A educação através da biologia do amor e do conhecimento de Humberto Maturana |
Escrito por Eleison Diettrich de São Christovão |
Qui, 28 de Junho de 2012 00:00 |
RESUMO
Esta monografia procura mostrar que para se trabalhar com educação baseado nos preceitos de Humberto Maturana, devem-se abandonar os velhos paradigmas da ciência que consideravam o corpo e a mente como separados e fragmentados e passar a entender o ser humano de forma integral, como um ser complexo, onde a sua existência se realiza na linguagem e no racional partindo do emocional. Com isso o trabalho do Orientador Educacional deve ser um trabalho baseado no maior sentimento existente entre os seres humanos, que é o amor, a aceitação do outro como legítimo outro. Ou seja, devemos amar nossos alunos e respeitar a diversidade cultural em que eles estão imersos e a sua maneira de perceber o mundo, ou seja, sua leitura de mundo, como diz Paulo Freire. Respeitar a sua autonomia e estimular a sua criatividade, trabalhando sua reflexão crítica e a responsabilidade perante os seus atos. Palavras-chave: paradigma, linguagem, emoção, amor, leitura de mundo, autonomia.
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE
A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DA BIOLOGIA DO AMOR E DO CONHECIMENTO DE HUMBERTO MATURANA
Por: ELEISON DIETTRICH DE SÃO CHRISTOVÃO Orientadora Prof. Fabiane Muniz Rio de Janeiro - 2008
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE
A EDUCAÇÀO ATRAVÉS DA BIOLOGIA DO AMOR E DO CONHECIMENTO DE HUMBERTO MATURANA
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Orientação Educacional Por: Eleison Diettrich de São Christovão.
DEDICATÓRIA .....dedica-se ao meu mestre Celso Sanchez por ter me introduzido na obra desse gênio da atualidade,....... AGRADECIMENTOS ....principalmente ao meu companheiro José do Rosario Silva, e a alguns amigos especiais pela paciência e tolerância comigo na realização desse trabalho. EPÍGRAFE “Não deplorar, nem rir, mas compreender”. (Spinoza) RESUMO Esta monografia procura mostrar que para se trabalhar com educação baseado nos preceitos de Humberto Maturana, devem-se abandonar os velhos paradigmas da ciência que consideravam o corpo e a mente como separados e fragmentados e passar a entender o ser humano de forma integral, como um ser complexo, onde a sua existência se realiza na linguagem e no racional partindo do emocional. Com isso o trabalho do Orientador Educacional deve ser um trabalho baseado no maior sentimento existente entre os seres humanos, que é o amor, a aceitação do outro como legítimo outro. Ou seja, devemos amar nossos alunos e respeitar a diversidade cultural em que eles estão imersos e a sua maneira de perceber o mundo, ou seja, sua leitura de mundo, como diz Paulo Freire. Respeitar a sua autonomia e estimular a sua criatividade, trabalhando sua reflexão crítica e a responsabilidade perante os seus atos. Palavras-chave: paradigma, linguagem, emoção, amor, leitura de mundo, autonomia. METODOLOGIA A metodologia utilizada nesta monografia foi a pesquisa bibliográfica baseada na leitura de várias obras de autores diversos, mas com ênfase no biólogo chileno Humberto Romensín Maturana. A pesquisa bibliográfica, segundo João J. F. Amaral (2007) científico que influenciará todas as etapas da pesquisa, na medida em que se der o embasamento teórico do trabalho. Ela consiste em levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa. Além do Maturana, os principais autores usados neste trabalho foram Fritjof Capra, Paulo Freire e Dermeval Saviani. Embora ele esteja focado principalmente nos estudos do Maturana, uma base epistemológica fundamentada nas pesquisas do físico Fritjof Capra é de importância única no desenvolvimento desse trabalho, principalmente pela sua ênfase em teoria dos sistemas e pensamento sistêmico. A inclusão de autores brasileiros consagrados neste trabalho vem integrálo a uma teoria de base política, pois para Paulo Freire, nosso maior mestre, educar é um ato político, pois se assume um compromisso com o outro, para que este possa ser sujeito da sua história e do seu processo de aprendizagem, e veremos no decorrer deste trabalho que não existe educação sem amor. Portanto todos esses conceitos se completam. 1. J. F. Amaral.. Prof. Adjunto, Doutor do Departamento de Saúde Materno Infantil, João J. F. Amaral. Pesquisa Bibliográfica SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I - A biologia do conhecimento e a educação 10 atual CAPÍTULO II - A biologia do amor e o trabalho 20 do orientador CAPÍTULO III – As diversas linguagens do 29 Orientador Educacional CONCLUSÃO 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38 ANEXOS 39 ÍNDICE 43 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo mostrar como o trabalho dos educadores e especificamente aqui neste caso do Orientador Educacional, deveria ser feito a partir de uma visão mais sistêmica, holística e integral, visto que o ser humano, assim como todos os outros seres vivos, é um sistema complexo e deve ser visto e tratado como tal. Um sistema complexo orgânico é um todo maior que a soma das suas partes, ou seja, existem diversas variáveis, feedback, e imprevisibilidade. Seu trabalho também deveria pressupor um princípio fundamental de respeito e amor pelo próximo. Amor assim definido como o domínio das ações que constituem o outro como um legítimo outro na convivência. De acordo com Maturana, nos construímos humanos pelos valores da cooperação, solidariedade, acolhimento, e não pela competição. Outro princípio epistemológico que perpassa a fala desse mesmo autor com relação ao processo de aprendizagem humana é o que a emoção define a ação. Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro discutimos as bases científicas do novo paradigma da ciência e suas repercussões na biologia do conhecimento e a importância da linguagem como pressuposto para a biologia do amor. Ainda se questiona neste capítulo, a visão fragmentada do representacionismo, a crença na separação entre sujeito e objeto. No segundo capítulo, apresentamos as origens da nossa sociedade patriarcal européia buscando respostas à falta de amor, sentimento esse o mais importante, segundo Maturana. No terceiro e último capítulo, estendemos todos esses conceitos já discutidos nos capítulos anteriores para uma aplicação prática do dia a dia das pessoas envolvidas com a educação, principalmente o Orientador Educacional. 