propõe.

Estes ajustes são necessários até para corrigir as atuais ilegalidades existentes nos instrumentos de avaliação, pois os mesmos não observam os princípios norteadores enunciados na lei do SINAES, em especial os da identidade e da diversidade.

Um dos caminhos a serem seguidos para corrigir as atuais distorções que existem na avaliação atual e até mesmo para definir de forma bem clara a atuação das IES no ensino superior brasileiro, corrigindo inclusive as prioridades de financiamento para o desenvolvimento de pesquisa, seria adotar uma nova forma de classificação no ensino superior brasileiro, conforme propõe o estudo elaborado pelo Observatório Universitário:

“Outras taxionomias podem e devem ser citadas, para melhor se pensar a pobre classificação brasileira de instituições de ensino superior. Estudo de Dionne e Kean sobre a crise fiscal das universidades recomenda que três tipos de instituições sejam incentivadas e reconhecidas, no contexto americano: 1) os community colleges destinados à preparação da força de trabalho, treinamento para o trabalho, educação de adultos e remedial education; 2) as faculdades estaduais, orientadas para as distintas graduações, assumiriam a responsabilidade pela formação de docentes, sendo os professores destas casas fortemente estimulados a orientar suas pesquisas para as áreas relacionadas ao desenvolvimento regional e à assistência técnica para empresas regionais; e 3) as grandes universidades de pesquisa, com foco no desenvolvimento de pesquisas e na educação para o bacharelado, sendo o investimento federal em pesquisa concentrado nas maiores e melhores universidades e não-distribuído amplamente para múltiplos tipos de instituições.

Evidentemente, a taxionomia acima seria útil para o Brasil, já que aqui existem diversas universidades públicas, federais e estaduais, indiferenciadas em suas missões, díspares em termos de competências e habilidades, isonômicas, no entanto, no acesso aos benefícios públicos, principalmente aqueles relativos às carreiras docentes e de pesquisa. A crise fiscal exigirá, cedo ou tarde, que à taxionomia de benefícios e direitos, se associe a outra, de responsabilidade pública do Estado que possa contemplar as reais diferenças entre as instituições públicas e venha a concentrar esforços orçamentários naquelas onde o retorno seja particularmente alto.” (NUNES. 2009, p.  ).

As experiências de avaliação institucional não podem se resumir a um simples ato avaliativo, a um delator dos problemas educativos e institucionais, mas deve proporcionar e instigar o avanço das discussões sobre como os resultados dos processos avaliativos têm contribuído para mudanças nos contextos sócio, político e econômico das Instituições e da própria região em que está inserida.


 
BIBLIOGRAFIA
 
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______. Lei 10.870, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SIANES e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 de abr 2004. 
______. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. 
______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da educação superior: 2010 – resumo técnico. Brasília : Inep, 2012. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/resumo_tecnico/ resumo_tecnico_censo_educacao_superior_2010.pdf

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.

GOMES, Magno Frederici. Avaliação e natureza administrativa das instituições de ensino superior. In: Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 589-610, jul./set. 2010.

NUNES, Edson (org.). Singularidade Brasileira: Ensino Superior Privado e Dilemas Estratégicos da Política Pública. Documento de trabalho nº 87. Agosto de 2009. Disponível em http://www.observatoriouniversitario.org.br

______ Diretrizes Políticas da Educação Superior x Instrumentos de Avaliação: uma Nota Técnica. Documento de Trabalho nº 44. Maio de 2005. Disponível em http://www.observatoriouniversitario.org.br.

MURIEL, Roberta. Avaliação Institucional: marco regulatório, portarias normativas 40/2007 e 23/2010. Belo Horizonte: Ed. da autora, 2011.

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[1] Disponível em www.inep.gov.br

[2] Disponível em www.inep.gov.br

 

Autor deste artigo: Rodrigo Gabriel Moises - participante desde Ter, 08 de Fevereiro de 2011.

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