Edimaura Santana da Silva1 RESUMO A discussão sobre o tema mulher neste artigo se inicia com uma abordagem sócio-histórica e se desenvolve a partir das possibilidades dialógicas presentes no poema Maria Bonita de Miryan Fraga, tendo em vista as singularidades da mulher no tempo e nas relações de gênero.
Esta pesquisa foi realizada mediante leitura analítica do poema e de teorias literárias sistematizadas por vários instrumentos metodológicos - fichas de leitura para a seleção e organização de autores, levantando de esclarecimentos sobre a autora, o vocabulário, as figuras de construção poética e a ideologia.
Palavras-chave: Figura de construção. Feminismo. Mulher.
ABSTRACT The debate on the issue of women in this article begins with a socio-historical and develops from the dialogical possibilities present in the poem by Miryam Fraga Maria Bonita, in view of the uniqueness of women in time and in gender relations. This research was carried out through analytical reading of the poem and literary theory systematized by several methodological tools - read leaves for the selection and organization of authors, posing for author information, vocabulary, figures of poetic construction and ideology. KEY WORDS: Construction of figure. Feminism. Women
Introdução A sociedade brasileira tem vivenciado nessas últimas décadas, grandes mudanças nas posturas e práticas da mulher brasileira. As mulheres estão ocupando posições profissionais de destaque no cenário brasileiro, seja na política, na economia, na educação ou demais âmbitos sociais. Por conta dessas alterações, a mulher tem se tornado objeto de estudo em diversas áreas do conhecimento acadêmico. Tornou-se comum as discussões acadêmicas a respeito do tema mulher. O surpreendente, no entanto, é a rapidez com que a questão de gênero tem se propagado e como o contexto histórico tem condicionado estas políticas e debates sobre o tema, proporcionando condições materiais para que os estudos sobre mulher se consolidem enquanto tema transversal , quando não específico , dada a sua complexidade. Claro que a mulher não tinha tanta importância nos séculos passados. Nesse tocante, é sabido que a propagação e interesse sobre o tema é resultado de uma construção ideologia histórica que se inicia na Europa e nos Estados Unidos, no final da Guerra Fria e logo em seguida estas idéias chegaram ao Brasil,modificando as velhas posturas e atitudes a respeito do papel da mulher. Coutinho (1994, p.98), observa que mulher brasileira da época foi bombardeada por toda esta ideologia que pensava a identidade feminina a partir do marido, da casa e da criação dos filhos. Tal processo de construção da identidade da mulher levava seu ser pessoal a ser definido a partir dos outros - marido, casa e os filhos e, desta forma, negava-se à mulher a possibilidade de ser ela mesma.
Categorias da linguagem , assim como da ideologia , podem parecer fixas e dadas, mas, na verdade, ambas estão sujeitas a constantes mudanças. Ao falar , as pessoas
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1 Pós-graduanda em Metodologia e Didática do Ensino Superior. Trabalho de conclusão de curso apresentado como pré-requisito avaliativo para obtenção do título de especialista em Metodologia Didática do Ensino Superior. Orientador:Prof. Doutor José Eduardo Ferreira Santos.
estabelecem , mantêm, confirmam e, até mesmo, questionam as organizações da linguagem e das ideologias que são linguisticamente expressas. Desta forma , a ideologia dominante , ao agi como princípio ordenador das diferenças em uma organização social determinada, atribui significados e organiza as diferenças biológicas entre os sexos , dando-lhes um sentido que é social e natural.(COUTINHO , 1994, p.51)
Nos tempos atuais, as discussões sobre eas relações de gênero têm promovido um campo de confrontos e movimentos, buscando apresentar um mundo no qual se multiplicam a diversidade de forma integrada, partindo do pressuposto de que homem e Mulher são diferentes e um não pode servir de pretexto para a configuração do outro. Isto é, a concepção identitária de um sujeito deve ser considerada a partir dos seus próprios elementos biológicos, sócio-culturais e psicológicos.
Se muitas destas mudanças no papel e na posição social da mulher podem ser atribuídas às pressões exercidas pelos movimentos feministas desencadeados nos Estados Unidos e em alguns países europeus , elas se devem,também, às novas pesquisas acadêmicas que alteraram substancialmente algumas concepções ,mitos e estereótipos antigos acerca da mulher e configuraram o que se denominou Estudos da Mulher.(COUTINO,1994,p.13).
A temática Mulher e relação de gênero estendeu-se também na Literatura Brasileira , sendo que a crítica literária fora a sua porta de entrada , numa tentativa de apontar para os perfis de mulher expressos nos gêneros literários. Representar e enfatizar a presença da mulher na sociedade numa perspectiva diferente do arquétipo da mulher dos séculos anteriores também constitui em objetivos contundentes nas pesquisas literárias, tendo em vista as várias possibilidades de compreensão da mulher na sua pragmática enquanto sujeito social, singular e plural, considerando principalmente seus aspectos identitários.
A mulher na literatura brasileira
O perfil de mulher na literatura em geral, acompanha a ideologia social da época, ou seja, as transformações sofridas pela sociedade. No século XIX, a mulher tinha o papel de “submissa”, de “obediente” e “serva”, as que ousaram romper com este papel, como as personagens de Alencar, enfrentaram os tabus para a época em que viveram. Dessa maneira, Alencar é precursor, no que diz respeito à Literatura Brasileira, em retratar a mulher capaz de romper preconceitos e lutar por sua liberdade pessoal, pois as personagens mostradas por ele mais tarde foram aprimoradas por outros autores brasileiros do século XX.
A liberação feminina seja bem maior em países mais desenvolvidos, no Brasil a situação da mulher em geral é ainda de desvalorização e submissão. Na imensa vastidão do território nacional , o machismo impera e domina.(MORGADO,1987,p.18).
A maior parte dos estudos sobre mulher da literatura contemporânea são referentes a análises da linguagem feminina em texto escrito por mulheres. Apresenta também aspectos do cotidiano que mostram mulheres encarando a vida de diferentes modos, mas que dialogam com o sexo masculino num direcionamento para se firmarem numa relação igualitária,um tanto contraditório, pois graças a convenções,mulheres se calaram durante muito tempo e agora descobrem que somente num dialogo paralelo com o ser masculino elas conseguem se reerguer. (Nicholson, 1993, p.266) afirma que assim como a cultura patriarcal foi criada a partir da experiência do homem ou, mais precisamente, da experiência do homem branco de classe média e alta, as feministas estão criando uma nova cultura mundial baseada na cultura das mulheres.