2 CAPÍTULO I A biologia do conhecimento e a educação atual 1.1 – Mudança de paradigma A ciência pós-moderna vem baseando-se na mudança do paradigma até então aceito como tradicional e reiniciado por Descartes no Séc. XVII. Digo reiniciado, pois alguns pensadores pré-socráticos chamados atomistas já pensavam dessa maneira. No mundo de Descartes, mente e corpo são duas entidades separadas, onde o corpo e suas medidas científicas de precisão estão a cargo das ciências, e a mente e seus pressupostos epistemológicos e ontológicos subjacentes a essas medidas, a cargo da filosofia, ou seja, sobre o que “como se conhece” e o “que se conhece”. Desde o mundo linear de Descartes sustentado por Isaac Newton e sua física clássica, o método de pesquisa consiste em dividir o todo em partes, como se fosse um relógio, para que se estudem as suas partes separadamente para o entendimento do todo. Essa visão fragmentada não se aplica aos sistemas complexos. Para facilitar o entendimento, a alegoria do caleidoscópio é muito útil. O que se percebe ao se olhar através do visor do caleidoscópio, certamente não é o que vai se encontrar ao abri-lo. Todas as partes agem em conjunto produzindo o resultado final e ainda pode-se somar a esse fato, a interação do observador e sua interferência no sistema, pois o observador ao rodar o caleidoscópio também vai alterar o que vai ser visto através das lentes. Após o princípio de incerteza de Heisenberg, a teoria da relatividade de Einstein, e os avanços da mecânica quântica, é imprescindível introduzir o papel do observador nos processos de conhecimento. ...“mudança de ciência objetiva para a ciência epistêmica. No velho paradigma, acreditava-se que as descrições científicas fossem objetivas, isto é, independentes do observador humano e do processo de conhecimento. No novo paradigma, acreditamos que a epistemologia – o entendimento do processo do conhecimento – tem de ser incluída explicitamente na descrição dos fenômenos naturais”. (CAPRA, F – 1983, p.245). 1.2 – Todas as relações sociais têm a base no amor. Uma vez ele sedimentado, dá espaço para a construção das mais diversas relações. Há em cada um de nós uma biologia do amor que pede para ser acionada, que deseja uma condição favorável para emergir e expressar-se. Render-se ou não se render à biologia do amor, pode ser um desafio importante para a condição humana.(MATURANA, 1977). Segundo Maturana (MATURANA, 1977), todo ato de conhecimento é uma construção de um sujeito observador que vê, explica, classifica e qualifica os fenômenos a partir de uma emoção constitutiva fundamental. Ele diz que existem duas emoções pré-verbais. A rejeição e o amor. Enquanto a rejeição opera uma cognição pautada pela separação, pela negação e pela exclusão do outro em relação ao observador, o amor constitui o espaço de condutas que aceita o outro, como um legítimo outro na convivência. Ao se pensar a respeito do critério que se utiliza para dizer se alguém tem conhecimento, na verdade buscamos uma ação efetiva no domínio no qual se espera uma resposta, ou seja, duas observações do mesmo sujeito, sob as mesmas condições – mas feitas com perguntas diferentes –, podem atribuir diferentes valores cognitivos ao que é visto como o comportamento desse sujeito. 12 Uma história da vida real ilustra claramente esse ponto. Certa ocasião, num exame, foi proposto a um jovem estudante o seguinte: “Calcule a altura da torre da universidade com a ajuda deste altímetro”. O aluno então foi ao alto da torre e com o altímetro amarrado na ponta de uma corda, baixou-o até tocar ao solo. Mediu o comprimento da corda, sendo este então o tamanho final da altura da torre. O professor disse que ele estava errado. Novo pedido foi feito ao aluno, nova oportunidade para proceder ao exame, e outra vez, o mesmo problema... O estudante utilizou vários outros procedimentos diferentes para calcular a altura da torre com o altímetro, mas sem usá-lo como altímetro. É evidente que, dentro de um certo contexto de observação, o aluno revelou mais conhecimento do que lhe era pedido. Mas no contexto da pergunta do professor seu conhecimento era inadequado. Note-se que a avaliação de se há ou não conhecimento ocorre sempre num contexto relacional, onde as mudanças estruturais que as perturbações desencadeiam num organismo aparecem para o observador como um efeito sobre o ambiente. É em relação a esse efeito esperado por ele que o observador avalia as mudanças estruturais que são desencadeadas no organismo. Portanto, toda interação de um organismo, toda conduta observada, pode ser avaliada por um observador como um ato cognitivo. Da mesma forma, o fato de viver – de conservar ininterruptamente o acoplamento estrutural como ser vivo – corresponde a conhecer no âmbito do existir. Viver é conhecer (viver é ação efetiva no existir como ser vivo). 1.3 – Segundo Maturana, o comportamento lingüístico é um comportamento num domínio consensual. Quando o comportamento lingüístico acontece recursivamente num domínio consensual, de tal forma que os componentes do comportamento consensual são recursivamente combinados na geração de novos componentes do domínio consensual, uma língua é estabelecida. 13 Domínio consensual é definido pelo Maturana, como o resultado do acoplamento estrutural ontogênico recíproco entre organismos estruturalmente plásticos. Um sistema determinado estruturalmente, em decorrência de suas interações, passa por mudanças de estado que envolvem mudanças estruturais em seus componentes (e não somente em suas relações), então esse sistema tem uma estrutura plástica. Ao produto das interações continuadas de um sistema estruturalmente plástico num meio com estrutura redundante ou recorrente, e a seleção contínua no sistema de sua estrutura que determina nele um domínio de estados e um domínio de perturbações que lhe permite operar recorrentemente sem desintegração, chama-se acoplamento estrutural. Todo ser vivo são entidades autônomas, apesar de dependerem de um meio para sua existência concreta e intercâmbio material. Esse sistema complexo e autônomo que é o ser vivo é chamado de sistema autopoiético, pois é organizado e se autoproduz. Esse sistema autopoiético é um sistema fechado, e esse fechamento autopoiético é realizado através de uma mudança estrutural contínua sob condições de contínuo intercâmbio de material com o meio. Um sistema vivo estruturalmente plástico ou opera como um sistema homeostático determinado estruturalmente, que mantém invariante sua organização sob contínua mudança estrutural, ou ele se desintegra. A linguagem, como fenômeno biológico, consiste num fluir de interações recorrentes que constituem um sistema de coordenações consensuais de conduta de coordenações de coordenações consensuais de conduta (MATURANA, 1978, 1988). Daí que a linguagem, como processo, não tem lugar no corpo de seus participantes e sim no espaço de coordenações consensuais de conduta que constitui no fluir nos seus encontros corporais recorrentes. Portanto, são palavras os gestos, sons, e outras condutas ou posturas corporais que participam, como elementos consensuais, no fluir recursivo das coordenações consensuais de conduta que constituem a linguagem. 