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Edições Anteriores 90 Repensando a Filosofia: contra uma ética onívora, por uma educação humanitária
Repensando a Filosofia: contra uma ética onívora, por uma educação humanitária PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Tiago Bueno Camargo   
Qua, 12 de Abril de 2006 21:00

Assim, embora um norte-americano possa, agora, abraçar a religião de seu gosto, não lhe é permitido pedir que, na escola, seus filhos aprendam mágica e não a ciência. Existe separação entre Estado e Igreja, não existe separação entre Estado e ciência. [...] Seja como for, a ciência e as escolas estarão cuidadosamente separadas, como estão, hoje em dia, religião e escolas. Feyerabend
Nascemos, crescemos e morremos. Nossa ciência tem-se ocupado, até agora, em entender as etapas físicas, químicas, biológicas e psíquicas destas três fases. Não é o objeto central de seu trabalho, portanto, explicar questões fundamentais, com as quais o ser humano sempre se deparou, do tipo: quem eu sou? O que estou fazendo aqui? O que são a vida e o universo? Neste sentido, pode-se dizer que nossas crianças, jovens e adultos, têm obtido uma formação míope e capenga. Concordando com Mircea Eliade, a dimensão mítica, religiosa do humano, tem sido, na maior parte dos casos, omitida, relegada a segundo plano na escola, para ser ensinada e discutida, por exemplo, em uma disciplina de ensino religioso, que os alunos, talvez por nosso hábito um tanto pragmático, cursam-na mais por obrigação, por não compreenderem seu real sentido. Isto, porém, tem sérias conseqüências em nossas vidas. Uma delas é a relação de indiferença e descaso que, atualmente, a humanidade, em geral, tem para com a vida dos animais.

É certo que, no surgimento da ciência, o rompimento com todo pensamento transcendental foi necessário, visto que era imperioso libertarmos-nos do jugo exercido pela Igreja, jugo este que ditava as regras do que se deveria ou não ser pesquisado. Para isto, mitigou-se, de certo modo, com o questionamento de valor moral. A pesquisa deveria ser livre. Além disso, René Descartes, ao propor o problema do conhecimento, também "chutou", para o campo da Filosofia, toda possível reflexão sobre o humano e seu destino, separando-o, por assim dizer, da natureza, campo este a ser pesquisado por um conhecimento objetivo, científico. Desse modo, temos a eclosão e o predomínio, no Ocidente, de uma forma de ver o mundo em que o homem e a natureza encontram-se disjuntos, e que, recursivamente, irá configurar nossa atuação no dia-a-dia.

Porém, junto a esta forma científica de ver a realidade, nascem outros mitos e religiões, para substituir os anteriores e prover esta dimensão essencial do humano. Desta forma, passamos a acreditar no mito da infalibilidade da razão e nos tornamos adeptos de uma religião chamada Progresso. Como bem afirma Feyerabend, "As semelhanças entre ciência e mito são inegavelmente de espantar [...] torna-se necessário, pois, reexaminar nossa atitude em face do mito [...]"(1989, p.452-53).

Assim, a felicidade prometida no Reino dos Céus é substituída, enlouquecidamente, pelo consumo, gozo e acúmulo dos bens terrestres, tão bem expressos no modo econômico que hoje vivemos. No entanto, os bens da Terra não são infinitos como os bens do Reino dos Céus, eles acabam, são finitos. E nessa corrida louca para obtê-los, somos absorvidos pelo "sono do cotidiano", como bem ensina Jostein Gaarder (1995, p.32). Ou seja, somos incapazes de parar e questionar profundamente nosso modo de viver. Perdemos a curiosidade da criança que ainda é filósofa, antes de se habituar com o mundo, como fazem os adultos. Ressurge, aí, a necessidade imperiosa da Filosofia na educação, na escola, em nosso dia-a-dia, para habituarmos-nos novamente à curiosidade, à investigação, ao estranhamento deste modo atual de vida, em que nos afastamos da natureza e a submetemos a nosso bel-prazer. O maior problema, hoje, como dizia nosso saudoso Lutzenberger, "[...]não é científico nem tecnológico: é cultural, filosófico. Nossa visão incompleta do mundo nos faz querer agredir o que deveríamos querer proteger" (1980, p.16).

