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Uma crítica ao *laissez faire* da formação de professores para cursos de Jornalismo no Brasil PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Geder Parzianello   
Qua, 26 de Maio de 2004 21:00

A educação superior brasileira enfrentou desafios novos com a crescente demanda pela formação acadêmica, sobretudo depois do final da década de 70, e que resultou na progressiva massificação do ensino superior e na conseqüente proliferação dos cursos superiores em praticamente todas as áreas profissionais, seguindo uma tendência latino-americana de cursos superiores em “portas de garagem”. Esta massificação se apresentou à sociedade sob a égide de uma reserva para o mercado de trabalho em sociedades ávidas por emprego e renda.

O eminente sociólogo e ensaista alemão Robert Kurtz (2004) aborda a questão do ensino superior apontando a crise no Ocidente decorrente da lógica econômica e que, segundo ele, tem graves conseqüências sociais porque acaba minando a milenar cultura humanista de nossa história. Priorizou-se a técnica em detrimento dos valores humanos, no discurso do ensaísta alemão, e na onda desta tendência, massificou-se também a mão-de-obra intelectual nas universidades, maquiada por títulos acadêmicos de gente sem preparo suficiente.

Um dos desafios mais expressivos diante das transformações sentidas nas faculdades, centros universitários e novas universidades foi mesmo, principalmente, a busca por profissionais habilitados ao ensino universitário nas áreas que então se faziam necessárias diante da nova demanda social e econômica. A maioria dos cursos foi de fato constituída a partir de professores que vinham de um mercado de trabalho convencional, nada adscrito às práticas pedagógicas que são inerentes à atividade de professor e que imprimiam uma formação equivocada no ensino superior, nos moldes de cursinhos profissionalizantes. Quem era colocado para ensinar nas faculdades gozava de um reconhecimento público pela função e atividades exercidas ao longo de sua carreira profissional e parecia, acertadamente, ser uma escolha aceitável diante das novas necessidades surgidas.

Ocorre que, se por um lado, alguns excelentes e inesquecíveis mestres se fizeram conhecer através desta brecha histórica na formação dos cursos que se multiplicavam por todo o país, esta não foi exatamente uma tendência. A maioria dos professores dispunha de conhecimentos técnicos, mas nenhuma habilidade pedagógica, o que é compreensível- e pouca ou nenhuma vocação teórica, o que contribuiu para mitificar o aparente abismo entre teoria e prática que ainda hoje assombra os cursos superiores.

Os primeiros cursos universitários e o grande contingente de faculdades que se multiplicaram por todo o país e depois delas também os centros universitários, amarguraram a desilusão bastante comum de professores sem habilidade no ensino e que logo nas primeiras experiências optavam por voltar para as funções ou atividades de onde tinham vindo. Alguns, muito poucos, na verdade, se estabeleceram nos quadros acadêmicos em definitivo e fizeram carreira como professores. Outros, sabiamente, conseguiram conciliar durante boa parte de suas vidas como professores também alguma prática profissional no mercado convencional em suas áreas, o que os tornou duplamente valorizados.

No Jornalismo, de modo muito significativo, esta realidade foi sentida, sempre mais intensamente, nos anos 80 e 90 em todo o Brasil. Hoje, no começo do século XXI, o problema vem aos poucos sendo dirimido com a formação de professores mestres e doutores em todo o País, objetivando uma formação pedagógica ideal aos professores dos cursos de graduação, mas a situação atual ainda parece longe demais do ideal. Em que pesem todas as iniciativas governamentais, através do Ministério da Educação, no sentido de coordenar políticas que incentivem a formação de professores de faculdade por excelência, ainda se faz sentir uma política de laissez faire, como ficou conhecida a tradição capitalista, evidenciando-se nas escolas superiores um relativo inchaço dos quadros docentes de professores colaboradores horistas, cuja vocação para o magistério não é sua verdadeira prioridade profissional e que embora respondam aos desafios econômicos de um novo tempo, promovem uma herança que se fará sentir muito em breve na ponta do ensino superior: a qualidade questionável com que acadêmicos sairão, em número cada vez maior, dos bancos das faculdades.