14 As palavras constituem operações no domínio de existência, como seres vivos, dos que participam na linguagem, de forma que o fluir de suas mudanças corporais, posturas e emoções tem a ver com o conteúdo de seu linguajar. O que fazemos em nosso linguajar tem conseqüências em nossa dinâmica corporal, e o que acontece em nossa dinâmica corporal tem conseqüências em nosso linguajar. Como se processa o conhecimento tem sempre sido uma matéria que instiga todos os seres humanos. Desde o Renascimento o conhecimento tem sido visto como uma representação fiel de uma realidade independente do conhecedor. Todas as produções artísticas e os saberes não eram considerados construções da mente humana. A idéia que o mundo é pré-dado em relação à experiência humana é hoje predominante – e isso se deve mais por motivos filosóficos, políticos e econômicos do que como resultado das descobertas científicas de laboratório. Segundo essa teoria do representacionismo, nosso cérebro recebe passivamente as informações vindas de fora e o conhecimento seria o resultado do processamento dessas informações. Seria uma analogia de como funciona um computador onde se tem as entradas, processamento e saídas. Fica claro então que a subjetividade fica preterida em relação à objetividade. Os cientistas achavam que a subjetividade poderia comprometer os resultados e a exatidão científica. A mente então seria como um espelho da natureza. O mundo teria as informações e nós teríamos que extraí-las por meio da cognição. Como conseqüência dessa maneira de pensar que o mundo é um objeto para ser explorado pelo homem em busca de benefícios, vemos hoje a degradação do nosso meio ambiente e o esgotamento dos recursos naturais. Essa idéia de extrair recursos do mundo se estendeu até às pessoas, que quando não atendem mais às suas necessidades são descartadas tais quais um objeto. Essa exclusão social atingiu proporções espantosas principalmente na América Latina e no continente africano. 15 Essa visão de que somos separados do mundo, e conseqüentemente das outras pessoas, tem desencadeado distorções no comportamento, tanto em relação ao ambiente quanto à alteridade. O representacionismo é um dos fundamentos da cultura patriarcal sob a qual vive hoje boa parte do mundo. A fragmentação, fundamento básico do representacionismo, traduz a separação sujeito-objeto e pretende que continuemos convencidos de que somos separados do mundo e que ele existe independente de nossa experiência. Na visão atual Maturanística, vivemos no mundo e por isso fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos e, portanto compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que vivemos durante as nossas vidas. Por sua vez, ele também nos constrói ao logo dessa viagem comum. Assim, se vivemos e nos comportamos de um modo que torna insatisfatória a nossa qualidade de vida, a responsabilidade cabe a nós. O conhecimento não se limita ao processamento de informações vindas de um mundo anterior à experiência do observador, o qual ele se apropria para fragmentá-lo e explorá-lo. Para esse mesmo autor, os seres vivos são autônomos, isto é, autoprodutores, capazes de produzir seus próprios componentes – através da autopoiese – ao interagir com o meio: vivem no conhecimento e conhecem no viver. Essa autonomia dos seres vivos é claramente oposta à visão do representacionismo. Por serem autônomos, não recebem passivamente informações vindas do mundo exterior. Não funcionam somente seguindo instruções externas. Conclui-se que se os considerarmos isolados eles são autônomos, mas se os virmos em seu relacionamento com o meio, torna-se claro que dependem de recursos externos para viver. Desse modo, autonomia e dependência deixam de ser opostos e se complementam uma a outra. Uma constrói a outra e por ela é construída, numa dinâmica circular. Para bem ilustrar 16 essa questão observemos a fotografia de M.C. Escher entender que as duas mãos complementam uma a outra, e não teria sentido pensar em uma só como mais importante que a outra. Para que o ser humano se veja também parte do mundo natural, é preciso que ele se observe a si mesmo enquanto observa o mundo. Esse passo é fundamental, pois permite compreender que entre o observador e o observado – entre o ser humano e o mundo – não há hierarquia nem separação, mas sim cooperatividade na circularidade. Talvez o maior problema epistemológico de nossa cultura seja a dificuldade que temos de lidar com tudo aquilo que é subjetivo e qualitativo, estamos mais acostumados com o antigo paradigma do objetivo e quantitativo. Não devemos simplesmente descartá-los e substituí-los, mas sim manter com eles uma relação complementar. Estamos condicionados ao conforto da passividade de receber informações de um mundo já pronto e acabado, tal como um produto recém saído de uma linha de montagem e oferecido ao consumo, por isso não é fácil aceitar o ponto de vista da idéia de que o mundo é construído por nós, num processo incessante e interativo de participação ativa na sua construção. Em suma, a vida é um processo de conhecimento, os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. Ainda sobre a subjetividade e objetividade, Maturana nos diz que o fenômeno do conhecer é um fenômeno biológico e que os seres humanos são conhecedores ou observadores no observar, e ao ser o que somos, o somos na linguagem. Ou seja, os seres humanos são humanos na linguagem, e ao sê-lo, somos fazendo reflexões sobre o que nos acontece. E reafirma que se não estamos na linguagem não há reflexão. 3 conhecimento de Humberto Maturana e Francisco J. Varela – Editora Palas Athena – 2007 p.29. 17 ...“o fato de nos encontrarmos na linguagem é também algo que simplesmente ocorre conosco. Quando refletimos sobre a linguagem, já estamos nela. Nestas circunstâncias, existem duas atitudes possíveis diante do conhecer: ou aceitamos nossa capacidade de conhecer como uma condição dada, ou nos perguntamos como é que conhecemos. Agora, quando alguém se pergunta como algo ocorre, o que ela quer escutar é uma resposta explicativa que, como tal, deve separar a explicação da experiência a ser explicada, na proposição de um processo que, como resultado de seu operar, dá origem ao que se quer explicar”.