Literatura feita por mulheres
Em relação a conquista de espaço no campo literário mulheres por espaço na crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Araújo, no livro Ensaístas Brasileiras (1993) escreveram o seguinte trecho:
Desta forma pode-se perceber, na própria estrutura dos verbetes, os vários momentos da história da crítica feminina. No século XIX, os dados de identificação são recorrentemente vinculados à origem familiar e à atuação em revistas e publicações informais, determinando uma formatação mais narrativa e circunstancial. A partir de 1934, com a Fundação das Faculdades de Filosofia no Brasil, e, principalmente, no período posterior à regulamentação dos cursos de pós-graduação que permitiram a consolidação da pesquisa acadêmica, os verbetes tornam-se mais técnicos refletindo a profissionalização da crítica feminina. (p.9)
Coutinho (1994, p.14) reforça que‘‘as mulheres eram concebidas como emocionais ao extremo, incapazes de uma decisão racional, frequentemente choronas, ranzinzas, resmungonas e cobradoras’’. Por esta razão as mulheres eram consideradas como frágeis por parte dos homens que não admitiram sua participação na sociedade de forma igualitária. A solução para esse monólogo foi que algumas mulheres começaram produzir obras literárias dentro de um padrão masculino e analisadas a partir de uma visão masculina. Se a atitude orientada pelo relacionamento é mais característico do feminino, o lado sombrio ou aspecto não-reconhecido tem um desejo de poder ilimitado. Na medida em que a mulher é, por natureza, de funcionamento cíclico e às vezes não tem a capacidade de agir de forma totalmente extrovertida, ela anseia por essa liberdade completa que , imagina, pertence ao macho. .(NICHOLSON, 1993, p.136) Somente desta forma algumas conseguiram estabelecer um perfil de obra e crítica feminina na literatura e consequentemente atribuíram uma nova configuração a personagem feminina na literatura brasileira. É nesta visão de mulher autônoma, porém dialógica que Myriam Fraga escreve a 11ª estrofe do poema Maria Bonita: [...] Sou o gosto de sal, Veneno que espalharam/ No preto. [...]. O poema em questão traz inicialmente uma personagem feminina passiva, construída por figuras poéticas que conotam docilidade e em seguida nos sugere uma mulher sufocada em sua sexualidade; uma mulher relativamente ignorante, rude. A posição de um ego voltado para objetivos da identidade, reconhecimento e poder dá margem a uma sombra, uma contraparte inconsciente inferior que recusa significado e reprime o sentimento. a mulher nesta posição pode facilmente ser dominada pelos valores patriarcais ao seu redor.( NICHOLSON,1993,p.137) Invoca também uma possível evolução para esta mulher, através do ser masculino deixando para o leitor a idéia de pureza do homem e “impureza da “mulher”. Apresenta uma luz metafórica que inebria esta mulher e ao mesmo tempo reforça a idéia de falta de perspectiva da mesma. “As escolhas das mulheres são estruturadas em grande parte por relacionamentos. “Ao contrário, os relacionamentos entre homens tendem a ser estruturados largamente pelas escolhas que fazem”. ( NICHOLSON, 1993, p.136) A idéia da liberdade e soltura do ser masculino para quem Maria Bonita aclama. Trata a sexualidade masculina como um braseiro passando para o leitor a conotação de extrema virilidade do homem. Morgado (1986), afirma que: Há ainda a de considerar o fato de que, para os homens, uma moça mãe solteira significa que ela está disponível [...] para um relacionamento sexual fato, aliás, que ocorre com as mulheres desquitadas sem que haja tempo para se conhecerem melhor (p.56) Não ocorreu também a nenhuma das mulheres que debater também a liberdade de amar necessariamente não corresponde a apoiar libertinagem e promiscuidade - nenhum assunto ou debate se perde por haver opiniões contrárias, nenhuma idéia é necessariamente uma fonte de contágio de moralidade ou imoralidade, e senhoras por foca de vidas já vividas não são jovenzinhas impressionáveis - ou não deveriam sê-los mais nesta altura da vida. (p.78) Seja qual for a definição de masculino e feminino, as qualidades femininas são reprovadas e, consequentemente, tendem a ser reprimidas .Essas qualidades reprimidas numa determinada mulher torna-se animus.(NICHOLSON,1993,p.172) Dois períodos literários; duas faces antagônicas No período romântico as mulheres eram concebidas como delicadas, sagradas, boazinhas, débeis e ícones de beleza. Atingi-las seria um erro ao homem, pois essas eram sempre vencidas pelo amor. Sobre esta idéia de ser intocável (NICHOLSON, 1993, p.33) diz que mais e mais mulheres estão relacionando a idéia de divindade não com uma imagem antropomórfica, nem mesmo como umas fagulhas divinas dentre nós, mas como a energia que flui os próprios processos da vida e do viver. No Realismo, as mulheres eram ousadas, fortes, decididas sedutoras porque o contexto histórico é transformado e com a estabilidade da sociedade burguesa começaram a surgir escritores e críticos literários que apreciavam a independência, a racionalidade, e resgatavam os saberes socialmente dominados. Foucault entende que saberes dominados são assim compostos: [...] por duas coisas: por um lado, os conteúdos históricos que foram sepultados, mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações formais [...] Em segundo lugar, por saber dominado se deve entender outra coisa [...] inteiramente diferente: uma série de saberes que tinham sido desqualificados como não competentes ou insuficientemente elaborados. (FOUCAULT, 2006 p.170) Esta vontade está se realizando. Mas o período que atravessamos é um período de transição; este mundo que sempre pertenceu aos homens ainda continua nas mãos deles; as instituições e os valores da civilização patriarcal sobrevivem a se mesmos em grande parte. Os direitos abstratos ainda estão longe de ser integralmente reconhecidos em toda parte às mulheres. (BEAUVOIR, 1949, p.181) Considerando essa posição teórica de que as mulheres possuíam saberes dominados e que hoje existe uma valorização desses saberes, além do acréscimo de cultural desta mulher, faz sentido dizer que a mudança de mentalidade na sociedade moderna e contemporânea contribuiu para que o perfil da mulher fosse redimensionado. A visão de mulher da escritora Myriam Fraga Os estudos sobre gênero na obra de Fraga se dão através da intertextualidade, ou seja, a interpretação da linguagem subjetiva e os elementos sócio-históricos que compõem a obra e promovem o diálogo com as teorias dos estudos de gênero. Nas entrelinhas do poema Maria Bonita, por exemplo, percebem-se os referidos elementos sócio-históricos quando da intenção da autora Myriam Fraga, de apresentar a influência e o poder como exemplos das expectativas que a sociedade desenvolveu sobre os diferentes papéis associados ao sexo. Nese sentido a autora utiliza de constituintes poéticos que ora denuncia, ora justifica situações adversas , delimitanto as duas faces de uma mulher forte e oprimida . Estas expectativas sociais regulam o modo como as pessoas usam estas estratégias para controlar os demais. Acredita-se, que estereótipos de que a mulher é menos competitiva, agressiva e ou menos inteligente do que o homem pode limitar as estratégias femininas para a sua atuação social. Pode-se notar também que o poema Maria Bonita traz questões existenciais do ser humano, como os encantos e desencantos amorosos,sufocamento da expressão sexual da mulher e adentra nas possíveis reflexões sobre o papel da mulher na sociedade[...] Tua mulher,/ tua terra/Tua alma/Tua roça/ Coivara [...] A noite é farta/Como besta no presente cio [...] (FRAGA, 1996, p30). Relação de poder no poema Maria Bonita Os estudiosos da literária feminista perceberam que o patriarcado estava em toda parte, por isso tentou redimensionar os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres na literatura brasileira contemporânea. Isto porque na perspectiva da burguesia, na qual a literatura da época se baseia, as mulheres são excluídas de algumas atividades, principalmente das relativas ao engrandecimento espiritual. Em contrapartida era conferida à mulher os estereótipos de boa, sagrada, rainha do lar numa intenção de controle machista. [...]Torna-se difícil para uma mulher abandonar este lugar de priivilégio que ela sempre gozou no espaço privado e de onde ela não só vem organizando sua sobrevivência e resistência , como também vem participando , indiretamente – através da influência contínua que pode exercer sobre os filhos e, muitas vezes também sobre o marido [...] ( COUTINHO,1994, p.64).Assim, essas mulheres eram tolhidas de liberdade de pensamento, de escolha, de senso crítico, de postura autônoma e de mais possibilidades de viver as emoções, sonhos e conquistas da humanidade. A personagem do poema “vive” essas limitações e por isso utiliza de estratégias para sobreviver nesta relação tensa de poder[...] Areia no sapato/Sou a rede.