Esse espírito do laissez faire coloca desde uma perspectiva histórica, professores tecnicizados para os quadros de magistério superior nas faculdades em geral nos anos 80 e motiva a discussão sobre a importância do ensino superior em muitas áreas, onde aparentemente, uma certa habilidade técnica seria suficiente para destituir a formação acadêmica. Sobretudo no Brasil e por muitos anos, o debate que deveria ser sobre a qualidade do ensino superior que se fazia nas faculdades foi invertido para discussões estéreis sobre a importância do curso acadêmico e a validade do diploma. Questionou-se o diploma de jornalismo, a formação acadêmica em Pedagogia, o espaço universitário para áreas novas que surgiam.

O considerável contingente de professores deslocados de um eixo central necessário a toda uma função que é pedagógica, distantes os mesmos professores em alto grau da desejável compreensão mínima sobre a competência necessária ao ensino superior, contribuiu para um quadro lamentável de desprestígio da tarefa do professor e uma não compreensão senso comum da importância da reflexão acadêmica e da tarefa de educador. A Universidade deixou de ser o espaço legítimo de questionamento- função para a qual foi criada- e passou a ser um centro de habilitação para um mercado de trabalho, concentrando cursos técnicos e abrindo concorrência com escolas de formação de nível médio. Mesmo na Europa, onde a formação técnica superior foi compreendida como necessária para atender a uma demanda de mercado, esta nova formação profissional jamais se viu confundida com a formação acadêmica tradicional como ocorreu no Brasil e em boa parte da América Latina. Na França existe o medo de que as faculdades se tornem colégios técnicos, reduzidas em sua finalidade e função. Na Alemanha, por exemplo, um curso técnico de nível superior é grosseiramente distinto de um curso superior de faculdade.

Em nome da massificação do ensino superior, no Brasil, confundiram-se as práticas e abriu-se terreno para a construção de alguns mitos, entre eles, o de que o diploma, por exemplo, fosse o fim útil da formação universitária. Neste artigo, desejo tão somente acentuar o quanto se fez sentir no ensino superior esta falta de formação específica de professores, sobretudo nos cursos de Jornalismo. Mesmo entre profissionais recém-vindos de centros de excelência de formação, com títulos de mestres e doutores, a falta de uma formação pedagógica continuava a se fazer sentir. Em boa parte das iniciativas de planejamento dos cursos novos, sobretudo em instituições nas quais esta preocupação não foi projeto de gestão diretiva, o corpo docente das faculdades se viu inchado ou de profissionais do mercado sem habilidade para a sala de aula, ou de mestres sem a necessária reflexão pedagógica à nova atividade que teriam pela frente.

Os cursos de mestrado e doutorado no Brasil, salvo exceções, não concentram disciplinas suficientes para a formação desejada de professores do ensino superior. Em alguns casos até, os mestres-exemplos nos quais estes novos futuros mestres poderiam se inspirar são exemplos tão limitados quanto eles mesmos, frutos desta tradição e história compartilhadas.
Obviamente, alguns avanços conseguiram se fazer depois da oferta admitida pela demanda de cursos específicos de metodologia do ensino superior, mas que, infelizmente, contaminaram-se do mesmo problema e reuniram, em muitos casos, professores eles próprios sem a devida habilitação, meros reprodutores de manuais de pedagogia. Gente com pregação sem doutrina legítima. Em outras palavras, foi o mesmo que querer colocar um leigo a ensinar leigos a rezar uma missa.

Neste cenário de ranços da educação superior brasileira, movido por um ideal inegável de minha experiência como professor, desde as práticas no ensino fundamental e as experiências em sala de aula no ensino médio e sobretudo ciente de que esta caminhada torna diferente a atuação do educador em nível superior, é que proponho a reflexão neste artigo a respeito da formação pedagógica continuada e a necessidade de experiência anterior em magistério para que professores cheguem ao ensino superior. Como esta utopia pode se fazer eternamente utopia tendo em vista a sua não-exeqüibilidade técnica, proponho neste artigo, algumas saídas para o problema que é, reconhecidamente, o de colocar em sala de aula nas faculdades, professores com experiência de ensino mínima, quando hoje ainda esta colocação é feita não raro sem experiência alguma em boa parte do país.