(MATURANA, 2005, p.38). Nenhuma proposição explicativa é uma explicação em si. É a aceitação do observador que constitui a explicação, e o que acontece com o observador, em geral, é que ele aceita ou rejeita uma explicação de maneira inconsciente. A respeito da pergunta sobre o observador e sua capacidade de conhecer, que são dois caminhos de reflexão ou dois caminhos de relações humanas, se não nos fazemos a pergunta pela origem das capacidades do observador, nos comportamos, na verdade, como se tivéssemos a capacidade de fazer referência a entes independentes de nós, a verdades cuja validade é independente de nós, porque não dependem do que fazemos, e a este caminho explicativo que afirma que nossas capacidades cognitivas são constitutivas de nosso ser, o Maturana chama de o caminho da objetividade-sem-parênteses. No caminho da objetividade-sem-parênteses agimos como se o que dizemos fosse válido em função de sua referência a algo que é independente de nós. Por isso dizemos: “O que estamos dizendo é válido porque é objetivo, não porque somos nós que dissemos, mas por que é objetivo, é a realidade, são os 18 dados, são as medições. Operamos neste caminho explicativo, aceitando que exista uma realidade transcendente que valida nosso conhecer e nosso explicar, e que a universalidade do conhecimento se funda em tal objetividade”. O outro caminho explicativo é o da objetividade-entre-parênteses, que ao aceitar a pergunta pela origem de nossa capacidade de observar, a biologia adquire presença. Ao perguntarmos pela origem das capacidades cognitivas do observador sabemos que estas se alteram ou desaparecem ao alterar-se nossa biologia, e que não podemos mais desprezar o fato de que não conseguimos distinguir na experiência entre o que é ilusão e percepção. E que também ao aceitarmos uma proposição explicativa ou uma reformulação da experiência e a aceitarmos como explicação, não é uma referência a algo independente de nós, mas uma reformulação da experiência com elementos da experiência que satisfaça algum critério de coerência que nós mesmos propomos explícita ou implicitamente. Ou seja, usamos um critério de aceitação que temos em nosso escutar, e, portanto, que a validade das explicações que aceitamos se configura em nossa aceitação e não independente dela. Na nossa vida cotidiana, nós nos movemos nos dois caminhos explicativos mencionados. Ao nos reunirmos com nossos amigos, operamos na objetividade-entre-parênteses, porque nesses casos, não importa o que os outros digam ou pensem, pois nós os aceitamos, sem dúvida alguma. Nesse caminho, não há verdade absoluta nem verdade relativa, pois há muitas verdades diferentes em muitos domínios distintos. Por isso, nesse caminho, o fato de uma pessoa gostar de Física e a outra gostar de Biologia, ou de ser cristã, e a outra muçulmana, não cria uma dinâmica de negação na convivência, porque não importa que um não seja como o outro. 1.4– 19 Baseado nos pressupostos do novo paradigma da ciência e no entendimento do ato do conhecimento como construção de um sujeito observador, deve-se pautar o trabalho do orientador educacional numa visão mais humanística, atendendo ao aluno de uma forma mais global, integral. Entendendo que o seu contexto social, sua família, suas condições financeiras fazem todos parte da bagagem trazida por esse aluno, seu conhecimento do mundo, ou parafraseando Paulo Freire, sua leitura de mundo, a importância da Orientação se da pelo viés de termos na escola um profissional de Educação, um especialista capaz de ajudar o aluno na sua formação o melhor possível, que não se esgota apenas no racional, mas que engloba o sensível e o emocional. “Nós seres humanos modernos do mundo ocidental, vivemos numa cultura que desvaloriza as emoções em favor da razão e da racionalidade. Em conseqüência, tornamo-nos culturalmente limitados para os fundamentos biológicos da condição humana. Valorizar a razão e a racionalidade como expressões básicas da existência humana é positivo, mas desvalorizar as emoções – que também são expressões fundamentais dessa mesma existência – não o é. As emoções são disposições corporais (estruturais) dinâmicas que especificam, a cada instante, o domínio de ações em que um animal opera nesse instante. Isso se manifesta pelo fato de que, na vida cotidiana, distinguimos diferentes emoções nos seres humanos e em outros animais diferenciando os diversos domínios de ações (domínios comportamentais) em que eles se movem”. (MATURANA, 2006, p. 221) 20 CAPITULO II A biologia do amor e o trabalho do Orientador Educacional 2.1– Estamos imersos numa sociedade cultural patriarcal européia. Já existiu outro tipo de cultura, a matrística, a julgar pelos restos arqueológicos encontrados na área do Danúbio, nos Bálcãs e no Egeu, mais especificamente na ilha de Creta. Essas duas culturas são totalmente distintas, as suas redes de conversação realizam duas configurações de coordenações de coordenações de ações e emoções distintas, que abrangem todas as dimensões desse viver. A cultura patriarcal – constitui uma rede fechada de conversações. Ela se caracteriza pelas coordenações de ações e emoções que fazem da vida cotidiana um modo de coexistência que valoriza a guerra, a competição, a luta, as hierarquias, a autoridade, o poder, a procriação, o crescimento, a apropriação de recursos e a justificação racional do controle e da dominação dos outros por meio da apropriação da verdade. Já a cultura matrística, foi definida por uma rede de conversações completamente diferente da patriarcal. Valores como participação ao invés de competição; não aparece uma oposição entre homens e mulheres nem subordinação de uns aos outros; o viver matrístico de homens, mulheres e crianças surge, ao longo de toda a vida, como um processo natural; relações interpessoais surgem baseadas principalmente no acordo, cooperação e co-inspiração; o místico surge como participação consciente na realização e conservação da harmonia de toda a existência, no ciclo contínuo e coerente da vida e da morte; valorização da cooperação e do companheirismo como modos naturais de convivência; onde se respeita a procriação e se aceitam ações de 21 controle da natalidade e de regulação do crescimento populacional; a sexualidade das mulheres e dos homens surge como um ato associado à sensualidade e à ternura; a fertilidade surge como a abundância harmoniosa de todas as coisas vivas, numa rede coerente de processos