O Psicopedagogo na Sociedade Atual Imprimir
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Escrito por Júlia Eugênia Gonçalves   
Qua, 14 de Junho de 2006 21:00

A Escola, enquanto instituição surge com o estado democrático burguês, fruto da Revolução Francesa. Suas origens denotam a íntima relação entre ambos e a sociedade que a produziu, visto que a burguesia nascente identificava na educação em valor a ser conquistado, em seu processo de ascensão social.

No decorrer de todo o século XIX, a escola se consolida no compromisso de dotar a burguesia dos meios que justificariam seu poder, exercido sobre o proletariado a partir dos progressos da Revolução Industrial.

A partir deste vetor de análise, podemos identificar a base ideológica contida nas relações entre escola, estado e sociedade, a ponto de grandes críticos marxistas a identificarem como um dos "aparelhos ideológicos de estado".

No caso do Brasil esta perspectiva também pode ser considerada, visto que a educação escolar, apesar de algumas iniciativas jesuíticas do período colonial, somente se consolida entre nós com a vinda da corte, em inícios do século XIX, reiterando o aspecto funcional da escola a serviço da classe dominante.

Durante o século XX, este processo sofre algumas mudanças com o advento do estado socialista instaurado após a revolução russa de 1917, que vai alterar profundamente o cenário político europeu e a sociedade da época.

Após a 2ª metade deste século, a dicotomia capitalismo/socialismo se acentua com a chamada "guerra fria" e enquanto os segmentos ligados às ideologias marxistas defenderam programas de "educação de base", as capitalistas desenvolveram programas de "universalização do ensino" e "educação para todos", pautados no princípio filosófico que associa a educação à possibilidade de ascensão social.

Hoje, o estado capitalista pós-moderno, fruto da economia globalizada, exige da escola novas posições. As respostas tradicionais da pedagogia, pautadas em processos de transmissão e de assimilação de disciplinas isoladas e estanques apresentadas em aulas expositivas, que compõem a didática mais utilizada nas escolas, não correspondem mais aos anseios e às necessidades de uma sociedade em mudança acelerada e de comunicação constante.

A análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, projeto inicial do grande educador brasileiro Darcy Ribeiro, traz em seu bojo as seguintes tendências, que marcam o início do século XXI:

" Universalização do ensino, igualdade de acesso e permanência na escola, com gestão democrática, já enunciados nos documentos que pautaram o "Plano Decenal de Educação", 1990-2000;
" "Aprender a Aprender", ou seja, prevalência dos processos de aprendizagem sobre os processos de ensino, fruto da filosofia contida no relatório da Unesco sobre a Educação neste século e de toda a veiculação dos pressupostos construtivistas que se tornaram paradigmas educacionais dominantes;
" Qualidade educacional, complementando as oportunidades de acesso, o que se relaciona com programas de valorização do trabalho docente, investimentos na formação continuada, acesso a novas tecnologias etc.

Estes três aspectos são reflexos das tendências que estão em jogo na sociedade contemporânea, na qual um "saber", construído nos bancos escolares não é mais aceito, como nos diz Hugo Assmann, pois o que é valorizado, neste momento, são as "experiências de aprendizagem" que o indivíduo possui.

Vivemos um momento em que as relações entre escola, estado e sociedade são pautadas por necessidades produtivas, que tanto podem ser encaradas como perversas ou como utópicas.

No nosso ponto de vista, a escola hoje, para se relacionar com o estado e a sociedade, precisa estar inserida no sistema, ou seja, engajar-se num acordo, num verdadeiro pacto social em torno dos processos de aprendizagem que temos que desenvolver para formar cidadãos autônomos e aptos para as exigências que a tecnologia nos traz, evitando a exclusão social que ela pode, ao mesmo tempo, representar.

Tais tendências podem ser expressas, dentre outras características, pelas que se seguem:

" Todas as instituições necessitam estar contextualizadas e estabelecer compromissos sociais e, necessariamente, comprometer-se com a diminuição dos índices de repetência e evasão escolar;
" Não há uma relação biunívoca entre ensino/aprendizagem e uma boa pedagogia não se resume num bom ensino, pois hoje toda filosofia da ciência caminha na direção de compreender o conhecimento como uma aquisição individual, infinita, construída sobre uma base biológica e relacional, e as biociências situam os processos cognitivos como processos vitais;
" Qualquer ciência, sejam as "duras" ou as "moles ou humanas, como diz Michel Sérres , tem uma limitação, não dá conta de responder à todas as perguntas e, por isso, necessita sempre de uma "meta ciência" que possa lidar com o que ela não consegue explicitar;

No caso da pedagogia, o que se vê é um caminhar no sentido da substituição de saberes pré-fixados, por uma prática da pergunta. A cultura não pode ser mais compreendida como um acúmulo de saber. O homem culto, na atualidade, é aquele que sabe onde encontrar a informação que necessita e, principalmente, é aquele que tem condições de escolher, de identificar no meio do acúmulo incomensurável de informação disponível, aquela que lhe interessa.

A contemporaneidade tem suscitado questões relevantes para todo ser humano. A sociedade globalizada, apesar de indicar possibilidades de criação de uma cultura universal, aguça o individualismo e a competição.

As novas tecnologias da informação e os novos suportes (internet, intranet, vídeo-conferência) causam um profundo impacto sobre a sociedade.

