Licitação e contratos na administração pública: uma problemática da gestão, inclusive universitária Imprimir
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Escrito por Luiz Carlos dos Santos   
Qui, 11 de Agosto de 2011 00:00

O contrato administrativo é um instrumento jurídico-institucional, decorrente do regime republicano e, por ordem constitucional, somente pode ser celebrado quando precedido de licitação, salvo as hipóteses previstas em leis.

A licitação representa, segundo Motta e Fernandes (2001), um termômetro da Administração Pública, campo de aplicação do Direito Administrativo; quando bem formalizada, a licitação constitui-se uma estratégia de melhoria de gasto público, limitador da discrição administrativa, com a finalidade de concretizar os princípios expressos nos arts. 37 e 70 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), de 1988. Registre-se que o art. 37 da Carta Magna vigente foi pioneiro, ao submeter à Administração Pública - direta, indireta e fundacional aos clássicos princípios do Direito Administrativo: legalidade; impessoalidade; moralidade; e, publicidade.

A Emenda Constitucional veio, oportunamente, acrescentar o princípio da eficiência. Parafraseando Hely Lopes Meirelles (1996), o dever da eficiência impõe a todo agente público realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento às demandas da sociedade/comunidade. Depreende-se, pois, que a gestão contratual deve ser exercida em estreita consonância com os mandamentos constitucionais.

Independentemente das irregularidades praticadas nas licitações públicas, a Lei Federal nº 8.666, de 21/6/1993 - que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços (inclusive de publicidade), compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entende-se que foi um marco para o país. A supramencionada lei e diploma legais posteriores identificam seis modalidades, a saber: leilão; concurso; convite; tomada de preço; concorrência; e, pregão (presencial ou eletrônico).

De acordo com a mencionada lei, Felipe Boselli (2011), comenta que o critério de julgamento na escolha da proposta mais vantajosa para a Administração, as licitações são divididas em quatro tipos: menor preço; maior lance; melhor técnica; e, técnica e preço.

Em princípio, qualquer empresa pode participar de um certame licitatório, desde que cumpra determinações legais. Para a habilitação nas licitações, são exigidas dos interessados documentações relativas à: habilitação jurídica; qualificação técnica; qualificação econômico-financeira; e, regularidade fiscal.

Urge ressaltar que o julgamento das propostas deve ser objetivo e de acordo com os critérios previamente estabelecidos no edital, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle (internos e externos). Entretanto, a Lei Complementar nº 123/2006 privilegiou as microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP) na participação em licitações. Com essa legislação, essas empresas têm o direito ao desempate no caso de empate ficto (quando a proposta da ME ou EPP estiver acima do valor da proposta da empresa média ou grande, até o limite de 5% no pregão e 10% nas demais modalidades) e a possibilidade de regularizar sua situação fiscal após a sessão da licitação.

Infere-se que tal exceção pode ser enquadrada enquanto Política Pública de Ação Afirmativa, com o suporte do princípio da igualdade jurídica material ou substantiva - desigualar para igualar. Portanto, as cotas ou reservas de vagas - sob o julgo de sua constitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), não são aplicadas somente em questões de natureza étnico-racial ou social!

Além das regalias supramencionadas, existem outros benefícios que dependiam de regulamentação, os quais já foram efetivados pelos governos federal, estaduais e por algumas prefeituras, conforme assevera Felipe Boselli (2011), a exemplo de: possibilidade de licitação com a participação de apenas de MEs e EPPs; das licitações em que 25% do objeto é disputado apenas por MEs e EPPs; dos contratos em que há a obrigatoriedade de a empresa grande ou média subcontratar até 30% do objeto de MEs e EPPs; e, da possibilidade de emissão de título de crédito para pagamento da ME ou EPP, no caso de não pagamento pela Administração.