cíclicos de nascimento e morte. Segundo Maturana, nossa forma de vida patriarcal européia surgiu do encontro das culturas patriarcal pastoril e matrística pré-patriarcal européia como resultado de um processo de dominação patriarcal diretamente orientado para a completa destruição de todo o matrístico. Um exemplo claro disso, é a história da invasão da Palestina, fundamentalmente matrística, pelos hebreus patriarcais, tal como está relatado na Bíblia. O Maturana nos diz que entre os povos paleolíticos – fundamentalmente matrísticos – que viviam na Europa há mais de vinte mil anos, houve alguns que se tornaram sedentários, coletores e agricultores. Alguns outros povos rumaram para o leste até à Ásia, atrás das migrações anuais de manadas de animais silvestres. Alguns restos arqueológicos há mais ou menos sete e cinco mil anos antes de Cristo, encontrados nas áreas do Danúbio, nos Bálcãs e no Egeu, mostram traços da cultura matrística pré-patriarcal européia que vivia em conversações totalmente diferentes das conversações patriarcais que constituem nossa cultura de hoje. Eles eram agricultores e coletores. Mulheres e homens vestiam de forma muito similar, nas vestes que vemos nas pinturas murais minóicas da ilha de Creta. Conviviam em harmonia com a natureza. Nessa cultura, a vida humana só pode ter sido vivida como parte de uma rede de processos cuja harmonia não dependia exclusivamente de nenhum processo particular. Assim o pensamento humano talvez tenha sido naturalmente sistêmico, em harmonia com um mundo que era o que era em suas conexões com tudo mais. Esses povos ainda viviam uma vida de responsabilidade total, consciente das conseqüências das próprias ações e agindo aceitando-as. Isso é conseqüência de se reconhecer parte intrínseca do mundo em que vive. 22 Essa cultura pré-patriarcal foi destruída pelos povos pastores patriarcais indo-europeus vindos do leste, há cerca de seis mil anos. O patriarcado foi trazido à Europa por esses povos invasores, cujos ancestrais haviam se tornado patriarcais. Por ser a cultura uma rede fechada de conversações conservadas como modo de viver num sistema de comunidades humanas é necessário olhar para as circunstâncias que podem ter originado uma mudança na rede de conversações que constitui a cultura em alteração. E para que haja essa mudança de cultura, deve mudar o emocionar fundamental que constitui o domínio de ações da rede de conversações que forma a cultura em transição. Sem modificação no emocionar não há mudança cultural. “Em outras palavras, acredito que para compreender como uma cultura específica pode ter se modificado, na história humana, devemos reconstruir o conjunto de circunstâncias sob as quais a nova cultura pode ter começado a conservar-se de maneira transgeracional, como o fundamento de uma nova rede de conversações, numa comunidade humana específica que originalmente não a vivia. Tal comunidade pode ter sido tão pequena como uma família, e o novo emocionar não deve ter sido nada de especial como emocionar ocasional”. (MATURANA, 2006. P. 50). Para se entender melhor a origem do patriarcalismo, temos que analisar as comunidades humanas que seguiam os seus animais em suas migrações. Elas ainda não eram pastores, pois não eram proprietários desses rebanhos. Todos conviviam com essas comunidades em harmonia, até os lobos que também se alimentavam de carne dos seus rebanhos. . Eram todos comensais. Essa criação de animais domésticos no lar implica uma maneira de viver 23 diferente do pastoreio, pois é a atenção e o cuidado nas cercanias do lar, e não a apropriação, o emocionar que o define. A cultura do pastoreio surge quando os membros de uma comunidade que vive seguindo as manadas de animais migratórios começa a restringir o acesso a ele de outros animais migratórios como os lobos. Com essa alteração no emocionar e modificação cultural, o homem apreende a operação inconsciente que constitui a apropriação, isto é um limite operacional que negou aos lobos o acesso a seu alimento natural, agindo assim de modo sistemático. A caça que antes era um ato sagrado, de alimentação, torna-se um ato de violência, pois agora uma vida é suprimida para conservar uma propriedade. Conseqüentemente com a origem do pastoreio surgiu o inimigo. Em tal processo, esse hábito se transformou numa característica conservada de modo transgeracional como forma de vida cotidiana dessa família. A segurança em relação à disponibilidade dos meios de vida começou a ser uma preocupação, amainada pelo crescimento da manada ou do rebanho sob o cuidado do pastor. “com a valorização da procriação, a família pastoril se transformou numa família patriarcal e o homem pastor converteu-se em patriarca. Mas essa transformação da maneira de viver na qual uma família nômade, comensal de alguma manada migratória de animais silvestres passou a ser pastora, teve uma conseqüência fundamental: a explosão demográfica , animal e humana”. (MATURANA, H – 2006 – p.61). “Sustento que nossa forma de vida patriarcal européia surgiu do encontro das culturas pastoril e matrística pré-patriarcal européia como resultado de 24 um processo de dominação patriarcal diretamente orientado para a completa destruição de todo o matrístico, mediante ações que só poderiam ter sido moderadas pela biologia do amor. Com efeito, se quisermos imaginar como isso pode ter ocorrido, tudo o que temos a fazer é ler a história da invasão da Palestina – fundamentalmente matrística – pelos hebreus patriarcais, tal como está na Bíblia”. (MATURANA, H – 2006 – p.77). Ainda segundo esse autor, a democracia é a tentativa de resgatarmos esses valores matrísticos abandonados pelo homem na sua sede de poder. Democracia é uma produção de nosso emocionar e se baseia no auto-respeito, respeito mútuo e dignidade. Na educação escolar, Maturana propõe a aplicação da amor como seres válidos no presente, corrigindo apenas o seu fazer e não o seu ser. Pois, o respeito pelo outro ou a conduta amorosa para com ele só ocorre se for visto e aceito. E, para que isso seja possível, propõe que o professor tenha capacitação suficientemente ampla para tratar a temática que ensina, e atue com o prazer que essa liberdade criativa traz consigo. Ainda, a implementação no ensino da biologia do amor exige que se dê maior atenção à formação humana dos professores. Por essa razão é necessário maior comprometimento do Estado na conservação da dignidade dos professores, ofertando condições para que guardem o respeito por si mesmos e sua autonomia criativa. ...