[...] Pasto de aves meu corpo/Que trabalhas/Como quem corta e lavra. [...] (FRAGA,1996,P.30). O poema trata também sobre a sensualidade da mulher, no entanto , esta sensualidade não é concebida equanto parte essencial do ser feminino mas como elemento simbólico do ser masculino, ou seja , a sensualidade de mulher em Maria Bonita está projetada como um instrumento de controle do seu parceiro sexual e não como uma propriedade dela , enquanto ser humano. Tua égua parida/Sou a roseta na carne,/O lombo nas esporas. Essa proposta de submissão sexual costuma ser um elemento de controle ou dominação masculina numa sociedade patriarcal. [...]Aberta como um fruto/Sou soluço/Fome escura/De poço/Sou a caça [...] (FRAGA, 1996, p30) . Para a grande maioria das mulheres , este mundo conserva seu brilho depois do casamento ; só o marido perde seu prestígio; a mulher descobre que a pura essência do homem nele se degradou.Contudo o homem continua sendo a verdade do universo , a autoridade suprema , a maravilhosa aventura, o senhor , o olhar, a presa , a salvação , o prazer; encarna ainda a transcendência, é a resposta a todas a perguntas.E a mais leal das esposas nunca consente em renunciar inteiramente a ele para se encerrar na morna companhia de um indivíduo contigente. (Beauvoir, 1949, p.349) Coutinho (1994) critica a submissão e controle patriarcal dizendo que ser mulher o e ser homem são categorias construídas e, portanto , o ser mulher , da mesma forma que o ser homem , é resultado de uma intrincada rede de significações.Assim, apesar de construir o grupo mais numeroso na maioria das sociedades ( a metade ou mais da população de suas regiões ou países, o que é ser mulher diz respeito a mulheres de diferentes grupos étnicos e camadas sociais .(p.17) Há também na poesia em questão um estado metafórico de trevas para a mulher e de luz para o homem. Esta luz serve como seta, indicação para uma mulher submissa aos caprichos do homem.[...] Vem, meu dono/ meu sócio,/ Meu comparsa.[...]( FRAGA,1996, p.30). Maria Izilda (2000) discute a relação de gênero alertando que é importante observar as diferenças sexuais enquanto construções culturais, linguísticas e históricas, que incluem relação de poder não localizadas exclusivamente num ponto fixam-no masculino, mas presente na trama histórica (p.23). No mesmo poema há também outra perspectiva para a personagem feminina, concebendo-a numa posição igualitária ao homem.[...]Sou montaria e cavalo/Fúria e faca./Ferro em brasa na espádua[...](FRAGA,1996 ,p.30).Esta mulher é apresentada neste segundo momento poético, enquanto força perigosa e controle do ser masculino porque esta representa sua segurança, sua razão e a agilidade. A personagem é descrita finalmente enquanto ágil dominadora e dominada num equilíbrio tanto com o seu parceiro quanto em relação à vida.[...] Desata a cartucheira/Teu campo de batalha/Sou eu.[...] (FRAGA, 1996,p.30). Nas diferentes classes sociais, a mulher se encontra sob pressão de ter que responder simultaneamente a distintas solicitações dentro e fora de casa. A ternura e a calma que necessita para cuidar de um bebê nada têm a ver com o retiro acelerado da fábrica ou da firma onde trabalha, e isto Faz com que a mulher se sinta puxada para dois lados – de um lado, a necessidade de ser mãe; de outro, a necessidade de ser pessoa. (Morgado, 1987, p.45) No poema analisado, a mulher é representada como força perigosa e controle do ser masculino porque esta representa sua segurança, sua razão e a agilidade sem ter a caricatura da figura masculina.[...] Sou tua fera./ Sussuarana/No escuro - bote e salto.[...] (FRAGA,1996,p.30) “Esta compreensão geral do princípio feminino é reforçada por um conjunto complexo de símbolos e mitos que aparececem em todas as formas de arte e literatura , assim como na religião e na psicologia (NICHOLSON, 1993, p.114) A mulher que imita compulsivamente padrões de pensamento e atividade que lhe parecem masculinos estará, quando muito ,conseguindo transformar-se numa triste caricatura da figura masculina tradicional. (NICHOLSON, 1993, p.65) Então nos faz uma descrição sugestiva do universo feminino enquanto aquela que possui toda riqueza que a segurança e o controle e racionalidade do homem. A personagem Maria Bonita é descrita finalmente enquanto ágil dominadora e dominada num equilíbrio tanto com o seu parceiro quanto em relação à vida. Considerações finais No seu processo de socialização, as mulheres foram treinadas para serem emocionais, para serem mais filantrópicas, enquanto que os homens aprenderam a ser totalmente racionais. As circunstancias sociais as relações de gênero modificam as convenções e explica a mudança da mulher e a evolução do perfil feminino na literatura brasileira. Enquanto que o patriarcalismo e a dominação da mulher são formas históricas não naturais, que causaram um atraso social e intelectual danoso no histórico de vida da mulher. Os estudos e produções literárias enquanto conhecimento acadêmico elemento socio-cultural, têm contribuído bastante na mudança de paradigma da figura feminina. Vale salientar, no entanto que apesar de importantes políticas e transformações sociais tenham acontecido, ainda existem desigualdades no tratamento entre mulheres e homens, especialmente no nosso país. Trabalhos de pesquisas e de crítica como estes, são importantes para a exploração deste tema sob novos enfoques propagando a ideologia de igualdade entre os gêneros e para questionar alguns mitos e estereótipos antigos a respeito da figura feminina. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUVOIR, S.-O Segundo Sexo - Círculo do Livro, Nova Fronteira, São Paulo, 1949 FOUCAULT, Michel- Microfísica do Poder- Edições de Graal, Rio de Janeiro, 1979 HOLLANDA, Heloisa Buarque de Ensaístas Brasileiras-Rocco, Rio de Janeiro, 1993 MATOS, Maria Izilda S. de, Por uma História da mulher-EDUSC, São Paulo, 2000. MAY, Rollo, O Homem à procura de si mesmo-editora Vozes, Rio de Janeiro1973 MORGADO, Belkis Frony-A marca do gado: rótulo da mulher - José Olympio, Rio de Janeiro, 1987 FRAGA,Myriam,Femina-Fundação Casa de Jorge Amado,Salvador,1996 NICHOLSON, Shirley-O novo despertar da deusa: o princípio feminino hoje- Rocco, Rio de Janeiro, 1993 ROCHA,Coutinho, Lúcia - Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares - Gênero Plural, Rio de JMaria Bonita: uma representação de mulher na obra de Myriam Fraga Edimaura Santana da Silva2 RESUMO A discussão sobre o tema mulher neste artigo se inicia com uma abordagem sócio-histórica e se desenvolve a partir das possibilidades dialógicas presentes no poema Maria Bonita de Miryan Fraga, tendo em vista as singularidades da mulher no tempo e nas relações de gênero. Esta pesquisa foi realizada mediante leitura analítica do poema e de teorias literárias sistematizadas por vários instrumentos metodológicos - fichas de leitura para a seleção e organização de autores, levantando de esclarecimentos sobre a autora, o vocabulário, as figuras de construção poética e a ideologia. Palavras-chave: Figura de construção. Feminismo. Mulher. ABSTRACT The debate on the issue of women in this article begins with a socio-historical and develops from the dialogical possibilities present in the poem by Miryam Fraga Maria Bonita, in view of the uniqueness of women in time and in gender relations. This research was carried out through analytical reading of the poem and literary theory systematized by several methodological tools - read leaves for the selection and organization of authors, posing for author information, vocabulary, figures of poetic construction and ideology. KEY WORDS: Construction of figure. Feminism. Women Introdução A sociedade brasileira tem vivenciado nessas últimas décadas, grandes mudanças nas posturas e práticas da mulher brasileira. As mulheres estão ocupando posições profissionais de destaque no cenário brasileiro, seja na política, na economia, na educação ou demais âmbitos 2 Pós-graduada em Metodologia e Didática do Ensino Superior. Trabalho de conclusão de curso apresentado como pré-requisito avaliativo para obtenção do título de especialista em Metodologia Didática do Ensino Superior. Orientador:Prof. Doutor José Eduardo Ferreira Santos. sociais. Por conta dessas alterações, a mulher tem se tornado objeto de estudo em diversas áreas do conhecimento acadêmico. Tornou-se comum as discussões acadêmicas a respeito do tema mulher. O surpreendente, no entanto, é a rapidez com que a questão de gênero tem se propagado e como o contexto histórico tem condicionado estas políticas e debates sobre o tema, proporcionando condições materiais para que os estudos sobre mulher se consolidem enquanto tema transversal , quando não específico , dada a sua complexidade. Claro que a mulher não tinha tanta importância nos séculos passados. Nesse tocante, é sabido que a propagação e interesse sobre o tema é resultado de uma construção ideologia histórica que se inicia na Europa e nos Estados Unidos, no final da Guerra Fria e logo em seguida estas idéias chegaram ao Brasil,modificando as velhas posturas e atitudes a respeito do papel da mulher. Coutinho (1994, p.98), observa que mulher brasileira da época foi bombardeada por toda esta ideologia que pensava a identidade feminina a partir do marido, da casa e da criação dos filhos. Tal processo de construção da identidade da mulher levava seu ser pessoal a ser definido a partir dos outros - marido, casa e os filhos e, desta forma, negava-se à mulher a possibilidade de ser ela mesma. Categorias da linguagem , assim como da ideologia , podem parecer fixas e dadas, mas, na verdade, ambas estão sujeitas a constantes mudanças. Ao falar , as pessoas estabelecem , mantêm, confirmam e, até mesmo, questionam as organizações da linguagem e das ideologias que são linguisticamente expressas. Desta forma , a ideologia dominante , ao agi como princípio ordenador das diferenças em uma organização social determinada, atribui significados e organiza as diferenças biológicas entre os sexos , dando-lhes um sentido que é social e natural.