Acuso nesta crítica a contrariedade sentida no espírito iluminista do “laissez faire, et laissez passer, le monde va de lui mème” e que justificou o capitalismo tardio, mas não tem mais lugar na epistemologia crítica pós-moderna, como bem acentua Kincheloe (1997, p.55). O autor tem a propriedade de apontar na tendência do pensamento de seus contemporâneos como McLaren, Aronowitz e Girou, para quem o capital cultural vai falar mais alto que as barreiras legais ou econômicas em nosso tempo.

De fato, se regras de mercado forçam novas configurações ao ensino superior. Elas não precisarão necessariamente vir acompanhadas deste descaso evidente com o corpo docente nas faculdades, onde ainda parece imperar a lei do “deixa como está que o mundo gira por si mesmo”, que resume em tradução livre o sentimento francês do começo do século XVII e até o final do século XIX inscrito na máxima de Montesquieu.


Christa Berger (1998, p.130), em artigo no qual denuncia a necessidade de um ensino de Jornalismo menos tecnicizado, escreve: “ Se a demanda externa é por mão-de-obra qualificada e se essa demanda desemboca na universidade, esta deve fazer transcender pela própria natureza as expectativas imediatistas do mercado”. Com efeito, não são apenas disciplinas técnicas que justificam a criação de cursos de comunicação no Brasil. Herdeiros naturais de uma investigação em Sociologia, Antropologia e Ciências da Linguagem, os estudos em Comunicação e a formação específica em Jornalismo não podem prescindir em sua razão e existência daquilo que os motivou e se verem transformados em cursos apostilados de domínio experimental. Os docentes destes cursos, em nível universitário, não podem, portanto, prescindir de uma formação empírica no magistério tanto quanto se faz necessário ao mercado convencional em Jornalismo, tampouco relegar a formação humanista inerente às práticas que vislumbram no mercado.

Creio que uma das alternativas mais dignas de nota para reverter progressivamente este quadro em nosso tempo tem sido a formação de monitores desde a graduação, incentivando alunos de reconhecido desempenho acadêmico a encamparem o desafio de se aceitarem futuros professores quando ainda alunos e de investirem nesta formação, por meio de estágios e projetos de monitoria. O monitor, entendemos, é um professor em formação, coerente com uma política de gestão voltada para um ensino verdadeiramente de excelência.

Será preciso se aceitar professor, se reconhecer professor, antes mesmo de sê-lo. Somente a trajetória progressiva das experiências em sala de aula que se fizerem sentir sem os riscos do magistério precoce e irresponsável, poderá contribuir para quadros docentes mais responsáveis no futuro. Em artigo publicado na imprensa, Valmor Bolan, doutor em Sociologia, denuncia: “Ou o humanismo recupera sua força como valor educacional, ou o tecnicismo pode intensificar o barbarismo cultural, com efeito globalmente anticivilizador. O mesmo barbarismo que é a causa de um ensino superior ainda muito longe do desejável.

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BERGER, Christa. Teoria da Comunicação: apontamentos de sala de aula. In: Revista Tendências da Comunicação. L&PM, Porto Alegre: 1998

BOLAN, Valmor. A Universidade Desejada. In: O Paraná. Jornal O Paraná. Edição 03. Mai.2004.

KURZ, Robert. In: FOLHA. Jornal Folha de São Paulo. Caderno Mais. Edição. 11. Abr.2004

KINCHELOE, Joe. A formação do professor como compromisso político. Mapeando o pós-moderno. São Paulo: Artes médicas, 1997.

 

Autor deste artigo: Geder Parzianello - participante desde Qui, 20 de Maio de 2004.

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