“o que nos faz seres humanos é nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na linguagem. E nessa maneira particular de coexistência que nos faz humanos, o amor é o fenômeno biológico que nos permite escapar da alienação anti-social criada por nós através das 25 nossas racionalizações. É através da razão que justificamos a tirania, a destruição da natureza ou o abuso sobre outros seres humanos na defesa de nossas propriedades materiais ou ideológicas. Justificamos a tirania afirmando que outros seres humanos deveriam obedecer nossos caprichos sobre a verdade ou a realidade, porque possuímos um acesso privilegiado a elas. A aceitação do outro sem exigências é o inimigo da tirania e do abuso, porque abre um espaço para a cooperação. O amor é o inimigo da apropriação”. (MATURANA, 2002, p.186). 2.2 – Construímos uma cultura, como seres humanos da história da família dos primatas bípedes, quando o nosso linguajear – como maneira de conviver em coordenações de coordenações comportamentais consensuais – deixou de ser ocasional e conservou-se geração após geração num grupo humano, e tornouse parte central da maneira de viver que definiu nossa linhagem. Esse linguajear apareceu necessariamente entrelaçado com o emocionar. Constitui-se então de fato o viver na linguagem, a convivência em coordenações de coordenações de ações e emoções que se chama conversar (Maturana, 1988). O humano surgiu quando começaram a viver no conversar como uma maneira cotidiana de vida que se conservou, geração após geração, pela aprendizagem dos filhos. O que nos faz humanos é nossa existência no conversar. Na nossa sociedade patriarcal, herança da vida patriarcal européia, existe uma oposição entre uma infância matrística e a vida adulta patriarcal. Existe uma nostalgia inconsciente da dignidade inocente e direta de nossa infância. Esse sentimento é uma disposição operacional que toma a forma de um desejo recorrente e inconsciente de viver na coexistência fácil que surge do respeito 26 mútuo, sem a luta nem o esforço contínuos pela dominação do outro que são próprios da cultura patriarcal. Ele é um aspecto remanescente de nosso emocionar infantil matrístico. A relação materno-infantil é um fenômeno biológico humano que envolve a mãe não como mulher, mas como um adulto numa relação de cuidado. Portanto, tanto a mulher como o homem, estão em igualdade de condições, biologicamente dotados para exercerem essa função. A maternidade é uma relação de cuidado, não uma tarefa associada ao sexo. Ainda Segundo Maturana, a sexualidade humana é um aspecto do viver relacional, corporal e espiritual, que surge a partir da biologia como um elemento fundamental na harmonia amorosa da convivência no co-emocionar. A reprodução é um fenômeno ocasional que pode ser evitado. Logo, a sexualidade humana tem como conseqüências laços de intimidade sensual, prazer na convivência, ternura, cuidado com o outro. Também uma coexistência amorosa e estética, num modo de conviver no qual o cuidado com as crianças pode surgir como um prazer sensual e espiritual, quando se leva a vida como uma escolha e não como um dever. A relação materno-infantil dever ser baseada no brincar, numa intimidade corporal baseada na total confiança e aceitação mútuas, e não no controle e exigência. Tudo isso se resume a o que Maturana denomina de vida matrística da infância. Nós seres humanos somos entes biológicos que existem num espaço biológico cultural, e em termos sexuais, somos classes diferentes de animais. Contudo esta diferença não nos distingue culturalmente como homens e mulheres, já que como entidades biológicas e culturais somos seres humanos iguais. Isto é, somos igualmente capazes de tudo o que é humano. As diferenças de gênero são somente formas culturais específicas de vida, redes específicas de conversações. Na história da nossa humanidade, a colaboração foi a conversação que fez com que nós nos conservássemos como somos. Compartilhávamos alimentos, ternura e sensualidade, e tudo isso ocorreu sem 27 reflexões, como aspectos naturais desse modo de vida. A colaboração não é obediência; ela ocorre naturalmente na realização espontânea de comportamentos coerentes de dois ou mais seres vivos. As relações materno-infantis devem ser uma atividade independente do gênero. A mulher não precisa ter filhos para ser mulher, e um homem não necessita participar na procriação de uma criança para ser um homem. A maternidade seja ela feminina ou masculina é um fenômeno cultural, que pode ou não ser vivido em coerência com seus fundamentos biológicos. Logo, como um fenômeno cultural, está aberta à escolha. Podemos ou não vivê-la segundo nossa opção, e ser culturalmente responsáveis a seu respeito. Nós seres humanos, existimos num domínio relacional que constitui nosso espaço psíquico como o âmbito operacional no qual todo o nosso viver biológico, toda a nossa fisiologia, fazem sentido como forma de viver humano. (MATURANA, 2006). O patriarcado é um modo de viver um espaço psíquico. Se quisermos recuperar a igualdade colaborativa da relação homem-mulher da vida matrística, temos de gerar um espaço psíquico neomatrístico. Nele as pessoas de ambos os sexos surgem na qualidade de colaboradores iguais no viver, sem esforço, como resultado do seu crescimento como crianças em tal espaço, no qual as diferenças de sexo são apenas o que são. Para isso devemos viver à maneira de homens e mulheres que vivem como colaboradores iguais, por meio de uma co-participação da criação de uma convivência mutuamente acolhedora e libertadora, que se prolonga desde a infância até a vida adulta. O trabalho do Orientador Educacional deve ser baseado nesses fundamentos básicos do relacionamento entre os seres humanos, sendo o mais importante, o amor. Como um mediador entre a escola e a comunidade, o Orientador tem que estar atento às formas peculiares que cada família apresenta, tentando intervir de forma que seu relacionamento seja baseado em respeito mútuo. O Maturana junto com a Doutora Gerda Verden –Zöller enfatizam a necessidade do brincar 28 entre os pais e as crianças. O orientador pode utilizar o espaço escolar e articular meios de maior interação entre pais e alunos. 