(COUTINHO , 1994, p.51) Nos tempos atuais, as discussões sobre eas relações de gênero têm promovido um campo de confrontos e movimentos, buscando apresentar um mundo no qual se multiplicam a diversidade de forma integrada, partindo do pressuposto de que homem e Mulher são diferentes e um não pode servir de pretexto para a configuração do outro. Isto é, a concepção identitária de um sujeito deve ser considerada a partir dos seus próprios elementos biológicos, sócio-culturais e psicológicos. Se muitas destas mudanças no papel e na posição social da mulher podem ser atribuídas às pressões exercidas pelos movimentos feministas desencadeados nos Estados Unidos e em alguns países europeus , elas se devem,também, às novas pesquisas acadêmicas que alteraram substancialmente algumas concepções ,mitos e estereótipos antigos acerca da mulher e configuraram o que se denominou Estudos da Mulher.(COUTINO,1994,p.13). A temática Mulher e relação de gênero estendeu-se também na Literatura Brasileira , sendo que a crítica literária fora a sua porta de entrada , numa tentativa de apontar para os perfis de mulher expressos nos gêneros literários. Representar e enfatizar a presença da mulher na sociedade numa perspectiva diferente do arquétipo da mulher dos séculos anteriores também constitui em objetivos contundentes nas pesquisas literárias, tendo em vista as várias possibilidades de compreensão da mulher na sua pragmática enquanto sujeito social, singular e plural, considerando principalmente seus aspectos identitários. A mulher na literatura brasileira O perfil de mulher na literatura em geral, acompanha a ideologia social da época, ou seja, as transformações sofridas pela sociedade. No século XIX, a mulher tinha o papel de “submissa”, de “obediente” e “serva”, as que ousaram romper com este papel, como as personagens de Alencar, enfrentaram os tabus para a época em que viveram. Dessa maneira, Alencar é precursor, no que diz respeito à Literatura Brasileira, em retratar a mulher capaz de romper preconceitos e lutar por sua liberdade pessoal, pois as personagens mostradas por ele mais tarde foram aprimoradas por outros autores brasileiros do século XX. A liberação feminina seja bem maior em países mais desenvolvidos, no Brasil a situação da mulher em geral é ainda de desvalorização e submissão. Na imensa vastidão do território nacional , o machismo impera e domina.(MORGADO,1987,p.18). A maior parte dos estudos sobre mulher da literatura contemporânea são referentes a análises da linguagem feminina em texto escrito por mulheres. Apresenta também aspectos do cotidiano que mostram mulheres encarando a vida de diferentes modos, mas que dialogam com o sexo masculino num direcionamento para se firmarem numa relação igualitária,um tanto contraditório, pois graças a convenções,mulheres se calaram durante muito tempo e agora descobrem que somente num dialogo paralelo com o ser masculino elas conseguem se reerguer. (Nicholson, 1993, p.266) afirma que assim como a cultura patriarcal foi criada a partir da experiência do homem ou, mais precisamente, da experiência do homem branco de classe média e alta, as feministas estão criando uma nova cultura mundial baseada na cultura das mulheres. Literatura feita por mulheres Em relação a conquista de espaço no campo literário mulheres por espaço na crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Araújo, no livro Ensaístas Brasileiras (1993) escreveram o seguinte trecho: Desta forma pode-se perceber, na própria estrutura dos verbetes, os vários momentos da história da crítica feminina. No século XIX, os dados de identificação são recorrentemente vinculados à origem familiar e à atuação em revistas e publicações informais, determinando uma formatação mais narrativa e circunstancial. A partir de 1934, com a Fundação das Faculdades de Filosofia no Brasil, e, principalmente, no período posterior à regulamentação dos cursos de pós-graduação que permitiram a consolidação da pesquisa acadêmica, os verbetes tornam-se mais técnicos refletindo a profissionalização da crítica feminina. (p.9) Coutinho (1994, p.14) reforça que‘‘as mulheres eram concebidas como emocionais ao extremo, incapazes de uma decisão racional, frequentemente choronas, ranzinzas, resmungonas e cobradoras’’. Por esta razão as mulheres eram consideradas como frágeis por parte dos homens que não admitiram sua participação na sociedade de forma igualitária. A solução para esse monólogo foi que algumas mulheres começaram produzir obras literárias dentro de um padrão masculino e analisadas a partir de uma visão masculina. Se a atitude orientada pelo relacionamento é mais característico do feminino, o lado sombrio ou aspecto não-reconhecido tem um desejo de poder ilimitado. Na medida em que a mulher é, por natureza, de funcionamento cíclico e às vezes não tem a capacidade de agir de forma totalmente extrovertida, ela anseia por essa liberdade completa que , imagina, pertence ao macho. .(NICHOLSON, 1993, p.136) Somente desta forma algumas conseguiram estabelecer um perfil de obra e crítica feminina na literatura e consequentemente atribuíram uma nova configuração a personagem feminina na literatura brasileira. É nesta visão de mulher autônoma, porém dialógica que Myriam Fraga escreve a 11ª estrofe do poema Maria Bonita: [...] Sou o gosto de sal, Veneno que espalharam/ No preto. [...]. O poema em questão traz inicialmente uma personagem feminina passiva, construída por figuras poéticas que conotam docilidade e em seguida nos sugere uma mulher sufocada em sua sexualidade; uma mulher relativamente ignorante, rude. A posição de um ego voltado para objetivos da identidade, reconhecimento e poder dá margem a uma sombra, uma contraparte inconsciente inferior que recusa significado e reprime o sentimento. a mulher nesta posição pode facilmente ser dominada pelos valores patriarcais ao seu redor.( NICHOLSON,1993,p.137) Invoca também uma possível evolução para esta mulher, através do ser masculino deixando para o leitor a idéia de pureza do homem e “impureza da “mulher”. Apresenta uma luz metafórica que inebria esta mulher e ao mesmo tempo reforça a idéia de falta de perspectiva da mesma. “As escolhas das mulheres são estruturadas em grande parte por relacionamentos. “Ao contrário, os relacionamentos entre homens tendem a ser estruturados largamente pelas escolhas que fazem”. ( NICHOLSON, 1993, p.136) A idéia da liberdade e soltura do ser masculino para quem Maria Bonita aclama. Trata a sexualidade masculina como um braseiro passando para o leitor a conotação de extrema virilidade do homem. Morgado (1986), afirma que: Há ainda a de considerar o fato de que, para os homens, uma moça mãe solteira significa que ela está disponível [...] para um relacionamento sexual fato, aliás, que ocorre com as mulheres desquitadas sem que haja tempo para se conhecerem melhor (p.56) Não ocorreu também a nenhuma das mulheres que debater também a liberdade de amar necessariamente não corresponde a apoiar libertinagem e promiscuidade - nenhum assunto ou debate se perde por haver opiniões contrárias, nenhuma idéia é necessariamente uma fonte de contágio de moralidade ou imoralidade, e senhoras por foca de vidas já vividas não são jovenzinhas impressionáveis - ou não deveriam sê-los mais nesta altura da vida. (p.78) Seja qual for a definição de masculino e feminino, as qualidades femininas são reprovadas e, consequentemente, tendem a ser reprimidas .Essas qualidades reprimidas numa determinada mulher torna-se animus.(NICHOLSON,1993,p.172) Dois períodos literários; duas faces antagônicas No período romântico as mulheres eram concebidas como delicadas, sagradas, boazinhas, débeis e ícones de beleza. Atingi-las seria um erro ao homem, pois essas eram sempre vencidas pelo amor. Sobre esta idéia de ser intocável (NICHOLSON, 1993, p.33) diz que mais e mais mulheres estão relacionando a idéia de divindade não com uma imagem antropomórfica, nem mesmo como umas fagulhas divinas dentre nós, mas como a energia que flui os próprios processos da vida e do viver. No Realismo, as mulheres eram ousadas, fortes, decididas sedutoras porque o contexto histórico é transformado e com a estabilidade da sociedade burguesa começaram a surgir escritores e críticos literários que apreciavam a independência, a racionalidade, e resgatavam os saberes socialmente dominados. Foucault entende que saberes dominados são assim compostos: [...] por duas coisas: por um lado, os conteúdos históricos que foram sepultados, mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações formais [...] Em segundo lugar, por saber dominado se deve entender outra coisa [...] inteiramente diferente: uma série de saberes que tinham sido desqualificados como não competentes ou insuficientemente elaborados. (FOUCAULT, 2006 p.170) Esta vontade está se realizando. Mas o período que atravessamos é um período de transição; este mundo que sempre pertenceu aos homens ainda continua nas mãos deles; as instituições e os valores da civilização patriarcal sobrevivem a se mesmos em grande parte. Os direitos abstratos ainda estão longe de ser integralmente reconhecidos em toda parte às mulheres. (BEAUVOIR, 1949, p.181) Considerando essa posição teórica de que as mulheres possuíam saberes dominados e que hoje existe uma valorização desses saberes, além do acréscimo de cultural desta mulher, faz sentido dizer que a mudança de mentalidade na sociedade moderna e contemporânea contribuiu para que o perfil da mulher fosse redimensionado. A visão de mulher da escritora Myriam Fraga Os estudos sobre gênero na obra