Desse modo, o problema mítico nos remete ao filosófico/científico/educacional, e, de modo geral, ao problema ecológico, que nos leva a repensar nossa relação com a natureza, exigindo-nos uma mudança de atitude. Nesse sentido, é imperioso ensinar às crianças e jovens que os animais também são parte da natureza e não estão na Terra para submeterem-se aos caprichos humanos. Possuem sentimentos, emoções e desejam viver tanto quanto os seres humanos. Devemos ensiná-los que os animais estão sofrendo muito na mão do homem. A carne, antes de chegar temperada ao seu prato, era um animal que, na maior parte dos casos, foi cruelmente espancado e torturado, como acontece hoje nos diversos matadouros ou simplesmente perdeu o direito à vida, confinados que estão nas engordadouras modernas dos processos industriais. Talvez seja por isto que Gaston Bachelard, acertadamente, tenha colocado que "O empenho do saber parece eivado de utilitarismo"(1977, p.18). Isto é corroborado pelo fato de que encarecemos, com toda a responsabilidade da ciência, a necessidade de proteínas e gorduras diversas, mas esquecemos de que nossa inteligência, tão fértil na descoberta de comodidade e conforto, possui recursos de encontrar novos elementos e meios de incentivar os suprimentos protéicos ao organismo, sem recorrer às indústrias da morte.

Porém não é conveniente que isto seja divulgado, por ferir interesses econômicos. No entanto, é preciso, é urgente e inadiável, que aprendamos a nos alimentar de modo não-violento, respeitando a vida dos animais, que não são máquinas. Podemos, muito bem, resgatar hábitos saudáveis ao assimilar os alimentos naturais. Verduras, grãos e germinados, brotos, frutas e legumes de todos os tipos, quando não passam pelos processos de cozimento e industrialização, propiciam ao homem os elementos vivos, necessários, capazes de lhe regenerar e nutrir as células do organismo físico.

Nossa ligação com os processos vivos da Terra tem de ser retomada e não substituída por esta visão dicotômica entre homem/natureza, capaz de tornar a vida em produto a ser vendido em prateleira de supermercado, de submeter os aspectos ecológicos ao econômico, de extirpar a reflexão do nosso cotidiano e nos causar morbidez parcial ou total no raciocínio com a programação televisiva do Big Brother. A integração do homem com a natureza deve ser o foco do ensino ao longo de nossa escolaridade. Edgar Morin ensina muito bem que "Conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele"(2000, p.37). Além disso, deve ser o foco também dentro das nossas instituições religiosas, que, atualmente, na sua maioria, encontram-se absorvidas pelo paradigma que separa o homem da natureza.

Neste sentido, tão logo nos permitimos pensar na natureza como algo vivo e atuante em nós, começamos a observar que nunca perdemos nosso "sentido de ligação" com o mundo natural. É como se emergisse de nosso interior uma "parte adormecida" que sempre soube disso; por conseguinte, começamos a religar a vida íntima com as forças criativas manifestadas em toda a evolução, capacitando-nos, como diz o biólogo chileno Humberto Maturana, a voltar a viver nosso lado matrístico, ou seja, ligado à matriz, à origem da vida, e, com a mesma naturalidade e curiosidade de uma criança, poder manifestar novamente a necessidade de descobrir quem somos e por que vivemos? O que estou fazendo aqui? O que é a vida ou o Universo?


Referências bibliográficas
BACHELARD, Gaston. Epistemologia. Rio de Janeiro, Zahar: 1977.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 1994.
FEYERABEND, Paul. Contra o Método. 3.ed. Rio de Janeiro, F. Alves: 1989.
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da historia da filosofia. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LUTZENBERGER, José A. Fim do futuro? Manifesto ecológico brasileiro. Porto Alegre,
Movimento, 1980.
MORIN, Edgar. A cabeca bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis de. A inteligência da complexidade. 2.ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.
SOLEIL, Dr. Você sabe se alimentar? 15.ed. São Paulo: Paulus, 1992.

 

Autor deste artigo: Tiago Bueno Camargo - participante desde Sex, 07 de Abril de 2006.

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