29 CAPÍTULO III As diversas linguagens do Orientador Educacional 3.1 – Os valores são o conjunto de qualidades que nos distinguem como seres humanos, independentemente de raça, credo, ou condição social. São inerentes ao ser humano e dignificam e ampliam a capacidade de percepção do ser consciente, que tem no pensamento e nos sentimentos sua manifestação palpável e aferível. São valores que o homem considera importantes: a verdade, a retidão, a paz, o amor e a não violência, que une as pessoas e a libertam do egoísmo e individualismo, dissolvendo preconceitos e diferenças. Se ensina na escola o necessário para que as crianças e adolescentes cheguem ao mercado de trabalho capazes de realizar alguma função, mas não se ensinam valores como amor ao próximo, solidariedade, respeito à diversidade, cooperação, lealdade e ética. A educação fragmentada que não vê o aluno como um ser integral, com múltiplas habilidades tanto intelectuais quando emocionais, propicia um ser desestruturado, sem limites, sem responsabilidade e sem projeto de vida. Os meios de comunicação de massa só pioram a situação com excesso de informações, onde a crianças têm acesso a tudo quanto é tipo de informação sem nenhum apoio pedagógico. O educador (seja ele o professor, orientador ou um membro da família) precisa ajudá-los a organizar essas informações e 30 fornece-lhes ferramentas cognitivas para torná-las proveitosas e não prejudiciais. Muitos pais jogam para a escola a responsabilidade de educar seus filhos. Segundo Savater, uma das causas para essa renúncia da família das suas funções educacionais é o fanatismo pelo juvenil. Parecer velho e ser um velho que assume o tempo que passou, é algo quase obsceno, que condena à solidão e ao abandono. Nessa perspectiva, considerando que a aceitação e o amor são indispensáveis para o desenvolvimento do ser humano responsável e livre, espera-se dos educadores que, ao imprimirem à convivência familiar um ambiente amoroso e não competitivo, corrijam o fazer e não o ser das crianças, estimulando suas capacidades reflexivas e de ação, tornando-as capazes de ver e corrigir seus erros; de cooperar e possuir um comportamento ético; “e capaz de não serem arrastados para as drogas e o crime, porque não dependerão da opinião dos outros não buscando a sua identidade em coisas fora de si” (MATURANA, 2000, p. 12). Quanto à construção da personalidade moral Piaget não acredita que os comportamentos morais sejam redutíveis a simples hábitos. Suas pesquisas o convenceram de que os valores e as regras passam pela consciência e de que é justamente a qualidade da assimilação racional destes que determina morais diferentes: a moral é heterônoma se as regras são meramente legitimadas em função do prestígio de quem as impõe e entendidas ao pé da letra, e a moral é autônoma quando essas regras são claramente compreendidas no seu espírito e legitimadas em razão dos contratos feitos entre pessoas que se concebem como livres e iguais. Do ponto de vista educacional, Piaget ainda nos aconselha a promover relações de cooperação entre as crianças, relações que promovem a descentração ( capacidade de se colocar no ponto de vista de outras pessoas para melhor compreendê-las e, reciprocamente, melhor compreender o próprio 31 ponto de vista – maior apropriação racional) por serem baseadas no diálogo e no acordo. Ao tratarmos de educação moral, devemos falar do termo da autonomia da consciência moral, já que a consciência autônoma é compreendida como condição constitutiva da personalidade moral humana e imprescindível ao considerar os fatos e as decisões humanas como morais. Ao nos referirmos à consciência moral autônoma, supomos a existência de uma construção psicossocial denominada consciência, que é saber que se sabe. Adquire-se a capacidade de atribuir valor, pensar e decidir por si mesmo sobre os próprios valores, pensamentos e decisões. A consciência se faz juiz do sujeito que a possui (PUIG, 1998, p.79). “Com a consciência aparece um regulador que orienta e controla boa parte daquilo que a tornou possível. De tudo isso podemos concluir que a consciência é um regulador de nível superior necessário para seres complexos em meios complexos. Todo sistema é uma unidade constituída de um conjunto de elementos e suas interações, não pode ser entendida pela simples soma de seus componentes. Portanto interpretamos a consciência como uma nova faculdade ou qualidade, que não é redutível, aos elementos cerebrais e sociais, ainda que surja deles”. (PUIG, J – 1998, p. 89). 3.2 - A função primordial da educação deveria ser formar para a vida. Estudos apontam que esta tentativa tem sido frustrante. Apesar da escola oferecer 32 currículo próximo à realidade do aluno, ainda tem o desafio de conciliar interesses diferentes dos alunos e tornar-se atrativa, exigindo muita criatividade do professor. O biólogo Maturana, ao lançar sua proposta reflexiva e de ação em torno da tarefa educativa, assegura que humanos para o presente, para qualquer presente, seres nos quais qualquer ser humano possa confiar e respeitar, seres capazes de pensar o todo e de fazer tudo o que é preciso como um ato responsável a partir de sua consciência social” (MATURANA, 2000, p. 10). A tarefa da educação escolar, como um espaço de convivência, consiste em permitir e facilitar o crescimento das crianças como seres humanos que respeitam a si e os outros com consciência social e ecológica, de modo que possam atuar com responsabilidade e liberdade na comunidade a que pertencem. E a responsabilidade e a liberdade, segundo Maturana, só são possíveis a partir do respeito por si, que permite escolher voluntariamente e “não movido por pressões externas” (MATURANA, 2000, p. 13). O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência (Maturana, 2005, p. 29). O educador Paulo Freire (1996, p. 22) transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção, induz-nos a conclusão de que se nos colocamos na posição de objeto, somos meros pacientes que recebem os conhecimentos e conteúdos acumulados pelo sujeito que sabe e que são a nós transferidos. O autor ainda demonstra sua perseverança nos seres humanos e na educação autêntica como o caminho necessário para a justiça e a paz. Paulo Freire (1996, p.77) elenca capacidades mínimas necessárias à prática educativa de qualidade. Dentre elas, refere que o educador democrático deve reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade e insubmissão; 33 deve investir em sua formação permanente, assumindo-se como pesquisador; deve respeitar os saberes dos educandos; agir com ética e corporificar as palavras pelo exemplo; rejeitar qualquer forma de discriminação; arriscar; aceitar o novo; e, sobretudo, estar convicto de que a mudança é possível. 