de Fraga se dão através da intertextualidade, ou seja, a interpretação da linguagem subjetiva e os elementos sócio-históricos que compõem a obra e promovem o diálogo com as teorias dos estudos de gênero. Nas entrelinhas do poema Maria Bonita, por exemplo, percebem-se os referidos elementos sócio-históricos quando da intenção da autora Myriam Fraga, de apresentar a influência e o poder como exemplos das expectativas que a sociedade desenvolveu sobre os diferentes papéis associados ao sexo. Nese sentido a autora utiliza de constituintes poéticos que ora denuncia, ora justifica situações adversas , delimitanto as duas faces de uma mulher forte e oprimida . Estas expectativas sociais regulam o modo como as pessoas usam estas estratégias para controlar os demais. Acredita-se, que estereótipos de que a mulher é menos competitiva, agressiva e ou menos inteligente do que o homem pode limitar as estratégias femininas para a sua atuação social. Pode-se notar também que o poema Maria Bonita traz questões existenciais do ser humano, como os encantos e desencantos amorosos,sufocamento da expressão sexual da mulher e adentra nas possíveis reflexões sobre o papel da mulher na sociedade[...] Tua mulher,/ tua terra/Tua alma/Tua roça/ Coivara [...] A noite é farta/Como besta no presente cio [...] (FRAGA, 1996, p30). Relação de poder no poema Maria Bonita Os estudiosos da literária feminista perceberam que o patriarcado estava em toda parte, por isso tentou redimensionar os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres na literatura brasileira contemporânea. Isto porque na perspectiva da burguesia, na qual a literatura da época se baseia, as mulheres são excluídas de algumas atividades, principalmente das relativas ao engrandecimento espiritual. Em contrapartida era conferida à mulher os estereótipos de boa, sagrada, rainha do lar numa intenção de controle machista. [...]Torna-se difícil para uma mulher abandonar este lugar de priivilégio que ela sempre gozou no espaço privado e de onde ela não só vem organizando sua sobrevivência e resistência , como também vem participando , indiretamente – através da influência contínua que pode exercer sobre os filhos e, muitas vezes também sobre o marido [...] ( COUTINHO,1994, p.64).Assim, essas mulheres eram tolhidas de liberdade de pensamento, de escolha, de senso crítico, de postura autônoma e de mais possibilidades de viver as emoções, sonhos e conquistas da humanidade. A personagem do poema “vive” essas limitações e por isso utiliza de estratégias para sobreviver nesta relação tensa de poder[...] Areia no sapato/Sou a rede.[...] Pasto de aves meu corpo/Que trabalhas/Como quem corta e lavra. [...] (FRAGA,1996,P.30). O poema trata também sobre a sensualidade da mulher, no entanto , esta sensualidade não é concebida equanto parte essencial do ser feminino mas como elemento simbólico do ser masculino, ou seja , a sensualidade de mulher em Maria Bonita está projetada como um instrumento de controle do seu parceiro sexual e não como uma propriedade dela , enquanto ser humano. Tua égua parida/Sou a roseta na carne,/O lombo nas esporas. Essa proposta de submissão sexual costuma ser um elemento de controle ou dominação masculina numa sociedade patriarcal. [...]Aberta como um fruto/Sou soluço/Fome escura/De poço/Sou a caça [...] (FRAGA, 1996, p30) . Para a grande maioria das mulheres , este mundo conserva seu brilho depois do casamento ; só o marido perde seu prestígio; a mulher descobre que a pura essência do homem nele se degradou.Contudo o homem continua sendo a verdade do universo , a autoridade suprema , a maravilhosa aventura, o senhor , o olhar, a presa , a salvação , o prazer; encarna ainda a transcendência, é a resposta a todas a perguntas.E a mais leal das esposas nunca consente em renunciar inteiramente a ele para se encerrar na morna companhia de um indivíduo contigente. (Beauvoir, 1949, p.349) Coutinho (1994) critica a submissão e controle patriarcal dizendo que ser mulher o e ser homem são categorias construídas e, portanto , o ser mulher , da mesma forma que o ser homem , é resultado de uma intrincada rede de significações.Assim, apesar de construir o grupo mais numeroso na maioria das sociedades ( a metade ou mais da população de suas regiões ou países, o que é ser mulher diz respeito a mulheres de diferentes grupos étnicos e camadas sociais .(p.17) Há também na poesia em questão um estado metafórico de trevas para a mulher e de luz para o homem. Esta luz serve como seta, indicação para uma mulher submissa aos caprichos do homem.[...] Vem, meu dono/ meu sócio,/ Meu comparsa.[...]( FRAGA,1996, p.30). Maria Izilda (2000) discute a relação de gênero alertando que é importante observar as diferenças sexuais enquanto construções culturais, linguísticas e históricas, que incluem relação de poder não localizadas exclusivamente num ponto fixam-no masculino, mas presente na trama histórica (p.23). No mesmo poema há também outra perspectiva para a personagem feminina, concebendo-a numa posição igualitária ao homem.[...]Sou montaria e cavalo/Fúria e faca./Ferro em brasa na espádua[...](FRAGA,1996 ,p.30).Esta mulher é apresentada neste segundo momento poético, enquanto força perigosa e controle do ser masculino porque esta representa sua segurança, sua razão e a agilidade. A personagem é descrita finalmente enquanto ágil dominadora e dominada num equilíbrio tanto com o seu parceiro quanto em relação à vida.[...] Desata a cartucheira/Teu campo de batalha/Sou eu.[...] (FRAGA, 1996,p.30). Nas diferentes classes sociais, a mulher se encontra sob pressão de ter que responder simultaneamente a distintas solicitações dentro e fora de casa. A ternura e a calma que necessita para cuidar de um bebê nada têm a ver com o retiro acelerado da fábrica ou da firma onde trabalha, e isto Faz com que a mulher se sinta puxada para dois lados – de um lado, a necessidade de ser mãe; de outro, a necessidade de ser pessoa. (Morgado, 1987, p.45) No poema analisado, a mulher é representada como força perigosa e controle do ser masculino porque esta representa sua segurança, sua razão e a agilidade sem ter a caricatura da figura masculina.[...] Sou tua fera./ Sussuarana/No escuro - bote e salto.[...] (FRAGA,1996,p.30) “Esta compreensão geral do princípio feminino é reforçada por um conjunto complexo de símbolos e mitos que aparececem em todas as formas de arte e literatura , assim como na religião e na psicologia (NICHOLSON, 1993, p.114) A mulher que imita compulsivamente padrões de pensamento e atividade que lhe parecem masculinos estará, quando muito ,conseguindo transformar-se numa triste caricatura da figura masculina tradicional. (NICHOLSON, 1993, p.65) Então nos faz uma descrição sugestiva do universo feminino enquanto aquela que possui toda riqueza que a segurança e o controle e racionalidade do homem. A personagem Maria Bonita é descrita finalmente enquanto ágil dominadora e dominada num equilíbrio tanto com o seu parceiro quanto em relação à vida. Considerações finais No seu processo de socialização, as mulheres foram treinadas para serem emocionais, para serem mais filantrópicas, enquanto que os homens aprenderam a ser totalmente racionais. As circunstancias sociais as relações de gênero modificam as convenções e explica a mudança da mulher e a evolução do perfil feminino na literatura brasileira. Enquanto que o patriarcalismo e a dominação da mulher são formas históricas não naturais, que causaram um atraso social e intelectual danoso no histórico de vida da mulher. Os estudos e produções literárias enquanto conhecimento acadêmico elemento socio-cultural, têm contribuído bastante na mudança de paradigma da figura feminina. Vale salientar, no entanto que apesar de importantes políticas e transformações sociais tenham acontecido, ainda existem desigualdades no tratamento entre mulheres e homens, especialmente no nosso país. Trabalhos de pesquisas e de crítica como estes, são importantes para a exploração deste tema sob novos enfoques propagando a ideologia de igualdade entre os gêneros e para questionar alguns mitos e estereótipos antigos a respeito da figura feminina. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUVOIR, S.