Retornando-se ao cerne do teor deste artigo, e considerando a matéria no sentido lato, licitar é a regra para atender ao princípio da democratização das oportunidades, dentre outros; todavia, a Lei nº 8.666/1993, quando da sua elaboração já incorporou como exceções duas situações - a dispensa licitatória, tendo como justificativa a emergência, nos termos consubstanciados na referida lei, e a inexigibilidade, quando, por exemplo, não houver competidor, ou nas questões de notório saber e singularidade, porém, reafirme-se, em estreita obediência aos ditames do mandamento legal citado. Ocorre, contudo, que o Brasil é um país cheio de cidadãos ‘espertos’. Irregularidades em processos licitatórios são detectadas em todas as esferas e poderes estatais, inclusive nas Instituições de Ensino Superior (IES), mantidas pelo tesouro (federal, estadual ou municipal). Para se ter uma idéia da extensão das práticas ilícitas, a Controladoria-Geral da União (CGU), na 30ª edição do seu Programa de Fiscalização por Sorteio, registrou problemas com licitações em 95% dos municípios fiscalizados. As irregularidades abrangem, entre outros: dispensa indevida da licitação; uso da mesma licitação para contratar diversas obras; montagem irregular dos processos licitatórios; vínculos familiares entre licitantes e o prefeito municipal, etc.

Enfim, a criatividade negativa de empresários e gestores públicos, bem como a falta de um controle interno efetivo nas Instituições Públicas, com extensão ao rito licitatório, propiciam as fraudes, noticiadas quase que diariamente, nos veículos de comunicação, fruto de: acordo prévio entre licitantes que, com conluio, ajustam a participação que preços fiquem satisfatórios aos seus interesses; direcionamento de especificações de produtos/mercadorias/serviços, para que apenas uma determinada empresa tenha condições de atender ao edital; elaboração de editais com exigências que, ao restringir a competitividade, favoreça um licitante; e, recebimento de produtos/mercadorias/serviços com quantidade ou qualidade diversa do contratado.

Nessa esteira de irregularidades, a partir dos estudos empreendidos, há fraudes concretizadas, tendo como lastro: na dispensa de licitação para compras de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) e obras de até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), por exemplo, muitas vezes o mesmo material ou serviço é adquirido de empresas diferentes para burlar a lei, ou seja, a utilização da fragmentação da despesa. Na Carta Convite -modalidade de licitação para compras de menor valor, cujo critério de adjudicação mais utilizado é o menor preço - a maioria das vezes, a fraude se caracteriza, pelo processo de ‘cobertura’, quando os concorrentes acertam entre si quem vai vencer o certame. Ainda fazendo parte do rol de irregularidades, podem-se trazer à baila editais viciados, quando impõem exigências desnecessárias ou descabidas, os quais restringem o número de concorrentes, implicando em redução na democratização de oportunidades.

Esquecem, porém, os fraudadores, que, se levado a sério o ordenamento pátrio, as penalidades vão desde advertência, multa, suspensão temporária, até declaração de idoneidade para licitar com a Administração Pública; e caso seja evidenciada a participação de agente, gestor ou servidor público, existe legislação própria, a exemplo da Lei de Improbidade. Cabe enfatizar que, apesar de gozar do princípio da autonomia universitária (didático-científica, gestão administrativa, financeira e patrimonial), de que trata o art. 207 da CRFB, em sendo órgão público, ou mesmo particular, ao executar planos, programas ou projetos com recursos estatais, a licitação é o requisito específico para contratar.

Finalmente, para levantar discussão em torno das exceções licitatórias, deixa-se a indagação que se segue: não estaria o governo lançando mão de política pública, de natureza afirmativa, na espécie econômica, para igualar os desiguais - as MEs e EPPs, bem assim as dispensas e inexigibilidades, com o condão do princípio da igualdade jurídica, na sua acepção material ou substantiva?

Referências:
BOSELLI, Felipe. Licitação pública: um problema bem brasileiro. In: Revista Brasileira de Administração (RBA), Brasília, ano XX, ed. 82, p. 40-44, maio/jun. 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativos. São Paulo: Malheiros, 1996.
MOTTA, Carlos Pinto Coelho; FERNANDES, Jorge Ulisses Facoby. Responsabilidade Fiscal. 2. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
QUADROS, Cerdônio; SANTOS, Fernanda Freire dos. (Orgs.). 2. ed. Constituição da República Federativa do Brasil. (CRFB). São Paulo: Atlas, 2008.
SANTOS, Luiz Carlos dos. Cotas étnico-raciais, sociais e econômicas: a concretização do princípio da igualdade jurídica material. Salvador, 2009. Disponível em: .lcsantos.pro.br>. Acesso em: 1º ago. 2011.

 

Autor deste artigo: Luiz Carlos dos Santos - participante desde Sex, 03 de Setembro de 2004.

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