3.3 - O modelo de educação proposto pelo nosso professor Paulo Freire, se diferencia muito do modelo tradicional, pois abomina dentre outras coisas a dependência dominadora, que inclui entre outras coisas, a relação de dominação do educador sobre o educando. Na prática da ação libertadora existe uma relação horizontal entre educador e educando, exigindo nessa troca a transformação da realidade conhecida. Neste sentido, quanto mais se articula o conhecimento frente ao mundo, mais os educandos se sentirão desafiados a buscar respostas, e conseqüentemente quanto mais incitados, mais serão levados a um estado de consciência crítica e transformadora frente à realidade. Esta relação dialética é cada vez mais incorporada na medida em que, educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo. E é ainda o jogo dessas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiando e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando e decidindo que o homem deve participar destas épocas. (FREIRE, 1983). 34 É preciso que fique claro que, por isso mesmo que estamos defendendo a práxis, a teoria do fazer, não estamos propondo nenhuma dicotomia de que resultasse que este fazer se dividisse em uma etapa de reflexão e outra, distante, de ação. Ação e reflexão e ação se dão simultaneamente (FREIRE, 1983, p.149). Historicamente, a escola vem relatando e defendendo que seu papel é o de formar os indivíduos para a sociedade. Essa mesma sociedade da forma como está estruturada não comporta os homens e mulheres com saberes e entendimento da vida que na escola aprendem. O problema está fundamentado num sistema econômico ideológico que ironicamente a própria escola contribui para propagar. Seu projeto pedagógico não tem uma análise social do homem na sociedade em que vive, mas sim a ação humana sobre a sociedade produtiva. “A educação brasileira limitou-se, ao longo de sua história, a atender aos interesses das elites, visando formar, entre elas, os dirigentes, e tendo-se voltado para o povo apenas nos limites da formação de mão-de-obra e de inculcação ideológica para direcionar a escolha dos governantes”. (Saviani, 1997:56). Ainda sobre a dominação das elites, o sociólogo francês, Pierre Bourdieu, nos diz, que “De um modo geral, os valores e significados arbitrários, capazes de se impor como cultura legítima, seriam aqueles sustentados pelas classes dominantes. Portanto, para o autor, a cultura escolar, socialmente legitimada, 35 seria a cultura imposta como legítima pelas classes dominantes”. (Revista Educação – Bourdieu pensa a educação – 2008). Por isso devemos estar atentos principalmente à formação dos nossos educadores, pois eles serão os responsáveis por uma transformação nessa maneira de se praticar a verdadeira educação. Uma educação justa e solidária, voltada para todos. 36 CONCLUSÃO Nós seres humanos, temos em comum uma tradição biológica que começou com a origem da vida e se prolonga até hoje, nas variadas histórias dos seres humanos. Devido a essa herança biológica comum temos também o fundamento de um mundo comum. De nossas heranças lingüísticas diferentes, surgiram os diferentes mundos culturais, que como homens podemos viver, e dentro dos limites biológicos, podem ser tão diversos quanto se queira. A unicidade do ser humano está num acoplamento estrutural social em que a linguagem tem duplo papel. Por um lado, gerar as regularidades próprias do acoplamento estrutural social humano, ou seja, o fenômeno das identidades pessoais. E de outro lado, constituir a dinâmica recursiva do acoplamento estrutural social, que produz a reflexividade que conduz ao ato de ver sob uma perspectiva mais ampla. Trata-se de ver que como seres humanos só temos o mundo que criamos com os outros. A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica em uma experiência nova, nos leva a ver o outro como igual, um ato que chamamos de amor, ou seja, a aceitação do outro junto a nós. Sem essa premissa, não há socialização e nem humanidade. Temos de nos libertar de uma cegueira fundamental, de não percebermos que só temos o mundo que criamos com os outros, e que só o amor nos permite criar um mundo em comum com eles. Por isso é importante que como educadores tenhamos em mente essas premissas e tentemos colocá-las em prática na nossa atividade diária. É o compromisso que temos que ter com nossos alunos de não agirmos com preconceitos, nem julgamentos precipitados, tentando entender todo o contexto de vida deles e sua palavramundo, como nos diz Paulo Freire. Muito se fala em evasão escolar hoje em dia. O trabalho do Orientador Educacional pode ser de suma importância. Temos que transformar a escola que continua resistindo em ser tradicional. Hoje as crianças estão muito mais 37 expostas a objetos que atraem a sua atenção. São vídeos-game da mais alta tecnologia em terceira dimensão, são celulares com vídeo, onde se pode falar e ver imagens ao mesmo tempo, são i-pods, e-phones, etc. Será que tudo isso não é mais atrativo do que sentar-se num banco da escola? Temos que repensar a escola e transformá-la num grande vídeo-game de construção de conhecimento, utilizando as ricas ferramentas da tecnologia as TIC’s, (tecnologias da informação e comunicação), a Web 2.0, e muitas mais, para atrairmos a atenção dessa juventude e incluí-las nesse universo que chegou para ficar. Outro aspecto importante que não se deve deixar de refletir e agir como Orientador Educacional, é em relação à vocação das crianças. Muito pouco se tem feito para encaminharem as crianças no sentido de fazerem aquilo que realmente as tornam felizes. Somente quando tivermos todos fazendo aquilo que realmente gostam e estudaram para fazer, teremos profissionais responsáveis e capacitados para exercerem suas profissões voltadas para a satisfação dos desejos e necessidades de nossas comunidades. Já vem de milênios o desprezo pelo trabalho manual em comparação com o trabalho mental. Valorizase mais quem pensa e não quem faz. Essa mudança de paradigma se faz necessária para um mundo mais equilibrado e harmonioso. Todos têm o seu valor, tanto o que pensa e planeja como o que executa. Precisamos dos dois para que o projeto seja realizado. Não há melhor nem pior, ambos são necessários e ambos devem ser valorizados igualmente, e conseqüentemente bem pagos. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPRA FREIRE educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura. FREIRE Janeiro, Paz e Terra. GOSWAMI Aleph, 2006. MATURANA 2002. MATURANA Athena, 2007. MATURANA reimpressão. Editora UFMG, 2005. MATURANA Paulo. Palas Athenas, 2006. MATURANA Editora UFMG, 2006. MATURANA Capacitação. PUIG, Guimarães Barros e Rafael Camorlinja Alcarraz. São Paulo: Ed. Ática, 1998. SAVATER Martins Fontes, 1998. SAVIANI da educação nacional 1997, p. 66-72.
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