-O Segundo Sexo - Círculo do Livro, Nova Fronteira, São Paulo, 1949 FOUCAULT, Michel- Microfísica do Poder- Edições de Graal, Rio de Janeiro, 1979 HOLLANDA, Heloisa Buarque de Ensaístas Brasileiras-Rocco, Rio de Janeiro, 1993 MATOS, Maria Izilda S. de, Por uma História da mulher-EDUSC, São Paulo, 2000. MAY, Rollo, O Homem à procura de si mesmo-editora Vozes, Rio de Janeiro1973 MORGADO, Belkis Frony-A marca do gado: rótulo da mulher - José Olympio, Rio de Janeiro, 1987 FRAGA,Myriam,Femina-Fundação Casa de Jorge Amado,Salvador,1996 NICHOLSON, Shirley-O novo despertar da deusa: o princípio feminino hoje- Rocco, Rio de Janeiro, 1993 ROCHA,Coutinho, Lúcia - Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares - Gênero Plural, Rio de Janeiro, 1994. POESIA ANALISADA MARIA BONITA Autora:Myriam Fraga Esta noite em Angico a brisa é calma. No silêncio farfalham Minhas anáguas Como farfalham asas E no escuro minha carne Cheira a mato. Vem meu amor e lavra Este roçado Como quem quebra Um cântaro, Como que lava A casa; Águas frescas na tarde. Tuas límpias carícias, Teus dedos como pássaros E teu corpo que arde Como estrelas No espaço. Não quero tua candeia, Só meus sonhos acesos E eu te direi de nácar Meu caminho, Na planta de teus pés; Meu horizonte, No risco de tuas mãos E meus cabelos Esparsos sobre a relva Em que me habitas. Sou teu medo, teu sangue, Sou teu sono, Tua alpercata De couro, Teu olho cego, miragem Dos vidros Com que miras A mira do mosquete. Sou teu sabre, Facão com que degolas. Sou o gosto de sal, Veneno que espalharam No prato. Sou a colher de prata Azinhavrada. Sou teu laço Teu lenço No pescoço. Sou teu chapéu de couro Constelado Com estrelas de prata Sua a ponta Do teu punhal buscando O peito dos macacos. Sou teu braço, A cartucheira cruzada Sobre o peito, Sou teu leito De angico e alecrim Sou a almofada Em que deitas a face, O cheiro agreste Dos homens que mataste. Sou a bainha E a lâmina é meu resgate. Sou tua fera. Sussuarana No escuro - bote e salto. Jaguatirica acesa nestes altos Mundéus de teu alarme. Sou o parto Da morte que te espreita. Sou teu guia Tua estrela, teu rastro, tua corja. Sou tua mãe que chora, Sou tua filha. Teu cachorro fiel, Tua égua parida. Sou a roseta na carne, O lombo nas esporas. Sou montaria e cavalo, Fúria e faca. Ferro em brasa na espádua Sou teu gado, Tua mulher, tua terra, Tua alma, Tua roça. Coivara Que incendeias e apagas, Tua casa. Areia no sapato. Sou a rede Aberta como um fruto, Sou soluço. Fome escura De poço. Sou a caça Abatida. Lebre e gato, Coisas quentes ao tato. Vem, meu dono, meu sócio, Meu comparsa. Desarma o teu cansaço, Desata a cartucheira, A noite é farta Como besta no cio, A noite é vasta. Vem, devagar E habita meu silêncio Como se habita Um claustro. Lâminas. Como espadas. Pasto de aves meu corpo Que trabalhas Como quem corta e lavra. Desata a cartucheira, Teu campo de batalha Sou eu. Por um momento Esquece o que te mata - fúria e falta - E enquanto a noite é calma Vem e apaga Na pele do meu peito Esta fome sem data. aneiro, 1994. POESIA ANALISADA MARIA BONITA Autora:Myriam Fraga Esta noite em Angico a brisa é calma. No silêncio farfalham Minhas anáguas Como farfalham asas E no escuro minha carne Cheira a mato. Vem meu amor e lavra Este roçado Como quem quebra Um cântaro, Como que lava A casa; Águas frescas na tarde. Tuas límpias carícias, Teus dedos como pássaros E teu corpo que arde Como estrelas No espaço. Não quero tua candeia, Só meus sonhos acesos E eu te direi de nácar Meu caminho, Na planta de teus pés; Meu horizonte, No risco de tuas mãos E meus cabelos Esparsos sobre a relva Em que me habitas. Sou teu medo, teu sangue, Sou teu sono, Tua alpercata De couro, Teu olho cego, miragem Dos vidros Com que miras A mira do mosquete. Sou teu sabre, Facão com que degolas. Sou o gosto de sal, Veneno que espalharam No prato. Sou a colher de prataMaria Bonita: uma representação de mulher na obra de Myriam Fraga Edimaura Santana da Silva3 RESUMO A discussão sobre o tema mulher neste artigo se inicia com uma abordagem sócio-histórica e se desenvolve a partir das possibilidades dialógicas presentes no poema Maria Bonita de Miryan Fraga, tendo em vista as singularidades da mulher no tempo e nas relações de gênero. Esta pesquisa foi realizada mediante leitura analítica do poema e de teorias literárias sistematizadas por vários instrumentos metodológicos - fichas de leitura para a seleção e organização de autores, levantando de esclarecimentos sobre a autora, o vocabulário, as figuras de construção poética e a ideologia. Palavras-chave: Figura de construção. Feminismo. Mulher. ABSTRACT The debate on the issue of women in this article begins with a socio-historical and develops from the dialogical possibilities present in the poem by Miryam Fraga Maria Bonita, in view of the uniqueness of women in time and in gender relations. This research was carried out through analytical reading of the poem and literary theory systematized 3 Pós-graduanda em Metodologia e Didática do Ensino Superior. Trabalho de conclusão de curso apresentado como pré-requisito avaliativo para obtenção do título de especialista em Metodologia Didática do Ensino Superior. Orientador:Prof. Doutor José Eduardo Ferreira Santos. by several methodological tools - read leaves for the selection and organization of authors, posing for author information, vocabulary, figures of poetic construction and ideology. KEY WORDS: Construction of figure. Feminism. Women Introdução A sociedade brasileira tem vivenciado nessas últimas décadas, grandes mudanças nas posturas e práticas da mulher brasileira. As mulheres estão ocupando posições profissionais de destaque no cenário brasileiro, seja na política, na economia, na educação ou demais âmbitos sociais. Por conta dessas alterações, a mulher tem se tornado objeto de estudo em diversas áreas do conhecimento acadêmico. Tornou-se comum as discussões acadêmicas a respeito do tema mulher. O surpreendente, no entanto, é a rapidez com que a questão de gênero tem se propagado e como o contexto histórico tem condicionado estas políticas e debates sobre o tema, proporcionando condições materiais para que os estudos sobre mulher se consolidem enquanto tema transversal , quando não específico , dada a sua complexidade. Claro que a mulher não tinha tanta importância nos séculos passados. Nesse tocante, é sabido que a propagação e interesse sobre o tema é resultado de uma construção ideologia histórica que se inicia na Europa e nos Estados Unidos, no final da Guerra Fria e logo em seguida estas idéias chegaram ao Brasil,modificando as velhas posturas e atitudes a respeito do papel da mulher. Coutinho (1994, p.98), observa que mulher brasileira da época foi bombardeada por toda esta ideologia que pensava a identidade feminina a partir do marido, da casa e da criação dos filhos. Tal processo de construção da identidade da mulher levava seu ser pessoal a ser definido a partir dos outros - marido, casa e os filhos e, desta forma, negava-se à mulher a possibilidade de ser ela mesma. Categorias da linguagem , assim como da ideologia , podem parecer fixas e dadas, mas, na verdade, ambas estão sujeitas a constantes mudanças. Ao falar , as pessoas estabelecem , mantêm, confirmam e, até mesmo, questionam as organizações da linguagem e das ideologias que são linguisticamente expressas. Desta forma , a ideologia dominante , ao agi como princípio ordenador das diferenças em uma organização social determinada, atribui significados e organiza as diferenças biológicas entre os sexos , dando-lhes um sentido que é social e natural.(COUTINHO , 1994, p.51) Nos tempos atuais, as discussões sobre eas relações de gênero têm promovido um campo de confrontos e movimentos, buscando apresentar um mundo no qual se multiplicam a diversidade de forma integrada, partindo do pressuposto de que homem e Mulher são diferentes e um não pode servir de pretexto para a configuração do outro. Isto é, a concepção identitária de um sujeito deve ser considerada a partir dos seus próprios elementos biológicos, sócio-culturais e psicológicos. Se muitas destas mudanças no papel e na posição social da mulher podem ser atribuídas às pressões exercidas pelos movimentos feministas desencadeados nos Estados Unidos e em alguns países europeus , elas se devem,também, às novas pesquisas acadêmicas que alteraram substancialmente algumas concepções ,mitos e estereótipos antigos acerca da mulher e configuraram o que se denominou Estudos da Mulher.(COUTINO,1994,p.13). A temática Mulher e relação de gênero estendeu-se também na Literatura Brasileira , sendo que a crítica literária fora a sua porta de entrada , numa tentativa de apontar para os perfis de mulher expressos nos gêneros literários. Representar e enfatizar a presença da mulher na sociedade numa perspectiva diferente do arquétipo da mulher dos séculos anteriores também constitui em objetivos contundentes nas pesquisas literárias, tendo em vista as várias possibilidades de compreensão da mulher na sua pragmática enquanto sujeito social, singular e plural, considerando principalmente seus aspectos identitários. A mulher na literatura brasileira O perfil de mulher na literatura em geral, acompanha a ideologia social da época, ou seja, as transformações sofridas pela sociedade. No século XIX, a mulher tinha o papel de “submissa”, de “obediente” e “serva”, as que ousaram romper com este papel, como as personagens de Alencar, enfrentaram os tabus para a época em que viveram. Dessa maneira, Alencar é precursor, no que diz respeito à Literatura Brasileira, em retratar a mulher capaz de romper preconceitos e lutar por sua liberdade pessoal, pois as personagens mostradas por ele mais tarde foram aprimoradas por outros autores brasileiros do século XX. A liberação feminina seja bem maior em países mais desenvolvidos, no Brasil a situação da mulher em geral é ainda de desvalorização e submissão. Na imensa vastidão do território nacional , o machismo impera e domina.