As relações educativas não ficam distantes destas situações. Diante dos desafios da pós-modernidade, a escola muda ou desaparece, como prenunciava Ilich . Sua proposta de uma "sociedade sem escolas" antecipava a "sociedade aprendente" de hoje.

É preciso adaptar-se às novas mídias, utilizando processadores de informação para garantir a ação educativa, pois a velocidade das mudanças paradigmáticas que as ciências apresentam se coloca como um fator que, quando não considerado, leva o processo pedagógico a uma situação obsoleta. Os processos de ensino/aprendizagem e, sobretudo os de avaliação, precisam ser adaptados e reformulados para atender às necessidades individuais, pautados numa lógica da diferença e da alteridade.

A Universidade de hoje forma um profissional que, para atuar no mercado de trabalho, necessita de constante atualização. O saber universitário, considerado até então como uma espécie de "reserva" do conhecimento científico, precisa adaptar-se e situar-se numa perspectiva de produção de novos saberes.

Os cursos de graduação estão tentando adaptar-se a esta nova realidade. Experiências como as dos "Institutos Politécnicos" com cursos de curta duração, têm sido realizadas com êxito em vários países.

As estratégias que se colocam à disposição da escola para o encaminhamento de tais questões são pautadas em processos de educação continuada e de educação à distância utilizando todos os suportes de informação disponíveis, empregando novas tecnologias e, sobretudo, qualificando seus docentes como mediadores do conhecimento, o que significa uma mudança radical na prática pedagógica.

São também estratégias relacionais. O homem é, basicamente, um ser da comunicação, no sentido de que, para saber o que é, para saber de si, precisa estar com o outro.

O trabalhador de século XI é um "aprendente". Experiência e conhecimento acumulado, se distanciados de atualização constante, não significam nada.

A fim de poder lidar com as profundas transformações que ocorrem na sociedade, onde há trabalho, mas falta emprego, o profissional deve possuir capacidade de liderança e empreendedorismo, para fazer frente às novas necessidades com as quais se depara. Deve também ser criativo e inovador, para poder ter respostas novas para problemas antigos, lembrando que criar é descobrir o novo no conhecido.

Deve ter humildade para compartilhar informações e conhecimentos, para trabalhar em "time", abandonando corporativismos. Deve ter consciência de seus compromissos sociais e uma ética pautada na solidariedade.

Tais características não são fáceis de serem alcançadas. Necessitam de empenho e dedicação contínuas.

A psicopedagogia tem um papel a desempenhar nesta nova escola e deverá ser a nosso ver, o setor que cumpre o papel de velar, cuidar, organizar as relações comunicativas, abrindo espaços de autoria, nos quais cada elemento da comunidade escolar possa ser e fazer-se.

O psicopedagogo tem um papel decisivo na formação deste profissional para o século XXI, na medida em que pode apontar os caminhos para que tais metas sejam se não totalmente alcançadas, pelo menos, projetadas.

A função do psicopedagogo, em nossa perspectiva, é a de ser "suporte", ou seja, de ser um mediador de informações, de ser aquele que indica caminhos possíveis para serem trilhados pelo sujeito, sem imposições de qualquer natureza.

Seu trabalho é pautado na crença da capacidade humana de aprender e renovar-se continuamente, desadaptando-se a cada mudança que ocorre no ambiente. Por isso, acredita sempre no homem, tem fé no humano e não desanima diante de qualquer dificuldade, pois sabe que todos os seres são dotados da possibilidade de transformar vida em existência, informação em conhecimento, e todos têm um saber a ser explorado em benefício da sociedade.

Nas relações entre escola, estado e sociedade, o psicopedagogo pode vir a ser o profissional que articula instâncias reguladoras entre os diversos âmbitos da realidade educacional, pois é um multiespecialista em aprendizagem humana e detém conhecimentos fundamentais para o momento em que vivemos. Por isso, sua atuação profissional legitimada socialmente, precisa ser regulamentada o quanto antes, de forma a que possa desempenhar o papel que lhe cabe neste momento histórico, sem qualquer tipo de reação normativa.

O Projeto de Lei que regulamenta a profissão de psicopedagogo tramita no Congresso Federal desde 1997. Urge que a sociedade se organize em torno desta proposta, de forma a que o estado brasileiro cumpra com sua função de velar pela educação em nosso país, considerando a contribuição que os novos profissionais surgidos no mercado de trabalho, têm a oferecer.

BIBLIOGRAFIA:
ASSMANN, H.Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, Vozes, 1998;
BARBOSA, Laura monte Serrat.A psicopedagogia no âmbito da Instituição Escolar.Curitiba,Expoente,2001.
ILICH, Sociedade sem Escola. Petrópolis, Editora Vozes, 1977.
NOFFS, Neide. Psicopedagogo na rede de ensino. A trajetória institucional de seus atores-autores. São Paulo, Elevação, 2003.
PINTO, Maria Alice leite. Psicopedagogia,diversas faces, múltiplos olhares. São paulo, Olho DÁgua,2003.
SERRES M.Hermes: uma filosofia da ciência. Rio de Janeiro, Graal, 1990;

 

Autor deste artigo: Júlia Eugênia Gonçalves - participante desde Dom, 14 de Agosto de 2005.

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