(MORGADO,1987,p.18). A maior parte dos estudos sobre mulher da literatura contemporânea são referentes a análises da linguagem feminina em texto escrito por mulheres. Apresenta também aspectos do cotidiano que mostram mulheres encarando a vida de diferentes modos, mas que dialogam com o sexo masculino num direcionamento para se firmarem numa relação igualitária,um tanto contraditório, pois graças a convenções,mulheres se calaram durante muito tempo e agora descobrem que somente num dialogo paralelo com o ser masculino elas conseguem se reerguer. (Nicholson, 1993, p.266) afirma que assim como a cultura patriarcal foi criada a partir da experiência do homem ou, mais precisamente, da experiência do homem branco de classe média e alta, as feministas estão criando uma nova cultura mundial baseada na cultura das mulheres. Literatura feita por mulheres Em relação a conquista de espaço no campo literário mulheres por espaço na crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda e Lúcia Araújo, no livro Ensaístas Brasileiras (1993) escreveram o seguinte trecho: Desta forma pode-se perceber, na própria estrutura dos verbetes, os vários momentos da história da crítica feminina. No século XIX, os dados de identificação são recorrentemente vinculados à origem familiar e à atuação em revistas e publicações informais, determinando uma formatação mais narrativa e circunstancial. A partir de 1934, com a Fundação das Faculdades de Filosofia no Brasil, e, principalmente, no período posterior à regulamentação dos cursos de pós-graduação que permitiram a consolidação da pesquisa acadêmica, os verbetes tornam-se mais técnicos refletindo a profissionalização da crítica feminina. (p.9) Coutinho (1994, p.14) reforça que‘‘as mulheres eram concebidas como emocionais ao extremo, incapazes de uma decisão racional, frequentemente choronas, ranzinzas, resmungonas e cobradoras’’. Por esta razão as mulheres eram consideradas como frágeis por parte dos homens que não admitiram sua participação na sociedade de forma igualitária. A solução para esse monólogo foi que algumas mulheres começaram produzir obras literárias dentro de um padrão masculino e analisadas a partir de uma visão masculina. Se a atitude orientada pelo relacionamento é mais característico do feminino, o lado sombrio ou aspecto não-reconhecido tem um desejo de poder ilimitado. Na medida em que a mulher é, por natureza, de funcionamento cíclico e às vezes não tem a capacidade de agir de forma totalmente extrovertida, ela anseia por essa liberdade completa que , imagina, pertence ao macho. .(NICHOLSON, 1993, p.136) Somente desta forma algumas conseguiram estabelecer um perfil de obra e crítica feminina na literatura e consequentemente atribuíram uma nova configuração a personagem feminina na literatura brasileira. É nesta visão de mulher autônoma, porém dialógica que Myriam Fraga escreve a 11ª estrofe do poema Maria Bonita: [...] Sou o gosto de sal, Veneno que espalharam/ No preto. [...]. O poema em questão traz inicialmente uma personagem feminina passiva, construída por figuras poéticas que conotam docilidade e em seguida nos sugere uma mulher sufocada em sua sexualidade; uma mulher relativamente ignorante, rude. A posição de um ego voltado para objetivos da identidade, reconhecimento e poder dá margem a uma sombra, uma contraparte inconsciente inferior que recusa significado e reprime o sentimento. a mulher nesta posição pode facilmente ser dominada pelos valores patriarcais ao seu redor.( NICHOLSON,1993,p.137) Invoca também uma possível evolução para esta mulher, através do ser masculino deixando para o leitor a idéia de pureza do homem e “impureza da “mulher”. Apresenta uma luz metafórica que inebria esta mulher e ao mesmo tempo reforça a idéia de falta de perspectiva da mesma. “As escolhas das mulheres são estruturadas em grande parte por relacionamentos. “Ao contrário, os relacionamentos entre homens tendem a ser estruturados largamente pelas escolhas que fazem”. ( NICHOLSON, 1993, p.136) A idéia da liberdade e soltura do ser masculino para quem Maria Bonita aclama. Trata a sexualidade masculina como um braseiro passando para o leitor a conotação de extrema virilidade do homem. Morgado (1986), afirma que: Há ainda a de considerar o fato de que, para os homens, uma moça mãe solteira significa que ela está disponível [...] para um relacionamento sexual fato, aliás, que ocorre com as mulheres desquitadas sem que haja tempo para se conhecerem melhor (p.56) Não ocorreu também a nenhuma das mulheres que debater também a liberdade de amar necessariamente não corresponde a apoiar libertinagem e promiscuidade - nenhum assunto ou debate se perde por haver opiniões contrárias, nenhuma idéia é necessariamente uma fonte de contágio de moralidade ou imoralidade, e senhoras por foca de vidas já vividas não são jovenzinhas impressionáveis - ou não deveriam sê-los mais nesta altura da vida. (p.78) Seja qual for a definição de masculino e feminino, as qualidades femininas são reprovadas e, consequentemente, tendem a ser reprimidas .Essas qualidades reprimidas numa determinada mulher torna-se animus.(NICHOLSON,1993,p.172) Dois períodos literários; duas faces antagônicas No período romântico as mulheres eram concebidas como delicadas, sagradas, boazinhas, débeis e ícones de beleza. Atingi-las seria um erro ao homem, pois essas eram sempre vencidas pelo amor. Sobre esta idéia de ser intocável (NICHOLSON, 1993, p.33) diz que mais e mais mulheres estão relacionando a idéia de divindade não com uma imagem antropomórfica, nem mesmo como umas fagulhas divinas dentre nós, mas como a energia que flui os próprios processos da vida e do viver. No Realismo, as mulheres eram ousadas, fortes, decididas sedutoras porque o contexto histórico é transformado e com a estabilidade da sociedade burguesa começaram a surgir escritores e críticos literários que apreciavam a independência, a racionalidade, e resgatavam os saberes socialmente dominados. Foucault entende que saberes dominados são assim compostos: [...] por duas coisas: por um lado, os conteúdos históricos que foram sepultados, mascarados em coerências funcionais ou em sistematizações formais [...] Em segundo lugar, por saber dominado se deve entender outra coisa [...] inteiramente diferente: uma série de saberes que tinham sido desqualificados como não competentes ou insuficientemente elaborados. (FOUCAULT, 2006 p.170) Esta vontade está se realizando. Mas o período que atravessamos é um período de transição; este mundo que sempre pertenceu aos homens ainda continua nas mãos deles; as instituições e os valores da civilização patriarcal sobrevivem a se mesmos em grande parte. Os direitos abstratos ainda estão longe de ser integralmente reconhecidos em toda parte às mulheres. (BEAUVOIR, 1949, p.181) Considerando essa posição teórica de que as mulheres possuíam saberes dominados e que hoje existe uma valorização desses saberes, além do acréscimo de cultural desta mulher, faz sentido dizer que a mudança de mentalidade na sociedade moderna e contemporânea contribuiu para que o perfil da mulher fosse redimensionado. A visão de mulher da escritora Myriam Fraga Os estudos sobre gênero na obra de Fraga se dão através da intertextualidade, ou seja, a interpretação da linguagem subjetiva e os elementos sócio-históricos que compõem a obra e promovem o diálogo com as teorias dos estudos de gênero. Nas entrelinhas do poema Maria Bonita, por exemplo, percebem-se os referidos elementos sócio-históricos quando da intenção da autora Myriam Fraga, de apresentar a influência e o poder como exemplos das expectativas que a sociedade desenvolveu sobre os diferentes papéis associados ao sexo. Nese sentido a autora utiliza de constituintes poéticos que ora denuncia, ora justifica situações adversas , delimitanto as duas faces de uma mulher forte e oprimida . Estas expectativas sociais regulam o modo como as pessoas usam estas estratégias para controlar os demais. Acredita-se, que estereótipos de que a mulher é menos competitiva, agressiva e ou menos inteligente do que o homem pode limitar as estratégias femininas para a sua atuação social. Pode-se notar também que o poema Maria Bonita traz questões existenciais do ser humano, como os encantos e desencantos amorosos,sufocamento da expressão sexual da mulher e adentra nas possíveis reflexões sobre o papel da mulher na sociedade[...] Tua mulher,/ tua terra/Tua alma/Tua roça/ Coivara [...] A noite é farta/Como besta no presente cio [...] (FRAGA, 1996, p30). Relação de poder no poema Maria Bonita Os estudiosos da literária feminista perceberam que o patriarcado estava em toda parte, por isso tentou redimensionar os papéis sociais desempenhados por homens e mulheres na literatura brasileira contemporânea. Isto porque na perspectiva da burguesia, na qual a literatura da época se baseia, as mulheres são excluídas de algumas atividades, principalmente das relativas ao engrandecimento espiritual. Em contrapartida era conferida à mulher os estereótipos de boa, sagrada, rainha do lar numa intenção de controle machista. [...]Torna-se difícil para uma mulher abandonar este lugar de priivilégio que ela sempre gozou no espaço privado e de onde ela não só vem organizando sua sobrevivência e resistência , como também vem participando , indiretamente – através da influência contínua que pode exercer sobre os filhos e, muitas vezes também sobre o marido [...] ( COUTINHO,1994, p.64).Assim, essas mulheres eram tolhidas de liberdade de pensamento, de escolha, de senso crítico, de postura autônoma e de mais possibilidades de viver as emoções, sonhos e conquistas da humanidade. A personagem do poema “vive” essas limitações e por isso utiliza de estratégias para sobreviver nesta relação tensa de poder[...] Areia no sapato/Sou a rede.[...] Pasto de aves meu corpo/Que trabalhas/Como quem corta e lavra. [...] (FRAGA,1996,P.30). O poema trata também sobre a sensualidade da mulher, no entanto , esta sensualidade não é concebida equanto parte essencial do ser feminino mas como elemento simbólico do ser masculino, ou seja , a sensualidade de mulher em Maria Bonita está projetada como um instrumento de controle do seu parceiro sexual e não como uma propriedade dela , enquanto ser humano. Tua égua parida/Sou a roseta na carne,/O lombo nas esporas. Essa proposta de submissão sexual costuma ser um elemento de controle ou dominação masculina numa sociedade patriarcal. [...]Aberta como um fruto/Sou soluço/Fome escura/De poço/Sou a caça [...] (FRAGA, 1996, p30) . Para a grande maioria das mulheres , este mundo conserva seu brilho depois do casamento ; só o marido perde seu prestígio; a mulher descobre que a pura essência do homem nele se degradou.Contudo o homem continua sendo a verdade do universo , a autoridade suprema , a maravilhosa aventura, o senhor , o olhar, a presa , a salvação , o prazer; encarna ainda a transcendência, é a resposta a todas a perguntas.E a mais leal das esposas nunca consente em renunciar inteiramente a ele para se encerrar na morna companhia de um indivíduo contigente. (Beauvoir, 1949, p.349) Coutinho (1994) critica a submissão e controle patriarcal dizendo que ser mulher o e ser homem são categorias construídas e, portanto , o ser mulher , da mesma forma que o ser homem , é resultado de uma intrincada rede de significações.Assim, apesar de construir o grupo mais numeroso na maioria das sociedades ( a metade ou mais da população de suas regiões ou países, o que é ser mulher diz respeito a mulheres de diferentes grupos étnicos e camadas sociais .(p.17) Há também na poesia em questão um estado metafórico de trevas para a mulher e de luz para o homem. Esta luz serve como seta, indicação para uma mulher submissa aos caprichos do homem.[...] Vem, meu dono/ meu sócio,/ Meu comparsa.[...]( FRAGA,1996, p.30). Maria Izilda (2000) discute a relação de gênero alertando que é importante observar as diferenças sexuais enquanto construções culturais, linguísticas e históricas, que incluem relação de poder não localizadas exclusivamente num ponto fixam-no masculino, mas presente na trama histórica (p.23). No mesmo poema há também outra perspectiva para a personagem feminina, concebendo-a numa posição igualitária ao homem.[...]Sou montaria e cavalo/Fúria e faca./Ferro em brasa na espádua[...](FRAGA,1996 ,p.30).Esta mulher é apresentada neste segundo momento poético, enquanto força perigosa e controle do ser masculino porque esta representa sua segurança, sua razão e a agilidade. A personagem é descrita finalmente enquanto ágil dominadora e dominada num equilíbrio tanto com o seu parceiro quanto em relação à vida.[...] Desata a cartucheira/Teu campo de batalha/Sou eu.[...] (FRAGA, 1996,p.30). Nas diferentes classes sociais, a mulher se encontra sob pressão de ter que responder simultaneamente a distintas solicitações dentro e fora de casa. A ternura e a calma que necessita para cuidar de um bebê nada têm a ver com o retiro acelerado da fábrica ou da firma onde trabalha, e isto Faz com que a mulher se sinta puxada para dois lados – de um lado, a necessidade de ser mãe; de outro, a necessidade de ser pessoa. (Morgado, 1987, p.45) No poema analisado, a mulher é representada como força perigosa e controle do ser masculino porque esta representa sua segurança, sua razão e a agilidade sem ter a caricatura da figura masculina.[...] Sou tua fera./ Sussuarana/No escuro - bote e salto.[...] (FRAGA,1996,p.30) “Esta compreensão geral do princípio feminino é reforçada por um conjunto complexo de símbolos e mitos que aparececem em todas as formas de arte e literatura , assim como na religião e na psicologia (NICHOLSON, 1993, p.114) A mulher que imita compulsivamente padrões de pensamento e atividade que lhe parecem masculinos estará, quando muito ,conseguindo transformar-se numa triste caricatura da figura masculina tradicional. (NICHOLSON, 1993, p.65) Então nos faz uma descrição sugestiva do universo feminino enquanto aquela que possui toda riqueza que a segurança e o controle e racionalidade do homem. A personagem Maria Bonita é descrita finalmente enquanto ágil dominadora e dominada num equilíbrio tanto com o seu parceiro quanto em relação à vida. Considerações finais No seu processo de socialização, as mulheres foram treinadas para serem emocionais, para serem mais filantrópicas, enquanto que os homens aprenderam a ser totalmente racionais. As circunstancias sociais as relações de gênero modificam as convenções e explica a mudança da mulher e a evolução do perfil feminino na literatura brasileira. Enquanto que o patriarcalismo e a dominação da mulher são formas históricas não naturais, que causaram um atraso social e intelectual danoso no histórico de vida da mulher. Os estudos e produções literárias enquanto conhecimento acadêmico elemento socio-cultural, têm contribuído bastante na mudança de paradigma da figura feminina. Vale salientar, no entanto que apesar de importantes políticas e transformações sociais tenham acontecido, ainda existem desigualdades no tratamento entre mulheres e homens, especialmente no nosso país. Trabalhos de pesquisas e de crítica como estes, são importantes para a exploração deste tema sob novos enfoques propagando a ideologia de igualdade entre os gêneros e para questionar alguns mitos e estereótipos antigos a respeito da figura feminina. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUVOIR, S.-O Segundo Sexo - Círculo do Livro, Nova Fronteira, São Paulo, 1949 FOUCAULT, Michel- Microfísica do Poder- Edições de Graal, Rio de Janeiro, 1979 HOLLANDA, Heloisa Buarque de Ensaístas Brasileiras-Rocco, Rio de Janeiro, 1993 MATOS, Maria Izilda S. de, Por uma História da mulher-EDUSC, São Paulo, 2000. MAY, Rollo, O Homem à procura de si mesmo-editora Vozes, Rio de Janeiro1973 MORGADO, Belkis Frony-A marca do gado: rótulo da mulher - José Olympio, Rio de Janeiro, 1987 FRAGA,Myriam,Femina-Fundação Casa de Jorge Amado,Salvador,1996 NICHOLSON, Shirley-O novo despertar da deusa: o princípio feminino hoje- Rocco, Rio de Janeiro, 1993 ROCHA,Coutinho, Lúcia - Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares - Gênero Plural, Rio de Janeiro, 1994. POESIA ANALISADA MARIA BONITA Autora:Myriam Fraga Esta noite em Angico a brisa é calma. No silêncio farfalham Minhas anáguas Como farfalham asas E no escuro minha carne Cheira a mato. Vem meu amor e lavra Este roçado Como quem quebra Um cântaro, Como que lava A casa; Águas frescas na tarde. Tuas límpias carícias, Teus dedos como pássaros E teu corpo que arde Como estrelas No espaço. Não quero tua candeia, Só meus sonhos acesos E eu te direi de nácar Meu caminho, Na planta de teus pés; Meu horizonte, No risco de tuas mãos E meus cabelos Esparsos sobre a relva Em que me habitas. Sou teu medo, teu sangue, Sou teu sono, Tua alpercata De couro, Teu olho cego, miragem Dos vidros Com que miras A mira do mosquete. Sou teu sabre, Facão com que degolas. Sou o gosto de sal, Veneno que espalharam No prato. Sou a colher de prata Azinhavrada. Sou teu laço Teu lenço No pescoço. Sou teu chapéu de couro Constelado Com estrelas de prata Sua a ponta Do teu punhal buscando O peito dos macacos. Sou teu braço, A cartucheira cruzada Sobre o peito, Sou teu leito De angico e alecrim Sou a almofada Em que deitas a face, O cheiro agreste Dos homens que mataste. Sou a bainha E a lâmina é meu resgate. Sou tua fera. Sussuarana No escuro - bote e salto. Jaguatirica acesa nestes altos Mundéus de teu alarme. Sou o parto Da morte que te espreita. Sou teu guia Tua estrela, teu rastro, tua corja. Sou tua mãe que chora, Sou tua filha. Teu cachorro fiel, Tua égua parida. Sou a roseta na carne, O lombo nas esporas. Sou montaria e cavalo, Fúria e faca. Ferro em brasa na espádua Sou teu gado, Tua mulher, tua terra, Tua alma, Tua roça. Coivara Que incendeias e apagas, Tua casa. Areia no sapato. Sou a rede Aberta como um fruto, Sou soluço. Fome escura De poço. Sou a caça Abatida. Lebre e gato, Coisas quentes ao tato. Vem, meu dono, meu sócio, Meu comparsa. Desarma o teu cansaço, Desata a cartucheira, A noite é farta Como besta no cio, A noite é vasta. Vem, devagar E habita meu silêncio Como se habita Um claustro. Lâminas. Como espadas. Pasto de aves meu corpo Que trabalhas Como quem corta e lavra. Desata a cartucheira, Teu campo de batalha Sou eu. Por um momento Esquece o que te mata - fúria e falta - E enquanto a noite é calma Vem e apaga Na pele do meu peito Esta fome sem data. Azinhavrada. Sou teu laço Teu lenço No pescoço. Sou teu chapéu de couro Constelado Com estrelas de prata Sua a ponta Do teu punhal buscando O peito dos macacos. Sou teu braço, A cartucheira cruzada Sobre o peito, Sou teu leito De angico e alecrim Sou a almofada Em que deitas a face, O cheiro agreste Dos homens que mataste. Sou a bainha E a lâmina é meu resgate. Sou tua fera. Sussuarana No escuro - bote e salto. Jaguatirica acesa nestes altos Mundéus de teu alarme. Sou o parto Da morte que te espreita. Sou teu guia Tua estrela, teu rastro, tua corja. Sou tua mãe que chora, Sou tua filha. Teu cachorro fiel, Tua égua parida. Sou a roseta na carne, O lombo nas esporas. Sou montaria e cavalo, Fúria e faca. Ferro em brasa na espádua Sou teu gado, Tua mulher, tua terra, Tua alma, Tua roça. Coivara Que incendeias e apagas, Tua casa. Areia no sapato. Sou a rede Aberta como um fruto, Sou soluço. Fome escura De poço. Sou a caça Abatida. Lebre e gato, Coisas quentes ao tato. Vem, meu dono, meu sócio, Meu comparsa. Desarma o teu cansaço, Desata a cartucheira, A noite é farta Como besta no cio, A noite é vasta. Vem, devagar E habita meu silêncio Como se habita Um claustro. Lâminas. Como espadas. Pasto de aves meu corpo Que trabalhas Como quem corta e lavra. Desata a cartucheira, Teu campo de batalha Sou eu. Por um momento Esquece o que te mata - fúria e falta - E enquanto a noite é calma Vem e apaga Na pele do meu peito Esta fome sem data.
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